Evento abordou diferentes olhares sobre os impactos da mudança do clima
Quando o assunto é mudança do clima muitas são as questões a serem consideradas. De forma a dialogar amplamente sobre o tema, diferentes painéis da Conferência Ethos 360º no Rio de Janeiro proporcionam uma visão sobre os pontos chave para o que os especialistas vêm chamando de crise climática. “O 360º da Conferência Ethos não é apenas porque há painéis sendo realizados simultaneamente, mas sim pela abrangência dos temas que não se reduzem a diálogos sobre apenas uma questão”, disse o superintendente de Inovação & Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazonas Sustentável, Victor Salviati.
O lançamento
Afirmando o pioneirismo do Brasil na agenda climática: o projeto Conferência Brasileira de Mudança do Clima e as oportunidades para o país manter sua competitividade na agenda de clima e florestas foi o primeiro painel a abordar a questão climática e trouxe a boa nova sobre a realização do evento, que irá acontecer nos dias 16, 17 e 18 de outubro, em Recife.
“A medida em que temos um governo que está abrindo mão dos compromissos, anteriormente assumidos, em esfera internacional entendemos que não podemos depender do governo”, explicou Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil. Que completou: “a gente está num momento em que não dá para esperar, precisamos agir rapidamente. Isso, não se resume aos governos federais, estes têm que ter um papel fundamental, mas a solução é compartilhada. Para tanto é preciso diálogo e ação. Diversos segmentos da sociedade precisam falar sobre mudança do clima. E, a segunda questão, a ação, o setor empresarial e financeiro devem considerar a importância da situação climática para seus negócios, para o todo, e agir. Inclusive definindo metas de emissão. Por isso, considero importantíssima a Conferência Brasileira de Mudança do Clima, em que os diversos atores poderão apresentar o que estão fazendo e se comprometer com a agenda”, avaliou.
Victor Salviati, superintendente de Inovação & Desenvolvimento Institucional da Fundação Amazonas Sustentável clamou por mais atenção a agenda do clima. “Participei de uma palestra na qual o interlocutor disse: ‘estamos vivendo a síndrome do Titanic, o navio está afundando enquanto tomamos vinho’. Isso acontece por minha causa também, pois esse assunto não está passando no Jornal Nacional e quando falamos sobre a questão do clima usamos apenas siglas que a sociedade não entende. Para não sofrer dessa patologia do Titanic precisamos fortalecer nossas redes e reforçar o diálogo”, pontuou.
Ane Alencar, diretora de ciência do IPAM, considerou a relevância do evento frente ao atual cenário. “Estamos vivendo um processo de retrocesso muito grande quanto a manutenção de nosso patrimônio”, disse. E, Luiz Xavier, coordenador do GT de Energia e Clima da Rede Brasil do Pacto Global e coordenador de Desenvolvimento Sustentável da Braskem compartilhou atividades as quais está envolvido. “O Pacto Global tem atuado para identificar indicadores e metas até 2030 sobre o entendimento do papel empresarial, sobretudo quanto a precificação de carbono”, explicou.
Os desafios
Paulo Artaxo, professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP e membro do IPCC e Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA foram os palestrantes do diálogo A ciência das mudanças climáticas e seus desafios na implementação de agendas de mitigação e adaptação climática.
Artaxo foi categórico: “já estamos em franco acontecimento dos eventos de mudança do clima, o que não nos surpreende, mas acredito que ainda falamos pouco sobre a perda de produtividade agrícola causados pela crise climática. Podemos reverter? Sim, mas precisamos agir o mais rápido possível. O setor energético precisa ser descarbonizado. E, sabemos que essa não será uma tarefa fácil”. O professor disse ainda que “temos um problema gigantesco de governança global” e que esse é justamente o ponto onde “estamos falhando mais”.
Abramovay abordou o papel das empresas nesse contexto. “A mitigação de riscos é uma responsabilidade que cabe também ao empresariado, em conversar com os setores militares, inclusive os que estão dentro do planalto, sobre o olhar errado quanto as organizações que atuam em defesa da Amazônia. É um absurdo que ainda hoje há pessoas que acreditem que o ativismo na Amazônia sirva para enfraquecer a atuação do país e beneficiar a internacionalização do local”, analisou.
Outro risco apontado por Abramovay foi quanto ao negacionismo que, segundo ele, está ligado à mídia. “Busque aquecimento global no YouTube e encontrará não o Paulo Artaxo, que é especialista, mas sim outro professor falando sobre a questão e na sequência um negacionista. Temos que conversar com o Google para mudar isso. A entrevista com o negacionista que mais aparece no YouTube é de alguém que nunca escreveu uma linha sobre a temática, e não do Paulo, que é reconhecido neste assunto”, criticou.
Uma observação interessante trazida pelo professor titular do Departamento de Economia da FEA foi com relação a proposta de Carlos Nobre e Ismael Nobre quanto a formação de laboratórios de inovação na Amazônia. “Eles (Carlos e Ismael) acreditam que nosso foco deve estar no conhecimento da natureza, com uso sustentável da biodiversidade. Nosso potencial nesse sentido é riquíssimo. Não se trata de substituir a natureza por atividades econômicas já conhecidas, mas também de descentralizar o conhecimento, implementando pequenos laboratórios”, explicou Abramovay.
Os compromissos
O painel viabilizado pela WayCarbon, Estados e cidades brasileiras e a liderança política na pauta climática – compromissos e ações conjuntas, contou com representantes governamentais apresentando ações em prol da agenda do clima.
