É preciso investir na promoção da igualdade de oportunidades e transformar a empresa em um ambiente que acolha as diferenças.

Por Jorge Abrahão*

Contexto

Fruto de diversos processos históricos e de um intenso fluxo migratório, sobretudo nos séculos 19 e 20, a riqueza étnica do Brasil é incontestável. Dos 190,7 milhões de brasileiros, mais da metade se autodeclara negra (50,7%), em comparação aos 91 milhões de brancos (47,7%), 2 milhões de amarelos (1,09%) e 818 mil indígenas (0,43%) que habitam o país, segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010.

A multietnicidade vista nas ruas, porém, não se mostra tão visível ao adentrarmos uma empresa. Quanto mais alta a categoria funcional, menor a presença de negros nela. E, mesmo nos cargos da base do quadro de empregados, na qual mais aparece a população negra, os brancos ainda são predominantes. As empresas privadas brasileiras têm avançado lentamente na promoção da igualdade racial em seus quadros funcionais. Vemos poucas organizações agarrando as oportunidades que existem para esses talentos serem mais bem aproveitados.

A importância de ampliar o debate sobre políticas afirmativas e inclusivas em um país cuja maioria da população é afrodescendente, que, entretanto, ainda sofre intensamente com o racismo, é grande. E o setor empresarial detém um grande poder de inclusão da diversidade em seu dia a dia corporativo, na medida em que pode agir em favor da capacitação dos grupos discriminados no mercado de trabalho e colaborar para a diminuição da desigualdade social. Com a proposta de estimular que as empresas sigam por esse caminho, foi criado o Fórum São Paulo Diverso.

 

1. O que é o Fórum São Paulo Diverso?

A 2ª edição do São Paulo Diverso – Fórum de Desenvolvimento Econômico Inclusivo, promovida pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Cidade de São Paulo (SMPIR) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aconteceu nos dias 4 e 5 de novembro e teve como alvo estimular a adoção de práticas empresariais inclusivas e ações afirmativas na gestão interna e em relações com stakeholders. O Fórum 2015 contou com autoridades dos governos federal e municipal e CEOs de grandes corporações para discutir e associar a temática étnico-racial a questões como ações afirmativas, educação, tecnologia e empreendedorismo.

Altos executivos da Bayer, Microsoft, IBM, Grupo Kroton, Carrefour, Itaú-Unibanco e Citibank, além de autoridades do governo federal e municipal, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o secretário nacional da Igualdade Racial, Ronaldo Barros, e o secretário de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo, Maurício Pestana, e representantes de organizações da sociedade civil, endossaram o debate, discutindo de maneira aprofundada as expectativas para a inclusão social por meio de políticas corporativas de afirmação étnico-racial, da própria legislação brasileira, da educação e do empreendedorismo. O diálogo entre setor privado, poder público e sociedade civil foi de extrema importância para que as três esferas compartilhassem dados, ideias e perspectivas de como quebrar barreiras, superar os problemas enraizados na nossa sociedade e promover grandes avanços na agenda da diversidade.

 

2. Qual o perfil racial das empresas brasileiras?

No evento, também foram apresentados dados preliminares sobre a pesquisa do “Perfil Social, Racial e de Gênero dos 200 Principais Fornecedores da Prefeitura de São Paulo”, elaborada pelo Ethos, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Cidade de São Paulo (SMPIR). No estudo de 2015, mostraremos a composição das empresas por negros, mulheres, pessoas com deficiência, mas também do quadro do conselho de administração, trainees e estagiários.

No dia próximo dia 30 de novembro, lançaremos a pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas”, em parceria com a SMPIR e patrocínio do BID. Será a sexta edição da pesquisa, que começou em 2001.

Um dado que podemos adiantar: apenas 4,7% dos dirigentes das instituições entrevistadas são negros, 4,9% integram conselhos de administração e somente 1,6% das mulheres negras ocupam cargos de gerência.

