A resposta pode estar na iniciativa da Rede Biofort, aliança internacional que trabalha a melhoria genética em agricultura, com foco em nutrição.

Por Paulo Itacarambi*

Um dos grandes desafios do desenvolvimento sustentável, se não o maior, é como alimentar a população de 10 bilhões de pessoas que o planeta deverá ter em 2100, segundo cálculo da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa população, ainda de acordo com a ONU, será mais numerosa nas regiões mais pobres.

Hoje já somos quase 8 bilhões, dos quais 2 bilhões passam fome em algum período do ano e 800 milhões estão desnutridos. Superar esse problema exige ações em três dimensões:

  1. Disponibilidade de terra e água e maior produtividade agrícola;
  2. Ampliação do acesso aos alimentos, por meio da redução do desperdício, melhoria da logística e do transporte e oferta abundante;
  3. Melhoria na qualidade nutritiva dos alimentos, permitindo que uma pessoa se alimente melhor comendo menos.

É dessa terceira dimensão que vamos tratar agora.. Pois, num planeta em que o solo e a água vão se tornando escassos, a produção de mais alimentos com menos recursos exige uma nova revolução agrícola.

É o que a Rede Biofort vem buscando. Trata-se de uma aliança internacional que trabalha a melhoria genética em agricultura com foco em nutrição: a biofortificação. Aqui no Brasil, o projeto é coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), tem investimento de quase US$ 10 milhões e reúne 15 universidades, além de centros de pesquisa e prefeituras.

O que a Embrapa vem fazendo com a biofortificação é aumentar o teor de ferro, zinco e provitamina A, nutrientes de que a população brasileira é carente, principalmente a mais pobre.

As dietas pobres em ferro e zinco podem causar anemia, redução da capacidade de trabalho e problemas no sistema imunológico. A falta de vitamina A pode causar cegueira noturna, problemas de crescimento e deformações ósseas.

Por isso, a ONU considera a biofortificação de alimentos como a técnica mais eficaz para garantir os micronutrientes necessários aos quase 2 bilhões de seres humanos hoje considerados desnutridos.

A Embrapa desenvolveu alguns alimentos biofortificados que estão entre os preferidos nas mesas brasileiras: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-de-corda, feijão-fradinho, mandioca e trigo.

O Brasil está na vanguarda do projeto Biofort com essas oito variedades disponíveis e com políticas públicas e parcerias que garantem renda e mercado aos produtores. Por isso, os parceiros internacionais consideram que o país é um exemplo a ser seguido.

Alimento biofortificado não é transgênico

O trabalho de biofortificação de um alimento é feito por meio do cruzamento de plantas da mesma espécie, selecionando-se as sementes que apresentam as melhores características de micronutrientes.

Quão mais nutritivos ficam os alimentos?

Nos cultivares desenvolvidos pela Embrapa, os ganhos foram os seguintes: o feijão passa de 50 miligramas/kg de ferro  para 90 miligramas/kg; a mandioca, que não tem vitamina A, passa a ter 90 miligramas/kg de betacaroteno, promotor da vitamina A; e o arroz passa de 12 para 18 miligramas/kg de zinco.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma dieta saudável para adultos deve ter até 40 miligramas de ferro, 11 miligramas de zinco e de 6 microgramas de betacaroteno por dia.

Isso quer dizer que, se um brasileiro consumir arroz, feijão e mandioca biofortificados, terá uma dieta saudável. Só que, por enquanto, esses alimentos ainda não estão disponíveis para todo mundo. Eles estão em fase de testes de clima e solo em onze Estados, principalmente no Nordeste.

O Piauí foi escolhido para ser o Estado de transferência de tecnologia. Por isso, lá os testes são feitos em 33 escolas técnicas agrícolas e em vários modelos de plantio, inclusive com técnicas por gotejamento, para verificar como esses cultivares se comportam em solos muito secos. Os resultados têm sido excelentes.

Em Minas Gerais e no Estado do Rio de Janeiro, respectivamente nas cidades de Juiz de Fora e de Itaguaí, foram construídas unidades demonstrativas com as prefeituras. Nelas, em parceria com a Embrapa, as sementes são multiplicadas e os pequenos agricultores são capacitados no plantio. Eles levam as sementes, plantam e depois vendem os produtos biofortificados para a merenda escolar. Nesses municípios, a Embrapa também fez parceria com algumas escolas e ensina os alunos a plantar. Eles, então, passam esse conhecimento aos pais, que buscam as sementes nas prefeituras ou na Embrapa. E assim o cultivo dos biofortificados vai se espalhando.

A Embrapa esclarece que a variedade biofortificada pode ser usada por grandes ou pequenos produtores, adapta-se ao plantio orgânico ou ao uso de defensivos agrícolas e tem produtividade igual à das variedades tradicionais (só que um quilo de feijão biofortificado vai alimentar melhor que a mesma quantidade do feijão tradicional).

A Embrapa também já lançou essas variedades, mas elas não obtiveram escala comercial. Por quê? Segundo Marília Nutti, pesquisadora da Embrapa e coordenadora do projeto de biofortificação, faltam parcerias para a produção de sementes e mudas. Sem isso, não é possível garantir uma produção constante. E o que é preciso para garantir essas parcerias? É necessário que os produtores de sementes e mudas sejam credenciados na Embrapa.

Outro ponto destacado pela própria Embrapa é que o projeto de biofortificação precisa tornar-se agenda de governo de segurança alimentar. Por que ainda não se conseguiu isso? Porque a própria Embrapa quer encaminhar essa demanda com os resultados da avaliação de impacto nutricional que fará no ano que vem em três creches de Sergipe. A pesquisa vai analisar os ganhos nutricionais das crianças que passaram a consumir três alimentos biofortificados – arroz, feijão e mandioca – em relação a outras que continuaram se alimentando com os produtos tradicionais.

Com parcerias para dar escala à produção de sementes e com resultados comprovando os ganhos nutricionais, os alimentos biofortificados vão estar na mesa dos brasileiros e nas agendas de governos.

* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.