A pandemia da Covid-19 tem forçado governos em todo o mundo a adotar medidas drásticas de limitação do fluxo de movimento dos cidadãos e, por consequência, da liberdade, por meio de medidas de exceção que colocam em risco, muitas vezes, a cultura, a privacidade e as instituições democráticas em países com tendências autocráticas e democracias imaturas. Os epicentros se alteram a cada semana. Cidades pararam e a atividade econômica, não considerada essencial, sofre o choque da súbita paralização global.
Como resultado, já vemos notícias e imagens que exemplificam a redução das emissões dos Gases de Efeito Estufa e outras poluições. Mas os impactos ainda estão longe de serem claros.
Desde a crise financeira de 2008, os níveis registrados de emissão de CO2 poderão ser os mais baixos. Satélites capturaram imagens da atmosfera limpa sobre a China e o site Carbon Brief estima uma queda de 25% no uso de energia e nas emissões na China durante o pico local da pandemia. Estima também a queda de 1% nas emissões de carbono na China em 2020.
Patrícia Espinosa, secretária executiva da UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change), ao anunciar o adiamento da COP-26, declara que em breve as economias retomarão suas atividades e que as nações têm, nesse momento, a chance de se recuperarem melhor, incluir os mais vulneráveis nos planos de transição, com chances de se tornarem mais limpas, justas, seguras e saudáveis. Além da pressão da Covid-19, os governos também têm o desafio de remeter à ONU, planos climáticos mais ambiciosos.
Nos EUA, candidatos como Joe Biden e Bernie Sanders comprometem-se em suas campanhas a retornar ao Acordo de Paris caso saiam vitoriosos na corrida presidencial. Mas, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) ainda alerta que a pandemia também está ameaçando os planos de intensificar estratégias e ações climáticas dos países em desenvolvimento. Recursos podem ser mobilizados para outras frentes, reuniões podem ser adiadas e o controle social pode ser esgarçado. Em situações como as atuais, sob a condição dos estados de emergência ou calamidade, as nações podem deixar os planos climáticos para outro momento.
No Brasil, o cenário pode ser ainda mais grave. A cada ano se intensifica o alerta de que a floresta amazônica sul-americana está perdendo sua capacidade de retirar dióxido de carbono da atmosfera e perdendo sua capacidade de frear a mudança do clima. Segundo projeto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), “Estudo de Longo Termo do Balanço do Carbono da Amazônia”, coordenado por Luciana Gatti, de 2010 a 2017, a Amazônia se tornou uma fonte de carbono. Nesse período, parte do carbono estocado pela vegetação foi liberado por queimadas e secas mais severas e prolongadas.
As mudanças na Amazônia ocorrem em ritmo acelerado e se concretizam como tendência. Em 2019, por exemplo, as queimadas na Amazônia comprometeram grande parte da floresta, reduzindo seu tamanho em 20%. Não há fogo natural na Amazônia, há queimada ilegal. Entre 2017 e 2018, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o desmatamento na Amazônia cresceu 14%, maior valor desde 2008, alavancado, sobretudo, pelo agronegócio associado ao derrubamento da floresta. Com as queimadas de 2019, estima-se um cenário pessimista de emissões que será observado pelos dados de 2020. Segundo o IPAM, as queimadas se concentram em propriedades privadas e em florestas públicas em estados como Pará e Mato Groso, em que a atividade agropecuária é identificada como a segunda mais emissora.
Aqui, além de não haver sinal de plano climático e de revisão de ambições, o déficit público que será imposto pela ampliação dos gastos com transferências de recursos para o Ministério da Saúde, estados e municípios, medidas de socorro emergencial e medidas fiscais, poderá zerar a verba de combate a mudança climática. O corte para o orçamento do Ministério do Meio Ambiente já havia sido anunciado em 2019, mas com a garantia do ministro de que os cortes não afetariam as ações em campo. Mas, como destacam André Guimarães, Claudia Azevedo Ramos e Paulo Moutinho, em um artigo publicado pelo El Pais, em 31 de março, a pandemia pode ter efeitos colaterais para a floresta amazônica, sobretudo pelo que chamam de eclipse institucional.
Portanto, o monitoramento remoto, a garantia de investigações, o controle social e o destrave de recursos congelados do Fundo Amazônia, são fundamentais para a proteção da floresta, para as ações de fiscalização e para a proteção dos povos indígenas.
Por: Edson Lopes, gerente-executivo de Eventos do Instituto Ethos
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