Em São Paulo, os índices não diferem muito do cenário nacional. Os empregados negros do município são os que têm rendimento mais baixo, de até 3 salários mínimos. Nas faixas mais altas de salário, o número de afrodescendentes é consideravelmente menor em comparação ao de brancos.

Os índices apontam para um avanço muito lento na integração dos negros ao mercado de trabalho, sobretudo nos níveis hierárquicos mais altos. No ritmo em que estamos, levaremos cerca de 150 anos para atingir no âmbito empresarial a mesma expressão que a população afrodescendente tem na sociedade.

O poder público vem avançando mais que as empresas na promoção da equidade racial no mercado de trabalho. O estabelecimento de cotas raciais no serviço público federal, que impacta o recrutamento e a seleção de empresas públicas federais, autarquias e fundações, é uma medida inédita nas políticas de promoção da igualdade de oportunidades para negros. A Prefeitura de São Paulo também se antecipou às empresas que se localizam na cidade de São Paulo ao implementar ações afirmativas para negros no serviço público municipal.

 

3. Qual o papel das empresas? Casos de sucesso

A liderança do poder público diante das heranças históricas carregadas pelo Brasil, com iniciativas como o Fórum São Paulo Diverso, o programa federal Pró-Equidade de Raça e Gênero, os selos de diversidade concedidos por prefeituras como a de São Paulo e a de Salvador, a aprovação das cotas raciais em universidades e em concursos públicos federais, é essencial para o avanço dessa agenda, bem como o esforço do setor privado, para o qual se põe o desafio de entender e consolidar programas e ações afirmativas que desconstruam os mecanismos produtores das desigualdade, de modo que capacitem e formem profissionais para cargos executivos e de gerência.

As empresas que fazem parte do GT de Direitos Humanos do Instituto Ethos somam esforços na luta pela igualdade social, racial e de gênero. Os programas corporativos de inclusão frequentemente promovem um tipo de diversidade qualitativa, que vai além dos números, desconstrói os mecanismos produtores da desigualdade e fomenta a construção de um espaço para troca de ideias, propondo novos olhares e formas de liderança. O Carrefour é um exemplo de organização que vem se preocupando em inserir a diversidade em suas práticas empresariais. Além de ter criado um Comitê de Diversidade, que acompanha as ações relacionadas ao tema e analisa processos internos, a rede promove com frequência atividades para engajar seus funcionários, como mesas redondas, dias temáticos e treinamentos.

Muitas são as ações que podem ser estabelecidas nas empresas: a preparação de pessoas negras para cargos gerenciais e executivos, o estabelecimento de ações afirmativas para negros em processos seletivos de trainees, o treinamento das equipes de recursos humanos, mais notadamente, o recrutamento e seleção para a adoção de critérios de diversidade em seus processos seletivos, entre outras.

Os obstáculos para que se quebrem as barreiras impostas pelo legado racista do qual tentamos (e queremos) nos desvencilhar não são poucos. Temos de enxergar além e sair do atual modelo de desenvolvimento, que reproduz as inúmeras formas de desigualdades raciais, e pensar soluções que insiram e capacitem os grupos usualmente discriminados no mercado, enxergando sua inclusão como uma grande oportunidade de diminuir as mazelas sociais e promover o desenvolvimento sustentável.

É preciso investir continuamente na promoção da igualdade de oportunidades e incorporar a valorização da diversidade na cultura organizacional, transformando a empresa em um ambiente que acolha as diferenças e valorize os seus talentos, tendo em vista o melhor desempenho dos negócios e as transformações que queremos na sociedade. Não será em um dia que mudaremos desigualdades que foram construídas em centenas de anos, mas os programas de inclusão podem nos ajudar a acelerar um processo de reversão de uma tendência, que, além de desvantajosa para o resultado do negócio, é inaceitável em um mundo como o corporativo, que, muitas vezes, antecipa o futuro.

Ouça os podcasts de nossa coluna, Responsabilidade Social, no site da CBN.

 

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.