Levantamento da Transparência Internacional envolvendo 176 países não capta as iniciativas da sociedade civil brasileira por maior transparência.
Por Paulo Itacarambi*
Este domingo, 9 de dezembro, foi o Dia Mundial de Combate à Corrupção. E nesta segunda, dia 10, comemorou-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Então, nada melhor do que tratar do Índice de Percepção de Corrupção 2012, o novo ranking divulgado pela ONG Transparência Internacional (TI) sobre a percepção da corrupção no setor público.
Segundo avaliação da própria entidade, o ranking de 2012 mostra que os governos ainda têm um longo caminho a percorrer até se tornarem mais transparentes e confiáveis em suas prestações de contas. A entidade ressalta que por trás das estatísticas de corrupção existe um custo humano e histórias reais de abuso de poder e de opressão contra bilhões de seres humanos, que vivem sem acesso a serviços públicos, sem oportunidades de melhorar de vida e, principalmente, sem direitos básicos de cidadania.
Na mensagem encaminhada ao público, no dia do lançamento do ranking de 2012, a presidenta da TI, Huguette Labelle, destacou que dois terços dos 176 países analisados obtiveram pontuação inferior a 50, numa escala de 0 (alta percepção de corrupção) a 100 (baixa percepção de corrupção). Para ela, a pontuação abaixo de 50 indica que ainda existe um grande esforço desses países em ampliar a transparência e que os funcionários em cargos de poder devem prestar contas mais rigorosas à sociedade. Entre as medidas sugeridas pela TI para ampliar a transparência estão a aprovação de leis mais efetivas sobre lobby e sobre financiamento de campanhas políticas, bem como a adoção de mecanismos que garantam a prestação de contas sobre todos os atos dos governos.
A TI consulta analistas, investidores e especialistas externos para elaborar o ranking. Em 2012, houve mudanças na metodologia. Em primeiro lugar, foram atribuídas notas de 0 a 100 para cada item pesquisado. Em segundo, a TI avaliou apenas a informação mais recente no período de um ano – e não todo o período, como anteriormente. A avaliação segue os seguintes passos: escolha de fontes confiáveis que trabalhem com dados sobre percepção da corrupção; estandardização dessas fontes, ou seja, cada fonte dará uma nota de 0 a 100 para o mesmo item analisado; cálculo da média; estabelecimento de um “fator de incerteza”, que pode abaixar ou aumentar a nota, como nas pesquisas eleitorais.
A pontuação obtida mostra a percepção que as fontes têm da corrupção do setor público num determinado território. A posição no ranking significa o lugar que o país ocupa em relação a outros que foram avaliados pelos mesmos critérios, mas por fontes diferentes. Para mudar a percepção, as fontes precisam mudar a avaliação do país. Para mudar de posição, basta que o número de países aumente ou diminua.
No Índice de Percepção de Corrupção 2012, Dinamarca, Finlândia e Nova Zelândia dividem o primeiro lugar, com 90 pontos. Segundo a TI, essa posição foi alcançada devido aos sólidos sistemas de acesso à informação que esses países possuem e às normas que regulam a conduta dos ocupantes de cargos públicos. Os últimos lugares ficaram com Afeganistão, Coréia do Norte e Somália, com 8 pontos, pela ausência de instituições públicas eficazes e de líderes políticos que prestem contas de sua atuação.
O lugar do Brasil
O Brasil melhorou quatro posições em relação a 2011, subindo do 73º lugar para o 69º. Com isso, o país está à frente da Itália, da China, da Argentina e do México, mas atrás de Cuba, de Gana, da África do Sul, do Uruguai e do Chile. Somou 43 pontos.
A TI considera o Brasil um exemplo positivo, por conta da aprovação da Lei da Ficha Limpa, que limita o acesso à política de pessoas com processos judiciais pendentes. Para Jorge Sanches, presidente da Amarribo, que representa a TI no Brasil, a nota e a posição do país tendem a melhorar nos próximos rankings, quando os efeitos da Lei de Acesso à Informação puderem ser mais percebidos.
