A descoberta do potencial de consumo das favelas é uma boa novidade. Mas, quanto mais cresce a renda do pobre, mais fica evidente a desigualdade no país.

Por Paulo Itacarambi*

Uma pesquisa feita pelo Instituto Data Popular e pela Central Única de Favelas (Cufa) mostrou que a maior parte dos moradores de favelas no Brasil ingressou na classe média. Entre 2002 e 2013, a parcela incluída nesse segmento social pulou de 37% para 65%, isto é, ganham entre R$ 1.600 e R$ 5.000 por mês.

Ainda segundo a pesquisa, as favelas brasileiras abrigam uma população de quase 12 milhões de habitantes, que giram uma economia de R$ 56 bilhões por ano. Se fossem um país, as favelas teriam um PIB parecido com o da Bolívia. E, se resolvessem formar uma unidade da Federação, seriam o quinto Estado mais populoso do Brasil.

O aumento da renda pode ser notado pelos eletrônicos que esses moradores possuem: telefone celular (89%), lavadora de roupa (52%) e computador com internet (31%), por exemplo. Com exceção da compra de eletrodomésticos, serviços como recarga de celular, manicure e venda de alimentos em mercados e padarias são oferecidos dentro da própria comunidade.

Ao aumento de renda e consumo podem ser agregados dados de avanço educacional, pois 35% dos moradores possuem ensino médio completo e o número de analfabetos caiu de 51% para 33% num intervalo de dez anos.

Isso significa, de acordo com o estudo feito, que o consumo popular triplicou nos últimos dez anos. Os resultados foram obtidos a partir de entrevistas e do cruzamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) com os da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Contradição

A descoberta do potencial de consumo das favelas é uma boa novidade que ajuda a mudar a ideia que temos sobre essas comunidades. Em vez do paternalismo e do assistencialismo com que elas sempre foram tratadas, há agora uma visão de negócio: a favela comporta investimentos como shoppings, restaurantes e lojas de serviços. Com isso, abrem-se oportunidades de renda e trabalho para os próprios moradores.

Todavia, esses dados otimistas e importantes escondem uma contradição: quanto mais cresce a renda do pobre, mais fica evidente a desigualdade existente no país, que é de acesso a serviços públicos de qualidade, a moradia decente, a saneamento básico, enfim a condições de bem-estar.

Um dos indicadores de que aumento de renda na favela não acaba com a desigualdade é a discriminação ainda existente. A mesma pesquisa que revelou os dados acima mostra também que 49% dos entrevistados preferem não revelar que moram em favela por medo de sofrer discriminação e que 75% acreditam que quem vive em favela sofre preconceito e não tem as mesmas oportunidades de alguém que não more nessas comunidades.

Trata-se de uma pesquisa que incomoda, porque exige reflexão. De um lado, é preciso reconhecer que a diferença de renda em nosso país diminuiu, atingindo o menor patamar desde os anos 1960. O índice de Gini, que a ONU usa para medir a desigualdade, está em 0,51 no Brasil. Mesmo assim, nesse andar, para chegar aos 0,4 de Gini, que a ONU considera uma “desigualdade justa”, o país vai precisar de mais vinte anos de políticas de transferência de renda.

O problema, contudo, é que estamos falando apenas de desigualdade econômica. Mas a desigualdade se manifesta em outros planos da vida das pessoas, estabelecendo quase que um “destino”, dependendo da condição que tiver para suprir suas necessidades básicas, bem como de educação e cultura.

O que garante integração de verdade na sociedade é a igualdade de oportunidades. A distância entre as aspirações de um jovem e a possibilidade de realizá-las costuma ser grande. E essa distância torna-se maior ou menor conforme a educação e a renda dos pais.

O “patrimônio familiar”, não só financeiro, mas cultural, educacional e de relacionamentos, contribui para que os jovens das classes A e B ocupem os melhores cargos nas empresas e tenham acesso a bolsas de estudo no exterior e a outros benefícios que os ajudam a permanecer no mesmo estrato social.

As crianças de famílias mais abastadas (não necessariamente ricas) têm mais acesso à leitura, a eventos culturais e a experiências como aulas de música, natação e férias com parentes ou amigos. Esses diferenciais reforçam direta ou indiretamente o aprendizado e ajudam tais crianças a estabelecer conexões que serão decisivas para que, mais tarde, elas obtenham as melhores oportunidades para estágios, pós-graduação e bons cargos em boas empresas.

A manutenção dessa posição se dá também pela desvalorização de quem não frequentou as mesmas escolas e não mora em bairros mais bem dotados de serviços.

Como reduzir ainda mais essa desigualdade? Um bom meio é acelerar o processo no qual a renda do trabalho seja o motor da igualdade, com a criação de empregos formais para todas as faixas salariais, e não apenas para aqueles que ganham até dois mínimos, como vem sendo feito até agora. Como fazer isso? Investindo em inovação e em setores de uma nova economia que está emergindo, da qual o Brasil pode ser liderança protagonista: a chamada economia verde, com inclusão social e crescimento econômico, com o surgimento de uma “cultura de sustentabilidade”, em que o consumo seja um ato consciente de suprir necessidades, e não para reparar diferenças ou discriminações.

* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.