Observatório do Clima faz análise sobre participação do Brasil na COP 25

Nunca na história das negociações internacionais de clima uma Conferência das Partes (COP) teve tantos percalços para acontecer. A COP25, penúltima antes do início da implementação das metas do Acordo de Paris, seria realizada no Brasil, mas foi rejeitada ainda em 2018 pelo recém-eleito presidente Jair Bolsonaro. O Chile, então, propôs-se a substituir o Brasil e realizar a conferência. Mas desistiu após onda de protestos da primavera. Às pressas, o governo da Espanha ofereceu-se para receber a COP, ainda sob presidência chilena, entre os dias 2 e 13 deste mês.

Madri tem como uma de suas principais metas a finalização do chamado Livro de Regras do Acordo de Paris. Trata-se do manual de implementação do tratado, que não foi concluído em 2018 na COP24, em Katowice, Polônia. A questão-chave é o artigo 6º, que trata de mercados de carbono e precisa ser regulamentado de modo a assegurar que a contabilidade do carbono transacionado nesse mercado reflita exatamente o que foi emitido e removido da atmosfera – evitando, assim, a “dupla contagem” de créditos nas transações entre países e entre empresas. Uma mesma redução de emissão não pode ser descontada das metas do país que comprou e do que vendeu.

Há diferentes posições na mesa sobre condições de adicionalidade (em que medida o mercado de carbono ajuda a aumentar a ambição, indo além das metas de cada país) e de prevenção de dupla contagem. O Brasil é um dos países que têm defendido autonomia para cada governo definir o que é adicional nas reduções de emissões de empresas em relação à meta nacional, o que tende a ser um problema para a integridade da contabilidade de carbono – e do clima. A posição do Brasil foi um dos principais fatores que impediram que o livro de regras fosse concluído na Polônia.

A COP25 começa sob o signo da emergência climática e das greves pelo clima – não por acaso, eleitas as duas expressões do ano em língua inglesa pelos dicionários Oxford e Collins. Em 2019, a greve escolar iniciada pela sueca Greta Thunberg se transformou num movimento global de pressão sobre os governos para aumento de sua ambição. Atos de desobediência civil iniciados pelo coletivo Extinction Rebellion tomaram cidades ao redor do planeta.

A ciência seguiu mostrando que a situação é grave: neste ano, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) lançou dois relatórios sobre as consequências da crise climática para o uso da terra e a alimentação, os oceanos e as porções geladas do planeta (a criosfera). E a Organização Meteorológica Mundial mostrou mais um recorde de concentração de Gases de Efeito Estufa na atmosfera – 407,8 partes por milhão em 2018. Em Madri haverá decisão sobre se e como as recomendações dos cientistas serão orientadoras do aumento de ambição das metas de cada país. Alguns países, dentre os quais Arábia Saudita, EUA, Irã e Kuwait, têm se oposto a referências objetivas às conclusões do IPCC.

Neste ano, o clamor das ruas e os alertas dos cientistas elevaram o status do tema de mudanças climáticas na política. O clima foi tema central em eleições nacionais como no Canadá e na Austrália, e vários países decretaram estado de emergência climática, como o Canadá e a União Europeia. No entanto, o efeito prático ainda é insuficiente. Em setembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, organizou sua Cúpula de Ação Climática, convidando os países a propor aumento da ambição de suas NDCs (as metas de Paris). 70 países indicaram que fariam as revisões, mas poucos deles são grandes emissores. Pior do que isso, os EUA, maior emissor histórico, entregaram em novembro sua carta de desligamento do Acordo de Paris, o que se efetivará em novembro de 2020.

O Brasil chega a Madri no momento mais sombrio de sua história desde a redemocratização. A prisão de ativistas ambientais no Pará e a invasão do escritório do Projeto Saúde e Alegria por policiais civis, numa clara armação das autoridades, uma semana antes da COP, mostra que o Estado de direito está sob ameaça e que Jair Bolsonaro está levando a sério a promessa de campanha de “acabar com todo tipo de ativismo”.

A atitude hostil em relação à sociedade civil também se reflete na mudança de orientação do Itamaraty na própria COP: pela primeira vez em mais de 12 anos a chancelaria brasileira não deu credenciais a ONGs, academia e setor privado.

O desmatamento na Amazônia em 2019 teve sua maior taxa em uma década (9.762 km²) e segue em alta, o que já permite afirmar que a meta de redução de desmatamento assumida na Política Nacional sobre Mudança do Clima para 2020 não será cumprida, mesmo se todas as motosserras fossem desligadas hoje. Em momento de rara sinceridade, o próprio ministro do Meio Ambiente declarou, poucos dias antes da COP, que ficará feliz com um aumento menor na destruição da Amazônia em 2020 em relação aos absurdos 29,5% de 2019, e assumiu que o desmatamento ilegal zero, compromisso assumido pelo Brasil como conducente à NDC, “não deve acontecer”.