Por outro lado, uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, (UFMG) e do Instituto Vox Populi mostra que atitudes ilícitas estão tão enraizadas na cultura do brasileiro que acabam sendo encaradas como parte do cotidiano. O desvio privado não é visto como corrupção. A pesquisa apontou dez atitudes que os brasileiros mais adotam sem refletir se são corruptas:
- Não dar nota fiscal;
- Não declarar Imposto de Renda;
- Tentar subornar o guarda para evitar multas;
- Falsificar carteirinha de estudante;
- Dar/aceitar troco errado;
- Roubar TV a cabo;
- Furar fila;
- Comprar produtos falsificados;
- No trabalho, bater ponto pelo colega;
- Falsificar assinaturas.
Mas a sondagem também mostra dados positivos, como o fato de 84% dos pesquisados afirmar que, em qualquer situação, existe sempre a chance de a pessoa ser honesta.
A importância da sociedade civil
A própria TI reconhece que o ranking do Índice de Percepção de Corrupção é limitado, pois revela apenas a percepção da corrupção no setor público do ponto de vista de empresários e especialistas. Não avalia a atuação da sociedade civil que, no caso brasileiro, tem sido imprescindível para o avanço da transparência.
Muitos podem pôr em dúvida esse papel, ao verificar a pesquisa da UFMG. De fato, ela demonstra que o “jeitinho” ainda prevalece no cotidiano e que uma transformação cultural é necessária e pode estar a caminho.
Com a maior atuação da Polícia Federal, do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União (CGU) e de parte do Judiciário, as denúncias e processos contra corruptos estão aumentando. Ainda falta passar a mensagem de que acabou a tolerância com a impunidade para todos, e não apenas para alguns.
Com isso, será possível combater com maior eficiência a “pequena corrupção”, como definiu o economista John Kenneth Galbraith, aquela que não exige nota fiscal, por exemplo, sem avaliar o impacto dessa atitude na sonegação fiscal do país.
O fato de a Lei da Ficha Limpa ter sido aprovada por pressão da sociedade – por meio de uma iniciativa popular com mais de 1 milhão de assinaturas – mostra uma mudança de “humor” na sociedade brasileira que ainda não foi apontada por pesquisas da forma como deveria.
Desde as lutas pela redemocratização do Brasil, o tema da corrupção esteve presente e ganhou foro próprio a partir do início dos anos 2000, com iniciativas da sociedade civil que pressionaram os três poderes da República, em todas as suas instâncias.
Além da Lei da Ficha Limpa, que ajudou o país a melhorar sua posição no ranking da TI, tivemos a Lei de Acesso à Informação também aprovada por pressão da sociedade civil sobre os parlamentares. E continua a mobilização para sua completa implementação nos órgãos federais, estaduais e municipais.
De modo específico, as empresas e o Instituto Ethos também vêm se mobilizando para melhorar o ambiente de negócios e as relações público-privadas.
Uma de suas iniciativas é o projeto Jogos Limpos Dentro e Fora dos Estádios, que na semana passada reuniu quinze grandes empresas dos setores de energia e tecnologia da saúde para construírem acordos setoriais que garantam a transparência nos orçamentos das grandes obras para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016.
No início de novembro, foi lançado o Índice de Transparência Municipal, com indicadores construídos por vários movimentos sociais que ajudam a verificar o nível de implementação da Lei de Acesso à Informação nas cidades-sede da Copa do Mundo. Esse índice também pode ser aplicado em qualquer município do país.
Outra iniciativa voluntária em prol da transparência é o Cadastro Pró-Ética, da CGU e do Instituto Ethos, que avalia e divulga as empresas voluntariamente engajadas na construção de um ambiente de integridade e confiança nas relações comerciais, inclusive naquelas que envolvem o setor público.
Também vale lembrar o Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, iniciativa pioneira que reúne mais de 300 empresas comprometidas voluntariamente com diretrizes de ética e transparência em seus negócios com o mercado e com o setor público.
Com a mobilização das empresas e maior atuação das instituições públicas, com Polícia Federal, Ministério Público e CGU, o país não só vai melhorar a percepção da corrupção como avançar num comportamento cidadão enraizado em nossa cultura.
É a isso que aspiramos.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.