Contra o trabalho escravo e em defesa da dignidade e da vida do trabalhador e trabalhadora
Os Dias Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e o do Auditor Fiscal do Trabalho ocorrem em 28 de janeiro. A data foi escolhida em homenagem aos auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira, todos assassinados durante uma ação de fiscalização no município de Unaí (MG) neste mesmo dia, 17 anos atrás.
Nos últimos anos, a data tem ganhado cada vez mais importância. Em primeiro lugar porque não houve de fato a responsabilização dos envolvidos nestes assassinatos. A leniência com as investigações e ausência de celeridade por parte do Poder Judiciário revelam a conivência do Estado brasileiro com essas práticas e contribuem para um ambiente de permissividade que expõe a risco milhares de auditores que ainda desenvolvem suas atividades e seguem cumprindo sua função enquanto agentes públicos.
Em segundo lugar, porque o combate ao trabalho escravo deve estar alinhado com a luta pela garantia dos direitos humanos e fundamentais, previstos tanto internacionalmente como em nossa Constituição Federal de 1988.
Vale destacar que essa permissividade quanto à agenda de combate ao trabalho escravo também se relaciona ao desrespeito e a desvalorização intencional à fiscalização pública do trabalho, que vem sofrendo grandes cortes anuais no orçamento, resultando em falta de verbas para as ações fiscais e em uma diminuição assustadora na quantidade de servidores necessários para combater as violações criminosas que ocorrem. há anos. no país. Desde 2015, a agenda vem sofrendo com grandes cortes orçamentários, no qual, somente nos dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (2019-atual), o orçamento para a fiscalização do trabalho foi reduzido pela metade, saindo de cerca de 55 milhões de reais em 2018 para 29 milhões nos anos de 2019 e 2020. Para 2021, o orçamento geral da União proposto pela atual administração prevê apenas 24 milhões de reais para toda fiscalização do trabalho, valor insuficiente para garantir o funcionamento mínimo das Inspeções de Trabalho.
A relevância da data também se manifesta no desmonte do arcabouço de proteção ao trabalho, iniciado com a reforma trabalhista, que provocou o aumento do desemprego e da informalidade. O ano de 2020 fechou com a taxa de trabalhadores e trabalhadoras informais à 38,8%, segundo o IBGE. De acordo com os mesmos dados, a população negra representava a maioria dos informais. Com isso, milhões de pessoas foram lançadas à situação de vulnerabilidade, facilitando seu aliciamento e tornando-os vítimas fáceis das piores formas de trabalho, notadamente o trabalho o escravo.
No caso específico do mercado de trabalho rural a situação se revela ainda mais grave, principalmente se considerarmos que a informalidade é extremamente elevada, alcançando a média geral de 60% dos contratos de trabalho. Em resumo, dos 4 milhões de assalariados e assalariadas rurais, 2,5 milhões têm carteiras de trabalho assinada. Outro dado preocupante refere-se ao número de trabalhadores rurais resgatados da situação de escravidão nos últimos anos. De 1995 a junho de 2020 foram resgatadas 55 mil vítimas de trabalho escravo, destas mais de 43 mil eram trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Este cenário se tornou ainda mais grave desde o início da pandemia da Covid-19 (2020), quando cerca de 55 milhões de trabalhadores e trabalhadoras tiveram que lançar mão do auxílio emergencial para garantir sua sobrevivência, expondo a gravíssima desigualdade social do Brasil. É inegável que em 2021 o panorama irá se agravar, principalmente diante do fim do auxílio emergencial e da ausência de qualquer plano de Estado para proteger os milhões de trabalhadores e trabalhadoras que já perderam ou que perderão seus empregos em razão da recessão econômica que está por vir.
Não existe combate ao trabalho escravo sem combater as desigualdades, por serem portas de entradas para vulnerabilidade e para a submissão às piores formas de trabalho. Não existe combate ao trabalho escravo quando um dos responsáveis por essa tarefa, o governo federal, afirma que os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras são obstáculos para a geração de emprego digno ou defende a ideia de “menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego”. Vale ressaltar que há violações profundas dos direitos trabalhistas, mesmo nos casos de emprego formalizado, como, por exemplo, as fraudes nas formas de pagamento e também nos Termos de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT), no qual os empregadores estão enganando os empregados. Nesse sentido, só haverá respeito aos direitos humanos e respeito aos trabalhadores e trabalhadoras se não existir trabalho escravo no Brasil, em suas mais diversas facetas.
Por todas as razões apresentadas, reforçamos a importância da data de 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e Dia do Auditor Fiscal do Trabalho. Em 2021, a nossa luta é por justiça em relação à “Chacina de Unaí”, pelo fortalecimento da inspeção do trabalho, pela aprovação de medidas legislativas para aumento do orçamento na área, mas, acima de tudo, pela luta contra as desigualdades, contra as piores formas de trabalho e contra o trabalho escravo.
ADERE-MG (Articulação dos Empregados Rurais do Sul de Minas Gerais)
Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos (BHRRC)
Conectas Direitos Humanos
Contar (Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais)
Instituto Ethos
Foto: Unsplash