A decisão do presidente do Equador de explorar as maiores jazidas ainda intocadas do país enterra uma das utopias sustentáveis mais recentes.

Por Sérgio Mindlin*

Em 10 de março de 2011, comentamos aqui mesmo neste espaço que o destino do Parque Yasuní, na Amazônia equatoriana, seria um sinal emblemático do próprio destino do desenvolvimento sustentável de todo o continente sul-americano.

Isso porque o parque, de 980 mil hectares, fica a 250 quilômetros de Quito, capital do país, e é território dos índios huaorani. O Yasuní abriga uma parte da Floresta Amazônica, considerada a mais rica em biodiversidade do planeta. Ocorre que essa riqueza “verde” está assentada sobre as maiores reservas petrolíferas ainda não exploradas do Equador.

O petróleo responde por 60% do valor das exportações do país e por quase 35% da receita do Estado, mas o governo federal, com o apoio da sociedade civil organizada e das comunidades locais, conseguiu resistir todos esses anos à opção de abrir o parque para a exploração do petróleo. E o fez de maneira inovadora: ofereceu deixar o petróleo no subsolo em troca de compensação internacional.

O presidente Rafael Correa fez esse anúncio em 2007, na Assembleia Geral das Nações Unidas, assumindo o compromisso de manter 850 milhões de barris de petróleo sob o solo de Yasuní. Como contrapartida aos recursos que o Estado equatoriano deixaria de arrecadar com a exploração e venda desse petróleo, a comunidade internacional seria estimulada a compensá-lo financeiramente pela aplicação dessa difícil decisão, que, segundo a proposta, traria benefícios a todo o planeta, por manter intacta uma reserva da biosfera. Até recentemente, falava-se que esse seria o Plano A de preservação do Yasuní, e se vendeu a ideia como uma das propostas políticas mais emblemáticas do governo Correa.

Assim, um comitê de 15 pessoas foi formado para promover a iniciativa internacionalmente. A expectativa do governo equatoriano era de receber pelo menos US$ 3,6 bilhões 2022, quantia equivalente a 50% dos recursos que o Estado arrecadaria caso optasse pela exploração petroleira na região.

Utopia moderna

A ação, considerada utópica, demonstrava que o governo equatoriano procurava contornar a lógica da economia extrativista e estabelecer um novo paradigma na história da exploração do petróleo. Seria um exemplo para o mundo de que é possível ganhar – menos, mas ganhar – mantendo a floresta, a biodiversidade e os povos indígenas.

Foi criado um Fundo Fiduciário da Iniciativa Yasuní, administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que recebeu doações de pessoas físicas, ONGs, empresas e governos, num total de US$ 13 milhões, parcela ínfima dos US$ 3,6 bilhões que deveriam ser angariados até 2022.

Como as doações à iniciativa não aumentavam, o governo equatoriano declarou o fim do Fundo Fiduciário. Moto contínuo, o presidente Rafael Correa enviou à Assembleia Legislativa Equatoriana um decreto para exploração de petróleo no Parque Yasuní. Ele foi aprovado no último dia 4 de outubro, por 108 votos a favor e 25 contra.

Exploração responsável

O principal argumento oficial para a exploração do Yasuní é a redução da pobreza, especialmente das comunidades amazônicas. Os recursos gerados, agora estimados em mais de US$ 18 bilhões, serão aplicados em medidas que mudem o modelo extrativista do país, bem como em educação, saúde, estradas e serviços públicos.

A área explorada será inferior a 0,1% do parque, segundo o Ministério do Meio Ambiente do Equador, e com tecnologia de ponta, que não causará interferência na vida dos povos indígenas que habitam a área e tampouco para o ecossistema.

Essa decisão pragmática do presidente Rafael Correa enterra uma das utopias sustentáveis mais recentes. Para muitos ambientalistas, todavia, a exploração do petróleo sempre foi a intenção original de Correa.

Desastre ambiental

Embora a exploração dos campos esteja, desta vez, com a estatal equatoriana PetroAmazonas e com a chinesa China Petroleum e o governo tenha dado todas as garantias de usar tecnologia de ponta, movimentos sociais, ambientalistas e indígenas ainda têm na mente um dos maiores desastres ambientais da história, que ocorreu justamente em Yasuní.

Depois de explorar o petróleo da região por 26 anos, de 1964 a 1990, a Texaco deixou atrás de si um passivo ambiental que, segundo peritos internacionais, causou a morte de 1.041 pessoas, todas por câncer. Segundo algumas análises, a irresponsabilidade da corporação provocou também o desaparecimento dos povos ancestrais tetetes e sansahuaris. A companhia foi condenada a pagar uma multa de US$ 19 bilhões, mas até agora não se manifestou a respeito e parece que pretende desconhecer a sanção.

Com esse dinheiro em caixa, e mais aquele do Fundo Fiduciário, ainda que não a quantia total, as coisas poderiam ter sido diferentes. Mas, a crise de 2008 tem feito os países industrializados jogarem para os chamados emergentes o financiamento das ações que antes cabiam a eles. Por isso, talvez, tão poucos recursos tenham chegado ao fundo para proteger Yasuní. Nem a Noruega, “nadando” em dinheiro de seu próprio fundo de petróleo, colaborou.

A decisão de Rafael Correa não deixa de refletir o quadro de paralisia e de falta de vontade política dos governos do mundo todo a respeito das mudanças climáticas.

O economista Ricardo Abramovay mostra um estudo feito pela revista Nature segundo o qual, para a temperatura do planeta não subir além de 2 graus Celsius, não se poderia emitir, entre 2000 e 2050, mais do que 1.440 Gt de carbono, globalmente. Até 2010, já foram emitidos 440 Gt, ou seja, quase um terço do total; e as emissões estão crescendo, não diminuindo. As reservas de petróleo conhecidas, se transformadas em combustíveis, emitiriam 2.860 Gt de carbono, ou seja, o dobro do limite. Portanto, cabe ao mundo, num processo de governança global, encontrar soluções que limitem essas emissões, garantam o bem-estar social e a geração de empregos e de uma economia saudável, sem emissões de carbono ou com emissões limitadas. O Plano A de Yasuní era uma ideia promissora nessa direção. Agora, novas propostas precisam ser geradas.

* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.