Esse foi o tema de seminário promovido pelo Instituto Ethos em 11/6, no qual foi lançado manifesto pelo respeito aos direitos dos povos indígenas.
Com o tema “Direitos Humanos e Mecanismos de Reclamação e Diálogo”, empresários, lideranças nacionais e internacionais e representantes do governo federal reuniram-se num seminário promovido pelo Instituto Ethos no último dia 11, na sede da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em São Paulo, para conhecer boas práticas e avaliar como o Brasil pode avançar nesse campo.
O encontro frisou a importância de mais diálogo e atenção com o tema, de forma a gerar maior consciência e garantia de direitos humanos com melhor qualidade de vida para todos. Apresentou casos bem-sucedidos na forma de consulta e acolhimento das necessidades individuais e de comunidades impactadas por atividades de grandes corporações ou obras. Um dos resultados foi o lançamento da “Carta Aberta ao Governo Brasileiro sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Desenvolvimento Sustentável do País”, um manifesto para que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados e eles tenham voz nas decisões que afetam ou possam afetar suas terras e seu modo de vida.
O documento, que está aberto para adesões, será entregue ao governo federal como prova do anseio da sociedade por maior eficácia e agilidade na resolução de conflitos que vêm ocorrendo no território nacional.
É preciso se engajar
Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, abriu o encontro destacando a importância de uma agenda proativa em relação à defesa e promoção dos direitos humanos: “Os canais de reclamação permitem gerir riscos preventivamente e há bons cases para conhecermos nesse campo”.
Quem falou em seguida foi Jan Gijs Schouten, cônsul-geral do Reino dos Países Baixos, apoiador do evento. O diplomata destacou o firme comprometimento de sua nação com os direitos humanos, tendo assinado os acordos e adotado as diretrizes nesse campo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A parceria com o Ethos é relevante para nós, pois seus esforços constroem caminhos para que todos atuem com responsabilidade”, disse.
A primeira mesa, moderada por Reginaldo Magalhães, gerente do Uniethos, contou com Andrea Cecilia Repetto Vargas, ombudsman da International Finance Corporation (IFC), entidade do Banco Mundial; Antônio do Nascimento Gomes, consultor de Sustentabilidade da Fibria; João Meirelles, diretor-geral do Instituto Peabiru; e Rodrigo Pereira Porto, assessor sênior do Departamento de Normas do Sistema Financeiro do Banco Central.
Reginaldo Magalhães iniciou sua fala ressaltando que, na conjuntura atual, há muitos conflitos ligados a atividades econômicas que não conseguiram prever e levar em conta todos os impactos que causam. É preciso mais conversas e entendimento. “Com diálogo, cria-se uma consciência maior e se encontram soluções que os técnicos sozinhos não veem”, defendeu ele, não somente para resolver os conflitos em si, mas como solução inovadora para o próprio negócio da empresa.
Andrea Vargas concordou, afirmando que sente, em seu trabalho, que os cidadãos estão mais atuantes, graças ao acesso a mais informações e meios de se comunicar. Sua entidade, a IFC, concede empréstimos no mundo todo e mantém um canal constante para receber queixas e denúncias em relação a consequências e danos que as atividades custeadas por ela causem ou possam causar.
A executiva explicou como as reclamações são tratadas na IFC, cujo setor de ouvidoria tem uma linha direta com a direção máxima da corporação. “Temos hoje 39 casos ativos sendo acompanhados. Atuamos na observância, para garantir a qualidade do trabalho, na resolução de conflitos e na assessoria. O que mais buscam os reclamantes é uma reparação”, explicou.
Após citar um caso de êxito na mediação, Andrea frisou que a maior dificuldade ainda é as pessoas conhecerem esse canal de defesa de seus direitos e o acionarem. “Qualquer pessoa pode registrar uma denúncia, até com um formulário simples. Contamos com a sociedade civil para divulgar esse mecanismo”, frisou ela, indicando o site www.ifc.org para quem quiser mais orientações. Ele está disponível em diversos idiomas, inclusive em português.
Agir preventivamente
João Meirelles, do Instituto Peabiru, organização com 15 anos de atuação junto a comunidades rurais e ribeirinhas da Amazônia na conservação da biodiversidade e na promoção do direito à cidadania, expôs o quão específico é estabelecer bons vínculos e comunicação com essas populações. “Não se pode tomar decisões a partir de escritórios na Berrini”, disse ele, referindo-se a uma avenida de São Paulo que concentra empresas. “É preciso ir aos locais e conhecer, ver de perto”, continuou.
Para ele, a principal dificuldade está na duração das ações: “Um diálogo vem de fato com a efetiva capacitação dos habitantes locais, para que eles se empoderem, se expressem e participem de verdade”. Assim, os projetos de envolvimento e os canais de contato devem considerar o longo prazo, tanto quanto os investimentos planejados.
“Quando se define uma grande obra na região, pode-se agir previamente montando ali uma escola de gestão. Investir nas pessoas locais, dar acesso à informática, a sistemas de avaliação… Isso muda a relação entre as pessoas”, exemplificou. “Estamos abertos para auxiliar nesses contatos. Sempre buscamos mostrar as realidades e incentivar a responsabilidade socioambiental corporativa, pois sabemos que uma decisão de uma grande empresa impacta milhares de vidas.”
Rodrigo Pereira Porto, do Banco Central, concordou com essas afirmações, mostrando como o organismo estimula a adesão voluntária do setor financeiro a compromissos em prol dos direitos humanos, tanto internamente, em suas corporações, quanto em seus critérios de financiamento. “Um banco é corresponsável pelas consequências do que financia. Investir em prevenção traz mais benefícios do que lidar com prejuízos de imagem, multas ou mesmo queda de produtividade”, observou, completando que a suspeita ou ocorrência de abusos faz cair a dedicação de colaboradores.
