Pesquisas mostram elevação de renda e bem-estar do brasileiro e também que é preciso avançar muito para se chegar à qualidade de vida de países mais industrializados.
Por Paulo Itacarambi*
A consultoria internacional Boston Consulting Group (BCG) divulgou no início da semana passada um relatório comparando indicadores de 150 países. A partir dessa análise, ela também criou o Índice de Desenvolvimento Econômico Sustentável, composto por 51 indicadores coletados em diversas fontes, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foram usados dados disponíveis para todos os 150 países, no período entre 2006 e 2011. Tais dados foram subdivididos em dez diferentes áreas: renda; estabilidade econômica; emprego; distribuição de renda; sociedade civil; governança; educação; saúde; ambiente; e infraestrutura.
Esse ranking básico também gerou outros três indicadores comparativos do desempenho efetivo ou potencial dos indicadores em momentos diferentes. São eles: atual nível socioeconômico do país; progressos feitos nos últimos cinco anos; e sustentabilidade das melhorias atingidas.
Avanço registrado
Por esses critérios, a consultoria concluiu que o Brasil foi o país que mais progressos recentes fez na elevação dos padrões da vida da população, entre 2006 e 2011, comparado a 150 países. O país conseguiu a pontuação total: 100.
A principal melhoria ocorreu na distribuição de renda, que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade. O relatório destaca a importância dos programas sociais como o Bolsa Família para a obtenção de melhor distribuição de renda, alto índice de crianças na escola (97%) e ampliação da vacinação infantil, pois o recebimento do benefício está vinculado à matrícula e vacinação das crianças.
Nesse critério de progressos recentes, no qual o Brasil é líder, aparecem a seguir Angola, Albânia, Camboja e Uruguai.
Todavia, no ranking que mostra o estágio atual de desenvolvimento, os países que pontuam mais alto são aqueles que possuem um “estoque de bem-estar”. Nessa lista, a liderança é da Suíça e da Noruega, ambas com 100 pontos. O Brasil aparece numa posição intermediária, com 47,8 pontos. Segundo a BCG, a explicação para essa discrepância entre os desempenhos é que o Brasil partiu de uma base muito baixa e atingiu, num curto espaço de tempo, melhorias consideráveis em relação ao seu ponto de partida. Mas, quando se analisa esse desempenho sob o ponto de vista de um “estoque” pré-existente, o índice cai, pois há países com melhor distribuição de renda e maior bem-estar ao longo do tempo.
O PIB conta nessa avaliação, mas não é tudo. Tanto que a Nova Zelândia, cujo PIB em 2011 foi de 1,5%, obteve um avanço de bem estar comparável a um PIB de 6%. A Polônia, que teve PIB de 6,5%, avançou no bem estar como se tivesse crescido 11% na economia.
Esses dados da consultoria em relação ao Brasil são, de certa forma, corroborados pelas estatísticas que o IBGE divulgou também na semana passada.
Melhor Índice de Gini em 30 anos
Pelos dados relativos à Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), entre 1981 e 2011 o Brasil atingiu o menor índice de desigualdade em 30 anos.Os dados fazem parte da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), um estudo feito pela instituição com base nos números divulgados pela Pnad naquele período.
O fato que mais chamou a atenção foi a redução no índice de Gini, um indicador utilizado internacionalmente para medir o nível de igualdade de renda nos países. O índice varia de 0 a 1; quanto mais perto do 0, mais igual em distribuição de renda é o país. Em 2011, o índice de Gini do Brasil foi de 0, 508. Em 1981, era de 0,583. Em 1989, chegou a 0, 634, o ponto mais alto nesses 30 anos. Nos anos 1990, variou entre 0,59 e 0,6; em 2001, marcou 0,593 e, a partir de 2003, iniciou um processo de queda constante até atingir o patamar de 2011, de 0,508, o mais baixo em três décadas.
Essa modificação para melhor foi possível pela ocorrência de dois movimentos simultâneos: a redução da desigualdade, com a “desconcentração de renda”, ou seja, menor distância média de renda entre as pessoas; e o avanço da renda média do brasileiro, por meio do crescimento do PIB com o aumento real do salário mínimo acima da inflação e do emprego formal.
No entanto…
A distância entre ricos e pobres, todavia, continua elevada. Apesar do notável avanço, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo, longe dos indicadores de Gini obtidos pela Suécia, que é de 0,244, ou da Alemanha, que é de 0,290.
Outro estudo do IBGE, agora abrangendo o período de 2001 a 2011, mostrou que a participação dos ricos no total da renda caiu de 63% para 57%. Mesmo assim, em 2011 os 40% mais pobres somavam apenas 11% da riqueza nacional.
Outra constatação da SIS é que cresceu a porcentagem de pessoas com 16 anos ou mais ocupadas com trabalho formal, passando de 45% para 56%. Mesmo assim, em números absolutos ainda existem 42 milhões de pessoas na informalidade.
Esse avanço na renda contrasta com as condições da “vida real” de parte considerável da sociedade brasileira, como demonstra a própria SIS. Em 2011, 16 milhões de domicílios, onde devem viver provavelmente 64 milhões de cidadãos, não tinham simultaneamente os serviços básicos necessários para que haja condições mínimas de habitação: coleta de lixo, água tratada, coleta de esgoto ou fossa séptica e eletricidade. Isso significa que para cada dois domicílios habitáveis, há um sem condições.
Esses dados mostram que ainda há grandes desafios a vencer até se atingir um grau de bem-estar social mais equânime para todos os brasileiros.
A SIS também constatou que 22% da população brasileira está vulnerável à pobreza; ou seja, sua condição de vida pode retroceder. Essa situação é mais grave no Nordeste, onde 40% da população é considerada vulnerável; e é grave até mesmo no Sul, com um contingente vulnerável de 7,7%.
O que é preciso fazer?
Essas estatísticas todas mostram que a sociedade brasileira avançou no sentido da superação de suas antigas mazelas. Mas, ainda não as resolveu definitivamente. As conquistas precisam ser consolidadas e ter garantias de que serão mantidas ao longo do tempo. Como chegar a essa “estabilidade”?
Embora as opiniões sejam divergentes em alguns aspectos, está ficando cada vez mais evidente que a situação não será apenas melhor, mas será também de estabilidade se o país mantiver as conquistas até aqui obtidas –como redução da pobreza, aumento da renda média, crescimento econômico e mais empregos formais – e avançar em dois pontos fundamentais e comuns a todos os países que lideram os rankings de bem-estar: melhoria da qualidade dos serviços públicos e ampliação para todos os brasileiros do acesso a esses serviços e direitos.
Como fazê-lo é o debate do momento, inclusive para decidir qual é o modelo de desenvolvimento sustentável que queremos. Na verdade, esses dados reforçam a premissa de que, sem um processo integrado de crescimento econômico, inclusão social, equilíbrio ambiental e ética, não haverá conquistas duradouras para a sociedade.
O desafio brasileiro, portanto, é encontrar um modelo de desenvolvimento que faça avançar a qualidade de vida, mesmo que o PIB (ou a somatória de todas as riquezas produzidas – o que não inclui a sua distribuição) seja considerado baixo.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.