Na gestão responsável, ações comunitárias ganham status de estratégia de negócio e são avaliadas pelos mesmos critérios com que se avalia o próprio negócio.

Por Sérgio Mindlin*

José Mindlin e sua esposa, Guita, fizeram, ainda em vida, a doação para Universidade de São Paulo (USP) de um acervo importantíssimo sobre a história e a cultura brasileiras. E, em 23 de março último, foi inaugurada a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), num prédio especialmente construído para receber os mais de 40 mil livros dessa acervo que começou a ser constituído quando José Mindlin tinha 13 anos.

Nem dona Guita nem José viveram para ver realizado seu desejo de tornar público o acesso a tanto conhecimento. Mesmo assim, os herdeiros estão felizes e gostariam de ressaltar que doar não é uma questão de dinheiro, mas de espírito público. Qualquer pessoa pode fazer doações – de dinheiro, de livros, de tempo para trabalhos voluntários e contribuir para uma sociedade melhor.

Mas as empresas têm um papel ainda mais relevante a cumprir, porque podem mais. O fenômeno a que estamos assistindo é que elas começaram a se preocupar em beneficiar as comunidades em que estão inseridas, por meio do chamado investimento social privado, mas com caráter filantrópico e, em geral, dissociado do negócio.

O conceito de investimento social privado (ISP) apresenta diferentes interpretações, mas se caracteriza, basicamente, pela transferência voluntária de recursos de empresas privadas para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público.

Hoje, as empresas estão aproximando os ISP do próprio negócio. Além disso, a empresa não precisa estabelecer parceria ou aliança com organizações do terceiro setor, mas deve comprometer-se a monitorar e avaliar os projetos que desenvolve, para diferenciá-los de meras práticas assistencialistas.

Uma pesquisa realizada pelo professor Marco Antônio Milani Filho, da Universidade Mackenzie, constatou que 88% das empresas listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da BM&F Bovespa, evidenciam investimentos em ações sociais voltadas para a comunidade. O que mostra que as companhias com gestão sustentável avançada consideram o investimento social privado uma parte importante dessa gestão.

Isto quer dizer que tais ações fazem parte de uma estratégia de negócio, dependem de um processo decisório corporativo para obter recursos, e não da decisão individual de um benemérito.

Como se trata de uma ação inserida num processo corporativo de decisão, espera-se que o investidor social se envolva com os resultados proporcionados à comunidade.

Esse novo impulso de participação, vamos chamar assim, tem crescido no Brasil à medida que os valores e critérios da responsabilidade social empresarial vão sendo internalizados na governança.

As empresas, sendo corresponsáveis pelo desenvolvimento das comunidades em que estão inseridas, precisam não apenas contribuir para a solução dos problemas existentes como não causar mais problemas (“externalidades”). Por isso, as ações comunitárias, na visão da gestão responsável, ganham status de estratégia de negócio e são avaliadas de acordo com critérios também utilizados para avaliar o próprio negócio. Foco, planejamento e resultado valem para a ação social que, de toda forma, precisa contribuir para reforçar os valores da empresa e o compromisso dela com o desenvolvimento sustentável.

Michael Porter, o guru do valor compartilhado, afirma que o investimento social privado feito por empresa socialmente responsável pode ser estratégico se a empresa de fato se envolver na ação, procurando minimizar danos causados por suas atividades e da cadeia de valor, e se, além disso, fizer investimento em causas mais genéricas, de claro interesse social, causas que não interfiram diretamente nas suas operações nem influenciem sua competitividade no curto prazo, mas mudem um cenário e “criem valor” para ser compartilhado por toda a sociedade. Ao longo do tempo, essa mudança vai beneficiar o próprio negócio.

Para Porter, quanto maior a relação de uma temática social com o negócio da corporação, maiores serão sempre as oportunidades de uma empresa gerar recursos em benefício da sociedade.

Um claro exemplo disso pode ser o investimento feito pelas empresas que contribuíram para que o edifício da Biblioteca Mindlin saísse do papel: a Petrobras, a CBMM, a CSN, a Suzano Papel e Celulose, a Votorantim, o Grupo Santander e o BNDES (também houve apoio da Fundação Telefônica, da Fundação Lampadia e do Ministério da Cultura).

Voluntariado e ética

Outro tipo de doação importante é a do nosso próprio tempo para a realização de trabalhos voluntários, que têm crescido bastante no Brasil. Desde 2001, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional do Voluntariado, percebe-se uma disposição muito maior das pessoas para isso.

É interessante observar que o voluntariado proporciona um ganho para a sociedade no que se refere à ética. À medida que as pessoas começam a fazer trabalhos voluntários em regiões mais pobres, com maiores carências do que nas áreas em que elas vivem e, portanto, com realidades diferentes da sua, elas passam a perceber que existem valores muito positivos naquelas comunidades e que elas também têm de praticar valores muito positivos para que a sociedade se desenvolva.

O mesmo vale para as empresas. Uma companhia que faz investimento social na comunidade, por exemplo, mas, no seu negócio, não trata condignamente seus funcionários, seus fornecedores ou seus clientes, essa dissonância vai tornar-se evidente e a sociedade passará a cobrar a coerência que falta.

* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.