Em vez do cidadão, a prefeitura é que deveria cuidar das calçadas, que podem ser sustentáveis. Em Goiânia, a “calçada consciente” deve tornar-se padrão.
Por Paulo Itacarambi*
Você acha que as calçadas de São Paulo foram feitas com o objetivo de dar segurança ao pedestre? É justo com o cidadão que a manutenção delas seja problema do indivíduo, e não do poder público? Essas são algumas perguntas que me vêm à mente quando reflito sobre a aprovação em votação única do PL 56/2013, que modifica a lei das calçadas que está em vigor desde o final de 2011.
Os aspectos dessa legislação já foram bastante discutidos aqui mesmo neste espaço. Eu gostaria de retomar o assunto sob o ponto de vista da mobilidade urbana e da sustentabilidade.
A calçada integra um sistema de circulação maior, que compreende também as ruas por onde rodam os veículos. Assim, ela não pode ser entendida como a soma de trechos entrecortados por guias rebaixadas, sem padrão de revestimento, desenho e construção. O próprio Código Nacional de Trânsito considera a calçada parte da via pública e, portanto, de responsabilidade do poder público. Por que então é o cidadão que se responsabiliza pela sua manutenção?
A responsabilidade pela manutenção das calçadas deve ser da prefeitura, que pode cobrar pelo serviço via Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), cabendo um percentual maior a quem tem um IPTU maior.
Outro aspecto que precisamos discutir é sobre a qualidade dessas calçadas. A condição do passeio público reflete diretamente no bem-estar dos cidadãos. Sendo assim, será que as calçadas paulistanas garantem bem-estar aos pedestres? Um simples passeio pelo quarteirão em que moramos mostra que não.
Muitos podem pensar que, numa cidade como São Paulo, calçada de qualidade não faz a menor diferença, já que quase todo mundo usa carro. Mas, caro leitor, verifique o seguinte: a pesquisa Origem-Destino, feita pelo Metrô de São Paulo em 2011, mostrou que mais de 30% dos deslocamentos diários na região metropolitana de São Paulo são feitos a pé. Isso representa mais de 23 milhões de viagens diárias, só na capital paulista, por trajetos que incluem buracos, revestimentos escorregadios e trechos interditados por acúmulo de lixo ou pela colocação de postes e outros equipamentos. Tudo isso faz com que andar a pé em São Paulo seja um verdadeiro safári na selva urbana.
É preciso que as cidades, não apenas São Paulo, valorizem o pedestre e uma das formas é oferecer uma calçada sustentável. Aí o ouvinte vai pensar: lá vem ele de novo…
Mas um modelo de calçada sustentável já existe e está prestes a se tornar padrão na cidade de Goiânia (GO). O modelo foi desenvolvido pela Consciente Construtora, que passou a adotá-lo na finalização de suas obras.
Vamos entendê-lo melhor.
Calçada consciente
A construtora desenvolveu um tipo de calçada que segue os princípios da sustentabilidade, observando a legislação brasileira sobre acessibilidade a edificações e respeitando o pedestre. Denominada “calçada consciente”, ela também foi projetada para melhorar a permeabilidade e drenagem do solo.
Construída com 80% de materiais provenientes de entulhos e restos de obra, a calçada consciente também integra arborização e mobiliário urbano adequado, bem como contribui para a inclusão social, pois a própria calçada e todos os equipamentos são projetados para garantir total acessibilidade a quem possui qualquer tipo de dificuldade motora ou visual.
A calçada foi construída pela primeira vez em 2009, num empreendimento da Consciente Construtora em Goiânia. Desde então, a empresa adotou essa calçada como padrão para o acabamento de suas edificações e a estende a todo o quarteirão, não apenas para o trecho da obra. Assim, benefícios como acessibilidade, arborização, drenagem pluvial e mobiliário urbano (pontos de ônibus, lixeiras ergonômicas e bancos de descanso) são aproveitados por toda a vizinhança.
O sucesso da iniciativa foi tão grande que a prefeitura de Goiânia, com apoio de várias entidades do comércio e da construção civil, editou em 2012 o Manual da Calçada Sustentável, que estabelece as diretrizes para esse tipo de passeio público na capital goiana. Paralelamente, a Câmara Municipal vem discutindo dois projetos de lei que transformam em padrão esse tipo de calçada na cidade.
De fato, essa proposta retoma o conceito de calçada como parte integrante do sistema de circulação da cidade, cujo bom funcionamento depende do poder público.
A calçada consciente e outros casos exemplares de construção sustentável podem ser consultados no Guia CBIC de Boas Práticas em Sustentabilidade na Construção Civil, editado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.