Milho, feijão e mandioca estão entre as culturas mais vulneráveis às mudanças climáticas; OC estreita relação com agricultores e firma cooperação com Contag
Celebrado na segunda-feira 30/10, um acordo de cooperação entre o Observatório do Clima e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) irá reforçar a participação dos trabalhadores rurais no debate sobre o aquecimento global e na ação climática. Apesar de não serem os grandes emissores da agropecuária brasileira (o despejo de gases-estufa na atmosfera resulta principalmente do desmatamento, impulsionado pelo modelo de produção adotado por parte do agronegócio), os agricultores familiares são os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, o que coloca em risco também a soberania alimentar do país.
É o que mostra um estudo de modelagem desenvolvido pelo pesquisador Tarik Tanure, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A pesquisa estimou a perda de produtividade em diferentes culturas e regiões do Brasil considerando os cenários de aquecimento desenhados pelo IPCC, o painel do clima da ONU. Os resultados revelaram que a produtividade dos agricultores familiares é mais sensível às mudanças climáticas. “Os cultivos de mandioca, milho e feijão, típicos da agricultura familiar, seriam em média, impactados com perda de produtividade”, diz Tanure em Mudanças Climáticas e Agricultura no Brasil: Impactos Econômicos Regionais e por Cultivo Familiar e Patronal, sua tese de doutorado aprovada em 2020.
A pesquisa concluiu, ainda, que o impacto das mudanças climáticas na agricultura familiar pode contribuir para o agravamento de desigualdades e a deterioração das condições de segurança alimentar no Brasil, ao afetar o cultivo de alimentos e atingir principalmente as regiões menos desenvolvidas economicamente. “Alterações de temperatura e precipitação afetam diretamente os níveis de produtividade agrícola, fazendo com que a agricultura seja um dos setores mais afetados pelo fenômeno do aquecimento global. Segundo a FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura], a oferta de alimentos poderá ser comprometida, assim como a segurança alimentar, e uma nova geografia da produção agrícola se configurará”, afirma na tese.
Responsável por grande parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, a agricultura familiar responde por 77% do número total e 23% da área de estabelecimentos rurais no Brasil – um reflexo da alta concentração de terras e da existência de latifúndios voltados à produção para exportação –, além de empregar 67% dos trabalhadores do setor (dados do IBGE). Segundo o Anuário da Agricultura Familiar de 2023, produzido pela Contag em colaboração com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a agricultura familiar brasileira, se fosse um país, seria a oitava maior produtora de alimentos do mundo.
Mas, apesar de os sistemas alimentares serem responsáveis por 73,7% das emissões de gases de efeito estufa brasileiras, como mostrou o novo estudo do SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do OC, na semana passada, a parte mais significativa dessa conta não é dos pequenos produtores e da agricultura familiar. As emissões alimentares do país são dominadas pelo desmatamento – concentrado nas grandes propriedades rurais, como mostrou o Relatório do Desmatamento 2022, do Mapbiomas –, que responde por 56% das emissões do setor. Depois, vêm agropecuária (emissões geradas principalmente pelo rebanho bovino), com 34%, e energia, com 6%.
Para Aristides Veras dos Santos, presidente da Contag, a cooperação com o OC garantirá melhores condições para a atuação dos agricultores na pauta climática. “A assinatura do acordo de cooperação coroa uma relação que já vem sendo construída. Vamos ajudar a elaborar políticas e narrativas para que se enfrente as narrativas do agro e outras, que tentam apenas atrair recursos do Estado e, na maioria das vezes, não enfrentam a questão [das mudanças climáticas]. Vamos fortalecer a agricultura familiar para enfrentar a crise climática, que afeta todo mundo”, disse.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, considera fundamental que os agricultores sejam protagonistas na agenda climática, e lembra que esse é um debate social, relacionado ao agravamento de desigualdades e à escolha dos modelos de desenvolvimento e produção de alimentos no país.
“O pequeno agricultor, o agricultor familiar, tem essa produção que é amiga do clima e precisa estar no centro da agenda climática e dos investimentos do governo. Precisa ser ouvido e ter voz ativa na construção das políticas que vão diminuir as emissões do Brasil e se tornar referência para o mundo inteiro”, diz. Ele completa: “O convênio firmado hoje busca oferecer para a Contag tudo que temos acumulado de conhecimento e tecnologia, para que a confederação e outros movimentos tenham cada vez mais capacidade de fazer essa disputa e de se colocar no no seu devido lugar, de protagonista na agenda climática”.
Como destaca Camila Rodrigues, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV) que atua com agricultores no Mato Grosso, os impactos das mudanças climáticas na agricultura familiar não são apenas uma projeção futura, mas uma realidade. “A mudança do regime de chuvas ficou muito evidente nos últimos meses, com ondas de calor intensas e tempestades a que não estávamos acostumados no nosso inverno. A imprevisibilidade do clima reforça a vulnerabilidade histórica da agricultura familiar (…). Trabalhamos com agricultores de cadeias de ciclo curto, como hortaliças, vegetais e frutas, que não têm conseguido plantar por causa do calor extremo e da umidade, atípicas para o período”, conta.
Em tempo: por falar em prioridades nas políticas públicas, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) tem defendido que os investimentos do Plano Safra sejam concentrados na agricultura de baixo carbono e destacado a importância da agricultura familiar nesse cenário. Mas há gargalos: como revelou estudo recente publicado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), o país deixa de arrecadar R$ 57 bilhões ao ano com isenções fiscais para a produção de soja, majoritariamente destinados a grandes produtores.
Por: Observatório do Clima
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