Não podemos permitir a submissão para um Estado cada vez mais autoritário
A crise brasileira, acompanhada da conjuntura mundial, motivada pela pandemia do coronavírus, se intensifica e o presidente da República, Jair Bolsonaro, que deveria ser o responsável por apontar caminhos e saídas, tem sido o principal ator no agravamento desse cenário.
A nomeação de Alexandre Ramagem, para diretor-geral da Polícia Federal (PF), publicada no Diário Oficial da União na edição desta terça-feira (28), concretizou um duro golpe na autonomia da PF e aprofunda a interferência política sobre as instituições brasileiras, corroborando as denúncias do ex-ministro Sergio Moro, feitas em sua saída do governo, no dia 24 de abril.
O ato expressou claramente a vontade pessoal do presidente em ter maior controle sobre essa instituição, tendo em vista que Ramagem liderou a segurança de Bolsonaro, após ele sofrer um atentado, durante a campanha de 2018. Além disso, possui proximidade com os filhos do presidente, investigados pela própria PF, o que representa um grave conflito de interesses.
A indicação aprofunda a “crise de confiança”, cenário sinalizado pela própria Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), em carta aberta destinada ao presidente Jair Bolsonaro, e representaria um grave indício de enfraquecimento e banalização da instituição, que poderá acarretar em um retrocesso para tempos em que a polícia política atuava na perseguição de adversários e proteção de amigos e familiares.
Esse movimento reafirma o autoritarismo que faz Bolsonaro acreditar que pode e deve fazer uso de seu cargo para ter acesso a relatórios de inteligência, influenciar por interesses pessoais e escusos a PF, com o claro intuito de blindar sua família das investigações que já estão em andamento, como a CPMI das Fake News e a Operação das Rachadinhas.
A Polícia Federal tem o dever de preservar os direitos públicos e o interesse do Estado e não ser instrumento para fins políticos, utilizada como polícia política para perseguição de adversários e proteção de interesses particulares. O órgão deve exercer suas funções independentemente de convicções e decisões políticas.
Entendendo os riscos de uma nomeação pessoal para um cargo que deveria ser de extrema imparcialidade e independência, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, suspendeu a nomeação de Ramagem para o cargo de Diretor Geral da PF, sob indícios de desvio de finalidade.
A nomeação do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Luiz de Almeida Mendonça, exige também atenção. As declarações de Sergio Moro sobre o interesse do presidente na pasta demonstraram o grande risco de interferência na condução das atividades do Ministério.
O papel a ser exercido por André, diferentemente de quando era Advogado Geral da União (AGU), não é mais de advogar em defesa do governo, mas sim de preservar as funções previstas para o Ministério, dentre elas, garantir a autonomia e o cumprimento das atividades da Polícia Federal. Do contrário, será simplesmente mais um mero figurante de um governo autoritário e cúmplice da impunidade e de retrocessos no combate à corrupção e na nossa democracia.
As violações por parte do governo, que vão desde apoio a manifestações antidemocráticas à interferência concreta nas instituições de controle e investigação, demonstram que a crise da democracia e da política no Brasil já estão em níveis alarmantes e que há um constrangimento contínuo por parte do Executivo sobre as diferentes frentes do sistema democrático representativo.
O Instituto Ethos reprova a nomeação realizada pelo presidente, por demonstrar indicação de cunho pessoal, não republicana e que corrobora para a fragilização das instituições, bem como com as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça de tentativa de interferência na instituição. Esse episódio retrata mais um risco para o processo democrático e grave ataque ao Sistema de Integridade Nacional e, em especial, ao combate à corrupção. Isso porque viola os princípios de imparcialidade, independência e autonomia que devem conduzir as tomadas de decisão e investigações no âmbito da Polícia Federal. A nova indicação a ser feita pelo presidente deve demonstrar que tais princípios foram preservados e considerados.
A escolha do novo Diretor da Polícia Federal deve ser pautada de forma a preservar as premissas do Estado Democrático de Direito, promovendo transparência e ética aos processos, garantindo assim, o pleno funcionamento das instituições para as devidas finalidades de suas atribuições.
Este é um momento para exigirmos uma nomeação cabível, coerente e imparcial. É também urgente seguir em frente com as investigações, que se fazem ainda mais necessárias desde a declaração do ex-ministro de Justiça. Aceitar uma nomeação que caminha na contramão dos princípios e valores da integridade e ética, é aceitar o sufocamento da independência dos instrumentos de investigação e controle e a submissão para um Estado cada vez mais autoritário.