Por: Hélio Santos, professor, escritor e conselheiro do Instituto Ethos 

É inegável a ampliação da percepção por parte da alta direção das empresas no que diz respeito à sub-representação de mulheres, pessoas negras e pessoas com deficiência nesta edição do Perfil.

De 2015 para cá, graves ocorrências tiveram forte repercussão global: a pandemia da covid-19 e o movimento Black Lives Matter foram dois petardos que impactaram o mundo – e o Brasil em particular, por razões próprias das nossas fragilidades sociais e raciais.

Desde o início, há mais de 20 anos, o Perfil aponta a resistência por parte das maiores organizações privadas do país em absorver uma quantidade adequada de pessoas negras em seu quadro funcional. A despeito dos avanços conquistados, resta um gap considerável nos níveis mais elevados – Conselho, Executivo, Gerência e Supervisão. Considerando que o último Censo apontou uma população negra de 55,5%, revela-se naqueles níveis citados uma sub-representação significativa, que é agravada quando se faz o recorte de gênero. O fato de as mulheres negras representarem o maior segmento populacional do país – cerca de 28,5% –, requer uma atenção maior por parte de quem faz a gestão da diversidade nas empresas brasileiras.

Vejamos como o Perfil aloca as pessoas negras pela tabela abaixo:

Percebe-se que, nos níveis mais baixos, a participação negra se amplia. Para o ajuste que se revela necessário, as empresas deverão resgatar alguns conceitos caros para a gestão da diversidade. De início, diversidade não é benemerência, pois há negras e negros capazes de ocupar adequadamente todos os níveis hierárquicos. Assim, as empresas devem estimular em seus processos seletivos a participação do público negro, que sente a diferença entre ser aceito e ser bem-vindo. Enfim, requer-se uma política com metas a serem gerenciadas.

O expressivo volume de trainees (71%) e de estagiários (47%) que a pesquisa aponta é resultado de políticas ainda muito recentes das organizações e movimentos que estimulam a equidade racial nas empresas. Por outro lado, denota-se a resistência ao aproveitamento dos talentos negros na progressão das carreiras, visto que os dois grupos citados deveriam com o tempo gerar supervisores, gerentes e diretores, o que não ocorre. Nesses níveis há uma significativa defasagem ante os 55,5% de participação negra no Censo. Pode-se alegar que esses talentos jovens ainda estão em fase de maturação no quadro de colaboradores das empresas, o que poderá ser aferido em pesquisas futuras.

Chama a atenção a diminuta participação de indígenas nas empresas pesquisadas. Na população de diversas regiões do país, esse segmento tem partcipação expressiva e precisa ser monitorado pelo radar do mundo corporativo.

Ainda persiste no mundo do trabalho uma preferência pela homogeneidade. Opta-se por trazer grupos parecidos em sua origem social, racial etc. As organizações empresariais buscam a excelência, procuram fazer o melhor, mas isso é insuficiente. O mundo caminha e em parte já é uma imensa commodity. Tudo é muito parecido, tanto os produtos como os serviços. O diferencial competitivo tão buscado não reside mais apenas na materialização daquele produto ou serviço que se oferece, mas também na forma como sua produção é feita: zelo pelo meio ambiente e valorização da diversidade são alguns dos parâmetros da contemporaneidade.

A diversidade não deve mais ser confundida com salada de frutas, porque requer gestão. Nas organizações, é preciso não apenas fazer o melhor, mas fazê-lo da melhor maneira. E isso só pode ocorrer aproveitando-se todos os talentos. Por fim, não há política de diversidade sem igualdade de oportunidades, a qual se materializa pela equidade baseada em políticas de ação afirmativa, sempre com atenção na intersecção de gênero, sob pena de cobrir uma parte e desguarnecer outra.