Nada disso tende a impedir o governo brasileiro de chegar à COP25 impondo como condição para sentar-se à mesa recursos vultosos da comunidade internacional supostamente para a proteção de florestas. Após dizer que conferências do clima não passavam de férias de luxo para funcionários públicos, o ministro Ricardo Salles adquiriu um interesse súbito na COP depois do lançamento dos dados desastrosos de desmatamento. A presença do ministro por duas semanas em Madri acompanhando os negociadores técnicos, algo sem precedentes em 25 anos de conferências do clima, pode mudar posições históricas de negociação do Brasil – para pior.

Se no âmbito federal o cenário é extremamente negativo, governos estaduais e locais têm realizado movimentos politicamente importantes, ainda que tímidos. Mais de 20 Estados brasileiros declararam seu compromisso para a implementação do Acordo de Paris pelo Brasil. Órgãos ambientais de todos os Estados assinaram, em novembro, uma carta de compromissos pelo clima e em prol da adoção de modelos de desenvolvimento de baixo carbono, associada à criação de empregos, conservação dos recursos naturais, redução das desigualdades e ampliação do progresso social. E Recife tornou-se a primeira cidade brasileira a reconhecer, por decreto, a emergência climática, e a tornar obrigatório o ensino sobre mudanças climáticas e sustentabilidade no currículo escolar municipal.

Resultados esperados em Madri

O Observatório do Clima espera que a COP25 entregue progresso real nos seguintes aspectos:

– AMBIÇÃO EM MITIGAÇÃO E FINANCIAMENTO CLIMÁTICO

O Emissions Gap Report, relatório da ONU Meio Ambiente, mostra que é preciso cortar emissões em 7,6% ao ano para podermos ter chance de estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC e em 2,7% para a estabilização em 2ºC. Em 2020 ocorrerá o primeiro ciclo de revisão das NDCs. As metas hoje propostas levarão o mundo a um aquecimento de 3,2ºC, mais do que o dobro a meta. O Observatório do Clima espera que, em Madri:

– PERDAS E DANOS

O tema das perdas e danos (“loss and damage”), tratado no artigo 8º do Acordo de Paris, é considerado um dos “assuntos da meia-noite” da COP25 – com potencial de arrastar as negociações até a madrugada. Perdas e danos foram definidas como a resposta a impactos do aquecimento global para os quais a simples adaptação é insuficiente. Foi definido na COP19, em Varsóvia, um processo internacional para tratar do tema, o Mecanismo Internacional de Varsóvia (WIM). O Observatório do Clima espera que, em Madri:

Os países estabeleçam uma revisão do WIM que possa prover suporte adequado para que os países mais pobres respondam aos impactos da crise do clima.

– ARTIGO 6

As regras para os mecanismos de mercado devem assegurar transparência na contabilidade de carbono de forma a que estes contribuam para uma efetiva redução absoluta geral de emissões globais de Gases de Efeito Estufa, impedindo dupla contagem de reduções de emissões.
O Observatório do Clima espera que, na COP25:

 O Brasil em Madri

O Brasil chega à COP25 acompanhado dos piores indicadores de desempenho possíveis: a pior taxa de desmatamento da Amazônia em 11 anos, o maior aumento na taxa anual de desmatamento desde 1998 (29,5%), aumento de 74% no desmatamento em terras Indígenas, aumento de 39% em áreas protegidas, pelo menos 160 casos de invasão de terras indígenas em 19 Estados, emissões de Gases de Efeito Estufa em alta, não contratação de novos projetos por tentativa de ingerência no Fundo Amazônia. A prisão dos brigadistas e a invasão do Projeto Saúde e Alegria consolidam a péssima imagem do Brasil no exterior. A decisão de Ricardo Salles de acompanhar as negociações técnicas durante toda a COP25 terá impacto no papel do Brasil de facilitador de acordos entre países ricos e pobres.

E Salles, que nega a causa humana das mudanças do clima, chega a Madri para impor uma chantagem: o Brasil condiciona sentar na mesa para negociar a receber dinheiro pela redução de governos passados do desmatamento na Amazônia – US$ 10 bilhões por ano, segundo declarou o ministro à imprensa, o equivalente a 10% de toda a finança climática prometida pelos países desenvolvidos a partir de 2020.

Na ausência de um surto repentino de bom senso e responsabilidade que impeça o ministro Salles de agir na negociação com o mesmo zelo com que cuida das florestas, há um enorme risco de o Brasil se isolar em Madri, e de ver a imagem do país junto à comunidade internacional sair ainda pior do que irá chegar.

Por: Observatório do Clima

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