Algumas empresas do varejo têxtil dão exemplo ao assumir sua responsabilidade na solução da precariedade do trabalho em sua cadeia produtiva.
Por Paulo Itacarambi*
No final de março, mais três grandes marcas de moda no Brasil foram acusadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de utilização de trabalho análogo à escravidão em oficinas de costura na cidade de São Paulo.
Na verdade, a acusação está sendo feita contra a GEP Indústria e Comércio, dona das marcas Cori, Emme e Luigi Bertolli, bem como representante no país da grife internacional de luxo GAP.
O flagrante ocorreu na mesma semana de realização da São Paulo Fashion Week, um dos mais importantes eventos de moda no país e na América Latina e se junta a outros casos de grifes de confecções de todos os segmentos da moda: surf, skate, luxo, fast fashion, feminino, masculino e infantil.
Trata-se de um problema que afeta todo o setor do varejo têxtil e cuja solução depende de uma atitude proativa de todas as empresas. Algumas já estão mostrando o caminho, como aquelas 15 grandes varejistas que criaram a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTex). A entidade promove um programa de capacitação e certificação de fornecedores que garante o cumprimento de condições de trabalho dignas, entre outros requisitos. Além disso, a C&A, empresa associada à ABVTex, mantém uma auditoria própria para a sua cadeia de fornecedores. E a Renner, outra associada, também inicia um processo que visa desenvolver sua cadeia produtiva.
Neste artigo, gostaríamos de destacar a iniciativa da Zara. Denunciada em 2011 por trabalho análogo à escravidão, a empresa, logo no início, procurou o Instituto Ethos e o Uniethos, afirmando que gostaria de enfrentar e resolver o problema, dando, ao mesmo tempo, sua contribuição ao setor.
O diagnóstico
A Zara possui 41 fornecedores diretos que têm 140 oficinas de costura. Esses 41 fornecedores também trabalham para outras grifes e o mesmo ocorre com os subcontratados. Ou seja, no fim das contas, os fornecedores são praticamente os mesmos para todas as grifes. Por isso, um flagrante de trabalho análogo à escravidão acaba envolvendo mais de uma grande marca.
A maior parte desses fornecedores precisa atender à demanda do fast fashion, a moda rápida de hoje, que exige novidades semanais e produção de poucas peças. Os pedidos das grandes marcas são feitos de acordo com uma estimativa de consumo e variam muito. As confecções e facções não conseguem planejar as atividades porque não sabem qual o volume de encomendas que irão receber na semana seguinte.
Esse tipo de atividade exige uma grande flexibilidade e capacidade de atendimento tanto do fornecedor direto quanto dos subcontratados. Não é isso o que acontece. Os fornecedores diretos têm grandes problemas de logística e desperdício, assim como as empresas do fim da cadeia produtiva. Elas apresentam baixa produtividade, desperdício, equipamentos inadequados, baixa qualificação da mão de obra e dificuldade de acesso a crédito. Além disso, trabalham sob pressão, porque não sabem se terão encomendas.
E como a Zara está enfrentando esse problema? Com comprometimento e planejamento. Orientada pelo Uniethos, adotou importantes medidas. Entre outras ações, a empresa:
– Assumiu sua própria responsabilidade na solução do problema, uma vez que havia fornecedores da cadeia de suprimentos envolvidos nas denúncias do MPT;
– Assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério do Trabalho e Emprego, tornando público seu compromisso com a solução do problema;
– Engajou os fornecedores diretos no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo;
– Condicionou a continuidade dos contratos com esses fornecedores à formalização das empresas, à regularização fiscal e jurídica e à garantia de condições dignas de segurança e saúde aos trabalhadores;
– Elaborou, junto com o Uniethos, um amplo diagnóstico sobre as condições comerciais e de produção na sua cadeia de valor; e
– Está pondo em execução um programa que visa melhorar as condições de trabalho na sua cadeia de valor, por meio do fortalecimento da gestão das empresas e da qualificação da mão de obra, aumentando a produtividade, a capacidade e a flexibilidade de atendimento das empresas.
Se todas as empresas do varejo têxtil se propuserem a seguir o caminho da Zara, em pouco tempo o setor poderá ser exemplo não só no Brasil, mas no mundo. Com isso, a marca Brasil poderia virar sinônimo de sustentabilidade, coisa que poucas grifes no mundo podem ostentar.
Essa moda precisa entrar na moda.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.