Há pouco menos de duas semanas, a Medida Provisória nº 726, publicada no Diário Oficial da União, determinou a reorganização da Presidência da República e dos ministérios que compõem o governo federal. Entre os órgãos extintos está o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, incorporado pelo recém-criado Ministério da Justiça e Cidadania. De acordo com assessores do Ministério da Justiça e Cidadania, a nova estrutura da pasta ainda não está bem definida. Portanto, ainda não se sabe como o trabalho do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos será incorporado ao Ministério da Justiça e da Cidadania.
Por que um ministério voltado para os direitos humanos e a diversidade era importante
Apesar ter sido criado somente em 2015, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos unificou, transversalizou e aprimorou um trabalho que já era feito no Brasil desde 1997, quando Fernando Henrique Cardoso ainda era presidente do país. Em seu governo, foi instituída a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com status de ministério.
Em 2003, na Era Lula, surgiu a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), com o objetivo de incluir os problemas raciais nas políticas governamentais, visando desconstruir a representação negativa (e racista) dos afrodescendentes, democratizar oportunidades e construir um país mais igualitário e justo.
O início da atuação maciça do governo nesses temas completa 19 anos, o que demonstra importância dessa agenda para o Brasil. Desde então, foram muitas as conquistas no combate à pobreza, na luta pela erradicação do trabalho escravo e na inclusão social das parcelas desfavorecidas e discriminadas pela sociedade, por meio de políticas públicas, programas governamentais e cotas. Hoje, o Brasil faz parte de diversos pactos sobre direitos humanos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, as Convenções da Tortura, da Discriminação Racional, da Violência Contra a Mulher, dos Portadores de Necessidades Especiais, dos Desaparecidos, entre outros.
Além disso, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos deixa como legado ações como o Plano Juventude Viva, que visa reduzir a vulnerabilidade dos jovens em situações de violência, a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), que coordena as condutas previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e as cotas raciais nas universidades e nos concursos para cargos públicos.
Ao longo desses anos, o órgão esteve à frente da formulação de políticas para promover o direito à cidadania e a defesa de crianças, adolescentes, idosos e minorias, sobretudo a partir da implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Os direitos humanos correm riscos…
E o maior é o retrocesso. Nos últimos anos, os direitos humanos foram abraçados não apenas pelo Brasil, mas pelo mundo inteiro. É o que nos mostra a ampliação das agendas globais, como os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) e os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), firmados entre os países-membros da ONU (Organização das Nações Unidas). Dos 17 ODS, por exemplo, cinco dizem respeito a esse assunto. O Brasil protagonizou internacionalmente grandes esforços para a erradicação da pobreza e a inclusão social, com o estabelecimento de cotas e a distribuição de bolsas assistencialistas para as populações menos favorecidas.
O Disque 100 era o único mecanismo governamental capaz de contabilizar as denúncias de violência. Com 13 anos de atuação, recebeu mais de 700 mil casos de violação de direitos. Em 2015, para se ter ideia, a ouvidoria fez quase 325 mil atendimentos e encaminhou cerca de 271 mil denúncias aos órgãos responsáveis. É uma média de 376,7 denúncias por dia e a maior parte delas se relaciona a abusos contra adolescentes.
Outro risco é a judicialização dos assuntos de cidadania. O governo do presidente interino Michel Temer é o primeiro a extinguir a pasta de direitos humanos desde 1997. Antes da criação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República por Fernando Henrique Cardoso, era uma divisão do Ministério da Justiça que tratava dessa agenda. A atuação do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos acontecia de maneira transversal, perpassando por outros ministérios e órgãos federais.
O futuro
Esperamos que os direitos humanos não sejam relegados ao segundo plano e continuem sendo prioritários ao Estado, já que a retomada do desenvolvimento e crescimento em muito dependem deles.
As vitórias do Brasil no tema devem continuar, de maneira cada vez mais eficaz e fortalecida. Para isso, o governo federal deve estar sensível e manter-se atualizado sobre as demandas dos movimentos sociais. A sociedade, por sua vez, deve estar atenta, observar os próximos passos e encaminhar propostas, consolidando o diálogo com o poder público e contribuindo para a proliferação dos direitos humanos no país.
Esse e outros temas são discutidos por Jorge Abrahão na Rádio CBN, todas as sextas-feiras, às 15:00. Não perca!
Imagem: Campanha do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos