The Forest Dialogue e Ethos promovem diálogo internacional multistakeholder sobre alimentos, produtos florestais, biocombustíveis e florestas.

Por Jorge Abrahão*

A iniciativa, que discutiu os chamados 4 Fs ( food, fuel, fiber e forests), reuniu, entre 11 e 14 de novembro, em Capão Bonito (SP), comunidades locais, setor privado, organizações da sociedade civil, institutos de pesquisa e organizações intergovernamentais em florestas e agricultura.

Como tratar de forma integrada o atendimento às crescentes demandas da sociedade por alimentos, biocombustíveis e fibras, compatibilizando-as com a proteção das florestas e a inclusão social? Não é exagero afirmar que dessa resposta depende a própria sobrevivência da espécie humana. Portanto, estamos diante do desafio global do século XXI.

Embora sejam temas integrados e inseparáveis, as discussões vêm sendo encaminhadas de forma fragmentada e setorial. Mas a resposta que se busca é sistêmica. Portanto, não haverá uma solução para a produção de alimentos separada daquela para biocombustíveis ou para a proteção das florestas. E, principalmente, não haverá solução que não promova, desde o seu início, a inclusão social dos milhões de seres humanos que hoje estão excluídos da apropriação das riquezas geradas pela atividade humana.

Assim, para identificar agendas comuns entre o setor privado, ambientalistas e comunidades locais na preservação e manejo sustentável de florestas, surgiu em 1999 a iniciativa internacional Diálogo Florestal, ou The Forests Dialogue (TFD). Capitaneado pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e pelo World Resources Institute, o TFD conta com a participação das maiores empresas do setor florestal mundial, grandes organizações ambientalistas, pesquisadores das ciências ambientais e representantes de movimentos sociais. Pelo Brasil, participam a Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a Syngenta, a Fibria  e a Marfrig, entre outras empresas do setor de alimentos, papel e celulose e biocombustíveis.

Uma das questões que o TFD se propôs a enfrentar foi a busca de soluções integradas para as demandas de alimentos, biocombustíveis e fibras, bem como as necessidades de proteção das florestas e de inclusão social. Para dar foco nesses temas, o TFD criou, em 2011, a iniciativa 4 Fs – food, fuel, fiber e forests (alimentos, biocombustíveis, fibras e florestas). A primeira reunião foi realizada em 2011, em Washington, capital dos EUA, na qual se definiram as diretrizes da iniciativa no sentido de reconhecer as oportunidades para ações integradas nos 4Fs. Os participantes desse encontro concluíram que existem várias iniciativas em andamento em cada um dos Fs, mas o desafio global é estabelecer ações integradas e sistêmicas que conjuguem os 4Fs mais inclusão social num mesmo verbo. Nessa reunião, foram conhecidos os principais desafios associados ao assunto, bem como as diversas visões, atores interessados e divergências ou convergências sobre como enfrentar os desafios. Decidiu-se, também, pela realização de um segundo evento, para discutir esses mesmos pontos à luz de um caso concreto brasileiro, em Capão Bonito.

Por que Capão Bonito?

Cidade do sudoeste do Estado de São Paulo, a 220 km da capital, com população de 47 mil habitantes, Capão Bonito tem sido um destino turístico para aqueles que gostam de esportes radicais, pois o rio Paranapanema, no trecho que corta o município, é propício à prática do rafting. Como fica perto de uma região montanhosa, também possui muitas trilhas que permitem caminhadas e percurso em veículos off road. Mas a economia do município não vive só do turismo. Há uma produção agrícola diversificada, pecuária, indústria de papel e celulose, madeireiras e mineração, principalmente de granito, mundialmente conhecido como “granito Capão Bonito”.

Todavia, o sudoeste paulista, composto por 14 municípios além de Capão Bonito, é conhecido como “ramal da fome” e se caracteriza por ser uma das regiões de mais baixo desenvolvimento humano do Estado, apesar de sua antiga colonização, marcada como rota de tropeiros que vinham do sul do Brasil para São Paulo. Esse tipo de atividade produziu um modelo de desenvolvimento marcado pela concentração de renda e pela degradação ambiental.

Nos últimos anos houve grande crescimento da produção de grãos, da atividade pecuária e do reflorestamento, com pressão sobre a área preservada de Mata Atlântica que existe na região.

Desde o início dos anos 2000, junto com a Fibria e a Bracelpa, as comunidades locais, o setor privado em geral, a sociedade civil e órgãos intergovernamentais iniciaram um diálogo para estabelecer um planejamento que faça com que a preservação e o manejo da floresta, bem como as atividades agropecuárias e industriais, possam atuar em harmonia, promovendo o desenvolvimento sustentável da região.

Para verificar os avanços e os pontos de melhoria nesse diálogo, o TFD decidiu realizar o segundo encontro internacional da iniciativa 4Fs na cidade, o primeiro com visita a campo.

Vale ressaltar ainda que o primeiro bioma escolhido pelo TFD para monitorar foi, justamente, a Mata Atlântica; e a Fibria, uma das maiores empresas mundiais do setor de papel e celulose, possui áreas de pinus na cidade, bem como projetos de educação ambiental e de preservação da floresta

O evento

O encontro foi realizado entre os dias 11 e 14 de novembro de 2012, numa promoção conjunta do TFD e do Instituto Ethos, com patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), e copatrocínio da da Fibria, da Bracelpa, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e das instituições internacionais GIZ, CCAF e IIED.

Quarenta e quatro lideranças participaram do diálogo, sendo 14 estrangeiras e 30 brasileiras (de âmbito nacional, regional e local), representando empresas florestais e agrícolas, produtores rurais, ONGs ambientais, movimentos sociais, universidades, órgãos de governo e instituições multilaterais. A programação envolveu dois dias de visita a diferentes tipos de empresas e produtores rurais e dois dias de debates.

Entre os temas discutidos no encontro, destacam-se: a implementação efetiva de legislação que, entre outros objetivos, promova o desmatamento zero e regularize os títulos de terras públicas e privadas; o aumento da produtividade do agronegócio e da agricultura familiar; e os compromissos voluntários que os stakeholders podem assumir.

Resultados

O encontro de Capão Bonito foi o primeiro do TFD com visita a campo. Por isso, os participantes, notadamente os estrangeiros, destacaram a importância de verificar ao vivo os problemas das comunidades locais e os dilemas que empresas, órgãos públicos e a sociedade civil enfrentam para harmonizar demandas. O diálogo constante e qualificado, portanto, é fundamental.

Entre os principais desafios discutidos, alguns consensos foram consolidados. Por exemplo: para conciliar o uso intensivo do solo com preservação ambiental e florestal e inclusão social, o diálogo mostrou a necessidade de se buscar maior produtividade para as lavouras, melhores práticas de manejo florestal, para garantir a “saúde” dos ecossistemas – inclusive com a volta de algumas áreas ao seu “estado natural” – e garantia de renda para agricultura familiar e atividades ligadas à floresta desenvolvidas por comunidades tradicionais.

Outra questão discutida foi como planejar de forma integrada e participativa o uso da terra. O primeiro quesito é agregar a governos e ao setor privado os outros setores interessados nesse planejamento. O segundo é manter a todos bem-informados a respeito dos vários usos do solo possíveis de serem adotados. O terceiro requerimento é capacitar nesses usos e sensibilizar a respeito da importância de se seguir o planejamento.

Um ponto importante levantado durante a discussão do uso da terra foi como avaliar os serviços ecossistêmicos (água, biodiversidade, cultura) no planejamento. Não há, ainda, um conhecimento acumulado e público a respeito dos serviços da natureza e o papel que desempenham para alavancar a produtividade agrícola, a estabilidade climática e a integridade ambiental. Existe um (mau) entendimento de que a tecnologia pode reproduzir as funções da natureza ou consertar os desvios e, por isso, não seria tão fundamental manter os habitats naturais. No entanto, o caso analisado neste Diálogo 4 Fs mostrou justamente o contrário. O aspecto estudado foi o do consumo e contaminação da água.

De modo geral, 69% dos recursos hídricos disponíveis no país são utilizados para atividades agropastoris, 12% dos quais vão exclusivamente para a pecuária. Pesquisas feitas por órgãos brasileiros e pela Agência Nacional das Águas (ANA) mostram que a utilização excessiva de fertilizantes e pesticidas vem aumentando a contaminação dessas águas, com impacto direto na biodiversidade e no próprio uso da água para consumo humano. Essa contaminação não é estudada nem contabilizada nos custos da produção agrícola. E não há tecnologia que substitua a água, fundamental para a vida no planeta.

Assim, os participantes deste Diálogo 4Fs concluiu que é imperativo definir o “valor financeiro” dos ecossistemas e incentivos para sua manutenção em áreas críticas. Isso põe um desafio para governos, sociedade e setor privado: criar incentivos e instituições que direcionem, de maneira correta, os investimentos em capital natural em larga escala, levando em consideração a complexidade dos ecossistemas nos diferentes contextos geográficos, econômicos e sociais.

Próximos passos

O encontro levantou algumas perguntas para reflexão de todos. Elas vão orientar os próximos diálogos, mas também servem para a sociedade em geral repensar alguns paradigmas. Por exemplo:

–      Como mudar os padrões de consumo a partir de uma ação originada no setor agropecuário/florestal, por exemplo, um planejamento multistakeholder de uso da terra?

–      Qual é a melhor abordagem para a tomada de decisão em fóruns multistakeholder?

–      Como harmonizar florestas e redução da pobreza no meio rural?

–      Como evitar o comércio ilegal de madeira? Qual é o papel de cada uma das partes interessadas?

Um documento com todas as conclusões das visitas a campo e das discussões será lançado brevemente. Mas vale destacar a iniciativa que fortalece o diálogo como forma democrática e efetiva de solução de problemas e, mais, de mudança social.

* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.

Na foto: Visita à APP da Fibria durante evento sobre 4 Fs em Capão Bonito.
Crédito: Miriam Prochnow