Aprendizado constante
Antônio do Nascimento Gomes, da Fibria, empresa da área de celulose, detalhou como seu grupo vem aprendendo a manter canais abertos com as comunidades no entorno de suas florestas plantadas e unidades fabris. “Todo conflito nasce da falta de diálogo”, comentou, exemplificando que, por meio de uma escuta atenta, mapeia-se melhor o que precisa ser cuidado e os pontos sensíveis em cada caso.
Na Fibria, o trabalho de identificação é contínuo, seja por meio do Comitê de Sustentabilidade, ligado ao Conselho Administrativo, seja pelas Comissões de Sustentabilidade das gerências de unidades, que reportam à diretoria executiva, ou pelas Comissões de Relacionamento Local.
Com isso, a empresa define áreas prioritárias, faz um diagnóstico social e estrutura uma matriz de vulnerabilidade social para o acompanhamento constante. O sistema de gestão de demandas e reclamações tem fluxos bem definidos, com prazos, responsáveis e canais de contato, como linha 0800, site e materiais de fácil acesso. “É preciso saber ouvir. Dar mais importância ao processo, com baixa defensiva e coerência entre discurso e prática.”
Gomes também participou da segunda mesa do seminário, que contou ainda com Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor; Juliana Gomes Miranda, secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, e Luís Donisete Benzi Grupioni, coordenador executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
Direito a ser ouvido
O fio condutor da conversa na segunda mesa foi a regulamentação da Convenção 169 da OIT e da Constituição Federal em relação à consulta a comunidades indígenas sobre a liberação de atividades que as afetem. Donizete reconheceu avanços no respeito aos direitos dos povos indígenas com a Constituição de 1988, quando se superou a visão de que estes deveriam ser integrados à sociedade moderna, extinguindo-se sua cultura. “Contudo, ainda há muitos avanços a serem feitos, como reconhecer a diversidade entre eles. São, hoje, mais de 180 povos e idiomas diferentes.”
Depois da contundente exposição de Donisete sobre as pressões que enfrentam essas populações no Brasil e de um vídeo em que líderes de diversas etnias defendem seu direito de opinar, os presentes puderam conhecer os planos do governo federal para essa inclusão.
Juliana Gomes Miranda esclareceu que consultar todos os envolvidos é um dever do Estado. Assim como implementar mecanismos para inserir suas visões nas tomadas de decisão. Ela expôs como o governo tem procurado construir pontes e o processo em andamento para a regulamentação da Convenção 169 da OIT, iniciado em 1989, recomendando que todos a leiam e se engajem.
Questionada sobre o fato de o Brasil estar ainda na etapa de garantir o direito de consulta, enquanto em alguns países já existem regras que exigem a obtenção de consenso, ela pontuou as dificuldades para defender direitos humanos no mundo todo e a necessidade de avançar onde é possível, tendo o consenso como objetivo final.
Ailton Krenak, líder indígena com atuação marcante na defesa dos direitos de seus povos, lembrou que desde o início dos anos 1990 já havia acordos para que a consulta existisse. “O Estado não é supra-humano, com instrumentos permanentes. Só a fiscalização civil pode fazer avançar questões relacionadas aos direitos humanos. Tudo depende de quem movimenta os instrumentos públicos, e ainda temos uma dificuldade enorme de eleger bons representantes”, salientou.
Ailton ainda se referiu à onda de protestos dos indígenas decorrentes do desrespeito aos seus direitos, bem como à violência que estão sofrendo atualmente por todo país. “Entre morrerem educadamente e serem grosseiros em Brasília, os índios devem ocupar sim os espaços de poder onde seus direitos são decididos e vêm sendo constantemente desrespeitados”, afirmou.
Na parte da tarde, o seminário centrou-se na avaliação do papel e do funcionamento de ouvidorias internas, como canais de reclamação para a garantia de trabalho decente para o público interno. Participaram André Luiz Foganholo, gerente da IBM; Marcelo Lomelino, da Nhanderú Tecnologia em Renovação Interior; Nicolino Eugênio da Silva Junior, assessor de Relações do Trabalho da Febraban; e Reinaldo Bulgarelli, da Txai Consultoria e Educação.
Em todas as falas, destacou-se a necessidade de canais acessíveis, isentos e sérios nas apurações conduzidas, assim como a existência de um Código de Conduta nas empresas, com definições claras do que configura abuso a ser combatido, como assédio moral ou sexual, por exemplo.
Reconheceu-se que ainda não existe uma cultura de reclamar oficialmente e as pessoas tendem a lidar sozinhas com situações de desrespeito. É preciso cuidar de todos os níveis, inclusive dos gestores, bem como dialogar com quem cometeu a infração, num processo de aprendizado, pois ele pode estar agindo assim por não ter consciência da gravidade de atos desse tipo.
O diálogo e a troca de informações sobre direitos humanos continuarão sendo promovidos pelo Instituto Ethos, por meio de seu Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos. A empresa que quiser participar desse grupo pode entrar em contato com Mariana Parra, coordenadora da iniciativa, pelo e-mail [email protected].
Por Neuza Árbocz, para o Instituto Ethos
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Veja algumas das apresentações feitas no evento
– Apresentação de André Luiz Faganholo, da IBM;
– Apresentação de Andrea Vargas, da IFC;
– Apresentação de Antônio do Nascimento Gomes, da Fibria;
– Apresentação de Juliana Gomes Miranda, da Secretaria-Geral da Presidência da República;
– Apresentação de Marcelo Lomelino, da Nhanderú;
– Apresentação de Nicolino Eugênio da Silva Júnior, da Febraban;
– Vídeo “A Obrigação do Estado de Consultar os Povos Indígenas”.