Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou um importante julgamento que trará consequências imediatas na qualidade de nossa democracia. Trata-se da Repercussão Geral que definirá se as inovações feitas na Lei de Improbidade Administrativa referentes à exigência de dolo para a caracterização do ato de improbidade e os novos prazos de prescrição geral e intercorrente deverão retroagir para beneficiar agentes políticos que já respondiam por atos de improbidade administrativa cometidos antes da entrada em vigor da nova lei.
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), também conhecida por LIA, é uma lei civil, de caráter não penal, que define os atos de improbidade em três categorias: os atos que importam em enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra princípios da administração pública.
Antes da reformulação promovida na LIA pela Lei 14.230/2021, as lideranças respondiam por esses atos, nas formas culposa e dolosa. O novo texto, entretanto, passou a exigir a configuração do dolo (vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito) para a caracterização do ato ímprobo. O que o STF examina nesta Repercussão Geral é se a nova exigência da conduta dolosa pode retroagir, beneficiando casos de condenação pela prática de ato na forma culposa.
Em relação a este tema, o relator, Ministro Alexandre de Moraes, explicita que mesmo a Lei 14.230/2021 tendo tentado modificar a natureza civil da ação de improbidade, seu caráter civil decorre da Constituição, não podendo, portanto, ser alterado por lei. Alexandre de Moraes e Luís Barroso concretamente relataram julgamentos no STF reafirmando a natureza civil destas ações.
Por isto, a revogação da modalidade culposa não tem o condão de afastar, por exemplo, eventual ressarcimento ao erário, uma vez que ele decorre da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Argumenta ainda que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes mesmo da edição da nova lei, já não admitia responsabilidade objetiva para a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, exigindo a comprovação de má-fé ou má-intenção para a condenação do administrador e que ela também não trouxe nenhuma previsão de anistia geral para todos os casos de condenação por ato praticado na forma culposa.
Em seu voto, o ministro relator distingue os sistemas sancionatórios do Direito Penal de do Direito Administrativo Sancionador e ressalta que o princípio da retroatividade da lei penal (relacionado à liberdade do criminoso) não tem aplicação automática para a responsabilidade por ilícitos civis por improbidade administrativa, sendo restrito ao universo penal.
Na seara da improbidade, enfatiza a aplicação do princípio tempus regit actum, vale dizer, aplica-se a lei em vigor à época do fato, valorizando-se, dessa forma, a irretroatividade da lei e a preservação do ato jurídico perfeito, elementos essenciais visando à segurança jurídica, esperada pela sociedade em relação ao STF.
No que se refere à prescrição, o ministro ressalta que, novamente, em respeito aos princípios da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito, os novos prazos prescricionais previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem (inclusive as novas regras de prescrição retroativa) e, em relação ao ressarcimento ao erário pela prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, o STF já firmou entendimento em Repercussão Geral de que são imprescritíveis (Tema 897, Repercussão Geral no RE 852.475).
De um modo geral, pode-se dizer que o ministro relator optou prevalentemente pela irretroatividade da nova Lei 14.230/2021, enaltecendo-se que o texto não determina expressamente sua incidência a casos do passado. No voto, o relator tranca, inclusive, a possibilidade de aplicação retroativa a casos já julgados, o que vinha sendo demandado por advogados de pessoas processadas.
No que diz respeito a improbidades culposas, o relator enfatiza que a pessoa responsável por julgar deverá avaliar caso a caso o prosseguimento da ação, tendo em vista que historicamente a Lei de Improbidade foi concebida para punir prioritariamente atos dolosos. Quanto ao dolo específico, o Relator interpreta a norma no sentido de não ter havido inovações na Lei 14230/21, decidindo que valeria a exigência do dolo geral, previsto na lei 8429/92.
Esses são, em síntese, os argumentos apresentados pelo relator da Repercussão Geral, Ministro Alexandre de Moraes. São temas jurídicos de grande reflexo político, principalmente devido ao período eleitoral que ora vivemos. O Ministro Nunes Marques, por exemplo, concedeu, no dia 05/08/2022, medida liminar para que o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, possa se candidatar às próximas eleições, uma vez que o prazo prescricional dos atos de improbidade administrativa encontra-se sub judice.
Não é salutar que pessoas condenadas por improbidade possam candidatar-se a novos cargos públicos antes de cumprida a sentença que os condenara; nem é recomendável, em nome da estabilidade política, que as pessoas candidatas sejam eleitas para terem, posteriormente, cassada a sua candidatura.
É necessário que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie sem delongas e é desejável que, ao fazê-lo, privilegie a probidade administrativa. Houve um tempo em que as vozes deste Tribunal sustentavam que o povo é titular do direito subjetivo a um governo honesto.
A sociedade civil espera que essas vozes ainda ecoem no seu pleno, garantindo-se, assim, que agentes políticos que tenham atentado contra a probidade administrativa permaneçam afastados do pleito eleitoral, que da decisão seja emanada a esperadasegurança jurídica, especialmente para as eleições, e que o julgamento tenha desfecho nesta semana, evitando-se pedidos de vista, que poderiam procrastinar o desfecho da decisão e que, se fosse o caso, poderiam ter sido pedidos por Ministros, pela ordem, desde o início.
São Paulo, 9 de agosto de 2022.
Instituto Não Aceito Corrupção
Transparência Brasil
Transparência Internacional Brasil
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social