A vice-governadora do Estado de Pernambuco, Luciana Santos, ressaltou o momento que vivemos quanto a situação do clima e reforçou a importância do Brasil manter os compromissos assumidos. “Nós temos potencial e vocação para atingirmos as metas que o Brasil se propôs. Devemos assumir uma luta política para não abandonar os compromissos que assumimos. O Brasil não pode se esquivar de participar ativamente desse caminho”, acredita a vice-governadora.
Thais Kasecker, superintendente de mudanças do clima da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, endossou a fala de Luciana: “o Estado tem o papel de se reconhecer como um ente federativo importante para cumprirmos as metas da NDC. Além disso, tem um potencial muito importante, sobretudo através de medidas em reconhecimento a natureza”.
A essas reflexões, Sérgio Margulis, pesquisador Sênior Associado da WayCarbon e do International Institute for Sustainability atribui a atual postura do governo federal. “Temos um governo que acha que a questão do clima é um plano comunista. As pessoas só não estão enlouquecidas ainda porque não estão olhando com atenção para o problema. Estamos diante de uma hecatombe mundial”, prevê o pesquisador.
Para Thais Kasecker, quanto aos riscos que envolvem a situação “é importante trazer a questão da segurança alimentar para esse diálogo. A produção do estado do Rio de Janeiro só atende a 1/3 da demanda do estado. Então como garantir a segurança alimentar num cenário de aquecimento global?”.
No que se refere a experiências adquiridas em iniciativas anteriormente implementadas, a superintendente de mudanças do clima contou sobre um plano com metas para redução de emissões de gases de efeito estufa adotado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro que não obteve êxito, pelo contrário, resultou num aumento de 40%. “Tivemos uma política pública estabelecida e por que não deu certo? Porque perpassa por outras questões, como o engajamento da sociedade”, avalia.
Nesse sentido, Josilene Ferrer, do Programa Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo (PROCLIMA) apresentou que, seguido o objetivo de “gerar base técnica para entender as emissões de gases de efeito estufa”, o programa tem caminhado com a “proposta de capacitar a área corporativa, afim de desenvolver inventários de emissões”.
A capacidade competitiva
Unir uma especialista em Direito Ambiental e o diretor de uma associação do agronegócio resultou em uma análise sobre pontos de vista que culminaram no reconhecimento quanto ao papel da sustentabilidade.
O painel Insegurança jurídica e mudanças climáticas: como poderão agravar crises e recessões e modificar a capacidade competitiva do Brasil, contou com Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio, e Danielle Moreira, professora agregada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenadora acadêmica do curso de Especialização em Direito Ambiental da PUC-Rio.
As explanações de ambos explicitaram o entendimento das leis ambientais de forma a assegurar a capacidade competitiva do Brasil. “Quando se muda a lei por medida provisória é como ganhar o jogo no tapetão e não é legal. Sobretudo, a questão da sustentabilidade é uma variável que devemos manter na equação”, disse Cornacchioni. E, Moreira destacou que “a defesa do meio ambiente deve ser vista não como um entrave, algo a ser rechaçado, mas sim reconhecer que é necessária para a sustentabilidade e garantia para o desenvolvimento econômico brasileiro”.
O planejamento das cidades
Foi a anfitriã da Conferência Ethos 360º no Rio de Janeiro, desta edição de 2019, a SulAmérica, que ofereceu o diálogo Eventos climáticos extremos e o planejamento das cidades, uma importante discussão frente as fortes chuvas que já tem acometido cidades brasileiras como o Rio de Janeiro.
“É preciso ter planos estratégicos, mas há uma parte pragmática para que tudo seja implementado e as cidades são parte importante nessa questão”, é a análise de Marcelo André Cid Heráclito do Porto Queiroz, secretário municipal de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro.
Já, Fernanda Candeias Guimarães, gerente de desenvolvimento Social da Ternium Brasil, relatou a experiência da empresa junto à comunidade em um episódio causado pelos extremos climáticos. “Aprendemos, num procedimento de catástrofe, importantes lições. Monitoramento, canal direto com funcionários, parcerias locais e um plano de atuação em 48 horas fazem parte dos ensinamentos obtidos. Ter uma política para o enfrentamento de catástrofes fez muita diferença não só para os funcionários, mas também para a comunidade de Santa Cruz”, explicou.
Por sua vez, o Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, Vinícius Lameira Bernardo, observou a questão sob o prisma da legalidade. “O poder judiciário pode ter o papel de racionalizar o debate sobre a questão climática. Uma primeira demanda pode ser quanto aos instrumentos de legislação urbanística”.
A questão legal
A questão legal também foi uma das abordagens da temática de clima, na primeira Conferência Ethos 360º do ano. Justiça climática e o bem-estar comum: como a distribuição de poder e a democracia participativa criam comunidades que decidem sobre seus próprios futuros foi o nome dado ao painel que recebeu Maureen Santos, coordenadora de Programas e Projetos de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil e coordenadora da Plataforma Socioambiental do Brics Policy Center; Ana Maria de Oliveira Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e diretora de biodiversidade do Instituto O Direito por um Planeta Verde; e Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental – ISA.
A visão de Maureen é que “frente a crise civilizatória que estamos vivendo, a justiça climática surge como uma rota alternativa”.
Retomando o que já tinha sido apresentado em outros painéis, Ana Maria exaltou a importância do diálogo num evento como a Conferência Ethos, que reúne empresas. “Para a própria democracia e tudo que ela representa é importante um movimento como esse, de participação do setor empresarial”, ponderou.
Enfática, Adriana Ramos pontuou que “a maior injustiça social atualmente é o negacionismo, pois tenta incluir os povos indígenas nas mesmas condições que os demais”. A coordenadora do ISA concluiu dizendo que: “é triste ver que todas as ações são pensadas sob a perspectiva do desmonte”.
Por: Rejane Romano, do Instituto Ethos
Foto: André Luiz Mello