A lei insere os jovens no mercado de trabalho, tirando-os da rua e da criminalidade, auxilia na vida financeira deles e beneficia sua escolaridade.
Por Sérgio Mindlin*
Os recentes casos de violência praticados por jovens causaram legítima indignação da população e recrudesceram as pressões pela diminuição da maioridade penal para 16 anos.
É pelo fato de serem “de menor” que muitos jovens são cooptados por criminosos, livram-se da responsabilidade jurídica pelos atos praticados e continuam na vida do crime. Será que reduzir a maioridade penal atrairia esses jovens para outro tipo de vida? Ou o crime arrebanharia adolescentes e crianças que estivessem fora do limite estabelecido?
Na verdade, em minha opinião, as instituições e a sociedade civil – nós, para ser direto – estamos travando uma queda de braço com as organizações criminosas e estamos perdendo a batalha. Reverter essa tendência é não só dever de toda a sociedade, mas a tarefa prioritária de todos os governos.
O crime oferece a esse jovem o primeiro emprego, o primeiro salário, a sensação de pertencimento, a noção de valores (ainda que errados) e a esperança que a escola, a família, a empresa e a sociedade em geral já não conseguem dar.
Se não, vejamos: após 23 anos de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tramitam no Congresso Nacional aproximadamente 30 propostas de lei e emendas constitucionais sugerindo a redução da maioridade penal. Os projetos de lei retornam com forte apelo social para discussão no Parlamento especialmente quando algum ato infracional cometido por adolescente ganha repercussão nacional, destacado, sobretudo, pela grande mídia.
Muita gente pensa que a violência no Brasil é fruto de impunidade, ou seja, de ter poucos criminosos cumprindo pena por seus atos ilícitos. Mas isso não é verdade. Segundo avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é um dos três países em todo o mundo com maior aumento da população carcerária nos últimos vinte anos. É por isso que as delegacias e presídios estão superlotados, funcionando mais como “depósito” de pessoas do que como as instituições de reinserção na sociedade que deveriam ser.
Segundo dados divulgados no final do ano passado pelo Ministério da Justiça, o número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582, em dezembro de 2011, para 549.577, em julho 2012. Ressalte-se que a maioria dos que ali se encontram são jovens entre 16 e 29 anos.
Se o aumento do número de jovens encarcerados no nosso país reduzisse os índices de violência, o Brasil deveria figurar como um dos países menos violentos do mundo. No entanto, não é o que se vê.
Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Brasil tem hoje cerca de 20 mil adolescentes recolhidos em unidades de internação e delegacias especializadas. Tantos aprisionamentos não têm evitado a reincidência nem tornado os encarcerados pessoas melhores, tendo em vista as condições indignas e desumanas de sobrevivência nas unidades prisionais.
As prisões lotadas tampouco diminuíram a violência. Entre 1980 e 2010, observou-se um aumento de 346% do número de mortes de crianças e adolescentes no país, segundo o Mapa da Violência 2012.
Alguém já parou para medir o impacto desses números sobre o futuro do país? Temos mais centenas de milhares de potenciais profissionais de grande capacitação perdidos entre o trabalho infantil e a criminalidade.
É preciso comprovar aos jovens que, embora o trabalho legal ofereça uma remuneração bem menor do que no tráfico, por exemplo, ele é muito mais seguro. Estamos precisando de políticas inovadoras em geração de renda e trabalho, segurança, saúde, educação e cultura para tornar o mundo “dentro da lei” mais atrativo para os jovens do que o crime. A inovação também se aplica àqueles que já cometeram infrações e aos adultos.
A realidade pode ser outra. Podemos mudar se conseguirmos que esses jovens não entrem para o crime. Estou me referindo à Lei do Aprendiz, por meio da qual as empresas podem dar sua decisiva contribuição para mudar o cenário.
Contribuição das empresas
A Lei do Aprendiz foi criada há 12 anos para facilitar a entrada de jovens no mercado de trabalho e consiste em exigir que médias e grandes empresas preencham pelo menos 5% do seu quadro de funcionários com jovens aprendizes com idade entre 14 e 24 anos para ocupar vagas que não exigem formação técnica ou superior. Para concorrer a elas, esses jovens devem estar cursando ou já terem concluído o ensino médio. O aprendiz tem direito a registro em carteira de trabalho, 13º salário, fundo de garantia, INSS, vale-transporte, férias e jornada de trabalho de 6 horas.
Mas essa lei ainda apresenta resultados abaixo do esperado. No ano passado, foi beneficiada menos da metade do total de aprendizes esperado pelo Ministério do Trabalho. A expectativa era de que 800 mil jovens fossem beneficiados pela lei, mas, na prática, eles somaram menos de 300 mil.
Pela mudança na Lei do Aprendiz introduzida em novembro de 2012, o jovem deve cumprir 80 horas sequenciais de estudo nas entidades qualificadoras antes de iniciar suas atividades na empresa.
Já vimos que a lei traz benefícios para a educação desses jovens e os insere no mercado de trabalho, tirando-os da rua e da criminalidade. Além disso, auxilia na vida financeira deles e traz benefícios até para a escolaridade, já que é exigido que frequentem ou que já tenham concluído o ensino médio.
A Lei do Aprendiz abre caminho para a capacitação e um futuro melhor para mais de 2 milhões de jovens brasileiros. Se forem contratados como aprendizes, eles serão, sem dúvida, os profissionais que vão garantir a competitividade dos negócios e das empresas. Então porque não atentar em cumprir a lei?
A equação é simples. A aplicação da lei, também. É preciso conscientizar-se de que investir nesses jovens é garantir a continuidade da empresa, pois deles sairão líderes e talentos de que qualquer negócio precisa para prosperar.
* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos