O Food Day Revolution (Dia da Revolução na Alimentação) pede uma reflexão sobre o papel das empresas em relação a essa questão de saúde pública.
Por Jorge Abrahão*
O resultado de uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que o consumo de alimentos cozidos teria sido fundamental para a evolução da espécie humana. Eles garantiram as calorias a mais que o metabolismo necessitava para suportar um cérebro maior. Mas hoje, com eletrodomésticos como a geladeira, a oferta de alimentos ricos em calorias tornou-se mais fácil e constante, causando problemas como a obesidade. É assim que a neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, orientadora do estudo da UFRJ, resume a nossa evolução do ponto de vista do que comemos ao longo de milhões de anos.
Para Suzana, a ingestão de alimentos cozidos pode ter sido o grande “pulo do gato” evolutivo, que possibilitou a formação de cérebros maiores e, com eles, o surgimento da curiosidade e do engenho humanos. Cozinhar, assim, foi um ato libertador, que permitiu ao ser humano sair das cavernas escuras e… tornar-se obeso?
Não. Suzana Herculano-Hourzel explica a epidemia de obesidade dos dias hoje pela enorme e farta oferta de calorias, principalmente nos alimentos industrializados, consumidos em larga escala por bilhões de pessoas. Assim, retomar a prática de cozinhar a “comida caseira”, com ingredientes saudáveis obtidos na quitanda e temperados com equilíbrio de sal e ervas, pode ser a maneira de se enfrentar essa epidemia.
Hoje (17/6) é uma boa data para se comentar o assunto, porque é quando se comemora o Dia da Revolução na Alimentação (Food Revolution Day), uma iniciativa global do Instituto Jamie Oliver, o famoso chef britânico que tem despendido tempo e dinheiro para fazer as pessoas voltarem a ter o prazer de cozinhar com alimentos saudáveis, compartilhar uma refeição e conhecer mais o tipo de comida que ingerem. Não se trata, portanto, de um dia para ser “contra” alguma coisa, mas “a favor” de uma vida saudável e de entender a hora de comer como aquela do compartilhamento em família e com amigos.
No Brasil, estão programadas várias atividades, como a do Instituto Akatu, que vai realizar um piquenique sustentável. Nós, do Ethos, vamos nos engajar nesse dia fazendo uma reflexão sobre os impactos das ações empresarias num dos grandes problemas de saúde pública em praticamente todos os países: a obesidade infantil. Mais especificamente, vamos comentar a decisão da Coca Cola de não fazer mais anúncios dirigidos a crianças até 12 anos e de reduzir ainda mais o açúcar em toda a linha de bebidas.
Decisão voluntária
A Coca-Cola comunicou, na semana passada, que não fará mais campanhas publicitárias para crianças menores de 12 anos. A decisão voluntária foi tomada juntamente com o governo dos Estados Unidos, que já vem há algum tempo fazendo alertas sobre os altos índices da obesidade infantil naquele país.
Outra medida prevê que crianças abaixo dessa idade não aparecerão consumindo produtos em comerciais da marca sem a presença de um adulto. Além disso, a companhia se comprometeu a somente usar em seus anúncios imagens de modelos fotográficos maiores de 12 anos e também vai reformular embalagens para informar a quantidade de calorias de seus produtos.
A estratégia será implantada em 200 países, entre os quais o Brasil.
A atitude da empresa, famosa por seus anúncios publicitários, foi voluntária e atende uma reivindicação também da sociedade civil brasileira engajada com os direitos das crianças e com a luta contra a obesidade infantil. Outro compromisso assumido pela Coca-Cola foi colocar informações nutricionais na frente de todas as embalagens e valorizar ainda mais as bebidas dietéticas em mercados emergentes. A intenção desses atos é que, assim, a empresa passe a ser vista pelos consumidores como incentivadora de um estilo de vida mais saudável, como também alertar para a importância de uma alimentação balanceada em todas as idades.
Sobre a obesidade infantil
Os índices de obesidade infantil aumentaram exponencialmente nos últimos anos, no mundo. Desde a década de 1980, a obesidade passou a fazer parte das doenças pediátricas de uma forma mais pontual e hoje em dia é um dos males mais comuns enfrentados por endocrinologistas e pediatras. Nos últimos 20 anos, a obesidade infantil cresceu de 5% para 12% nas crianças com idade entre 2 e 5 anos, de 4% para 17% naquelas entre 6 a 11 anos e de 6,1% para 17,6% entre os adolescentes até 19 anos.
Somente no Brasil, o índice de crianças e adolescentes obesos aumentou 240% nos últimos 20 anos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Força-Tarefa Latino-Americana de Obesidade, entidade que reúne as principais sociedades de combate ao excesso de peso na região, já são 70 milhões de pessoas acima do peso em nosso país. Segundo a Agência Brasil, esses dados representam uma despesa de aproximadamente R$ 1,5 bilhão anuais aos cofres públicos para o tratamento de doenças decorrentes do aumento de peso.
O número de crianças brasileiras acima do peso ideal para a idade já se assemelha aos dados norte-americanos: uma em cada cinco crianças está com excesso. Para os médicos, as principais causas para esse sobrepeso são falta de sono, ausência de atividades físicas e maus hábitos alimentares, como comer fora de casa em horários não regulados e consumir alimentos muito calóricos e de baixo valor nutritivo.
Com o objetivo de diminuir a ingestão compulsória desses alimentos, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) decidiu limitar as ações de merchandising para o público infantil. A decisão começou a valer no dia 1° de março de 2013.
De acordo com essa nova autorregulação, crianças não poderão participar mais de ações de merchandising na televisão. O merchandising direcionado ao público até 12 anos também não será mais aceito em qualquer horário da programação. A publicidade destinada a crianças só poderá ser veiculada nos intervalos comerciais. Com essas novas regras, o Conar acredita que esteja correspondendo à preocupação da sociedade com a formação das crianças.
Ao adotar a nova medida em relação à publicidade, a Coca-Cola está indo além do estipulado pelo Conar e é isso que se espera de uma empresa socialmente responsável, buscando a sustentabilidade dos seus negócios.
A Coca-Cola lançou essa política no mês em que comemora 127 anos de atividades e afirmou que ela é resultado de um diálogo travado entre a sociedade, o poder público e o mercado diante de questionamentos surgidos por conta de estratégias de marketing. No comunicado oficial distribuído no dia 8 de maio, a empresa reconheceu que a publicidade tem forte impacto nas decisões de consumo das pessoas, ressaltando que é possível adotar estratégias responsáveis, que alertem o consumidor para potenciais consequências ao se consumirem certos produtos e serviços, mesmo que sejam da própria anunciante.
Indo ainda mais longe, é possível dizer que, ao adotar a diretriz de não anunciar mais para crianças, a Coca Cola reconhece que as relações de consumo são compartilhadas entre os consumidores, o poder público e as próprias empresas, sendo que estas podem adotar medidas restritivas à sua própria publicidade. A Coca Cola não acha que seu faturamento vá diminuir e acredita que continuará sendo a marca mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 77 bilhões, de acordo com relatório da Interbrand.
Tomara que o exemplo da Coca Cola possa, de alguma forma, contribuir para a revisão de outras empresas, empregando mais valores éticos e transparência em suas condutas.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.