Os lares “motorizados” no país foram de 45% em 2008 para 54% em 2012: mais congestionamentos e poluição, sobretudo nas áreas metropolitanas.

Por Sérgio Mindlin*

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou ontem (24/10) um relatório no qual destaca os indicadores de mobilidade urbana da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2012. O documento ressalta a posse de veículos privados nos domicílios, auxílio-transporte recebido pelos trabalhadores e o tempo de deslocamento casa-trabalho dos trabalhadores que realizam esse percurso de forma direta.

Chegou à conclusão de que o padrão de mobilidade urbana do país mudou nos últimos quatro anos. Mais da metade dos domicílios possui veículos, automóveis ou motocicletas: 54% é a porcentagem dos lares “motorizados” em 2012, contra 45% em 2008. Esse aumento de 9% significa mais congestionamentos e poluição, principalmente nas regiões metropolitanas.

O levantamento indica ainda que 42,4% das casas têm pelo menos um carro e 20% delas têm motocicletas.

No Norte e Nordeste, a proporção de motos supera a de carros. Há 27 motos para cada 100 domicílios no Norte e 25 motos por 100 domicílios no Nordeste. A proporção de carros é de 21 para 100 em ambas as regiões.

Por outro lado, Santa Catarina é o Estado com maior porcentagem de lares com veículos privados: 75%. Em seguida vem Rondônia, com 68,2%, Mato Grosso (67,7%), Paraná e Mato Grosso do Sul (66%) e o Distrito Federal (64,1%). São Paulo e Roraima dividem a sexta colocação, com 63,7% dos lares possuindo carro.

O Ipea aponta ainda que cerca de 35% das famílias abaixo da linha da pobreza (até meio salário mínimo per capita) já usufruem de veículos privados. O índice é 12 pontos percentuais acima do registrado de 2008.

Outro dado importante levantado pelo Ipea foi sobre o tempo de deslocamento casa-trabalho. Nas regiões metropolitanas, 20% dos trabalhadores gastam mais de uma hora para se deslocar, indicando um processo de piora da qualidade de vida.

Nos domicílios com veículos, as viagens para o trabalho costumam durar menos de 30 minutos, ao contrário do que ocorre nos lares onde não há transporte individual. Nesses domicílios, os tempos de percurso costumam ser superiores a uma hora.

Isso indica que, mesmo com os congestionamentos e a poluição, as pessoas que não possuem carro ou moto e dependem de transporte público sofrem o impacto do tempo muito mais do que aquelas que possuem transporte próprio.

Isso mostra também que os problemas de mobilidade urbana se agravaram e as obras não foram suficientes para melhorar as condições de transporte da população.

A taxa de motorização da população continuará crescendo, gerando impactos sobre as condições de mobilidade e tempo de deslocamento, demandando investimentos vultosos por parte dos governos na melhoria da infraestrutura para a mobilidade nas próximas décadas.

Para inverter a tendência de piora na mobilidade urbana e garantir um sistema mais confiável e confortável, que evitasse perda de tempo dos usuários, deveriam ser criados incentivos governamentais nos âmbitos federal, estaduais e municipais visando:

– nas cidades, levar as atividades econômicas  para mais perto de onde as pessoas moram; nos estados e no país, espalhá-las por regiões ainda carentes de empregos e de investimentos em industrialização. Com isso, as viagens trabalho-casa seriam mais curtas e os congestionamentos, menores.

–  priorizar os investimentos em transporte público, com isenções para fabricantes de ônibus e trens; incentivar a população a utilizar essa modalidade de transporte; e direcionar recursos para a construção de corredores de ônibus e estradas de ferro.

Não se trata de criar barreira para a aquisição de veículo individual. Todavia, devemos incentivar o uso racional, seja por meio da cobrança de imposto para circular em certas áreas da cidade, seja pela obrigatoriedade de não circular em determinados dias. Em paralelo, os países que adotam restrições ao carro individual aplicam enormes quantias de recursos na expansão de vias de transporte público, como corredores de ônibus e linhas de metrô e de trem.

Nova política fiscal

Entre 2008 e 2011, o setor automotivo recebeu R$ 26 bilhões em isenções fiscais, o que garantiu o aumento das vendas. Nesse mesmo período, nenhum incentivo foi dado ao transporte público ou a meios alternativos, como bicicletas.

No próximo dia 29, no auditório do Senado Federal, empresários, a sociedade civil e parlamentares vão iniciar uma discussão muito importante para o Brasil: uma aliança para propor uma nova política tributária para o país, que priorize o desenvolvimento sustentável. Trata-se do seminário “Política Tributária e Sustentabilidade: uma Plataforma para a Nova Economia”, promovido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pelo Instituto Ethos.

No caso das cidades, as políticas tributárias podem priorizar as metas da Plataforma Cidades Sustentáveis, que preveem, por exemplo:

–  Ciclovias exclusivas;

–  Corredores exclusivos para ônibus;

–  Frota de ônibus com acessibilidade para deficientes; e

–  Orçamento do município destinado ao transporte público.

Este ano, o governo federal lançou o Inovar-Auto, um programa de inovação tecnológica e de adensamento da cadeia produtiva que espera levantar até R$ 50 bilhões em investimentos até 2015.

As medidas introduzidas pelo programa Inovar-Auto fazem parte da política industrial, tecnológica e de comércio exterior chamada Plano Brasil Maior e concede benefícios em relação ao imposto sobre produtos industrializados (IPI) para as empresas que estimularem e investirem na inovação e em pesquisa e desenvolvimento dentro do Brasil.

O programa prevê um desconto de até 30 pontos porcentuais no IPI para automóveis produzidos e vendidos no país. Para ter direito ao incentivo, no entanto, os interessados devem cumprir uma série de contrapartidas, que vão aumentar gradualmente a partir do início do programa.

Essas medidas promovem eficiência energética. Não resolvem a questão da mobilidade urbana, mas, pelo menos, incentivam a criar um carro que gasta menos combustível e polui menos.

* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.