A Conferência Ethos, como a conheço, desde 2016, quando comecei a trabalhar no Ethos, sempre foi um espaço plural e diverso. Respeitando as vivências e trajetórias de cada pessoa, há anos vem contando com a participação de palestrantes de diferentes raças, gêneros e origem social.
Ainda me recordo quando a Dona Diva Guimarães participou da 20ª edição do evento, em 2018, num painel em que ela contou sua história. Uma história compartilhada por muitas de nós, mulheres negras.
Neste momento, que a luta antirracista se acirrou em todo o mundo e ganha os olhos da mídia aqui no Brasil, observar que a Conferência Ethos tem refletido nas temáticas dos diálogos, questões que são pertinentes a população negra, não é uma surpresa, mas é reconfortante reconhecer esse respeito e principalmente o cuidado com o lugar de fala.
Não é possível mais apenas “falar de nós” é preciso que tenhamos voz em todos os espaços, sobretudo naqueles que se destinam a disseminar conhecimento. Ouvir a presidenta do Geledés, Maria Sylvia, falar sobre racismo na atividade sobre Direitos Humanos e o legado dos movimentos negros foi uma grande aula.
A advogada iniciou sua fala contando sobre a luta e a resistência dos seres humanos negros e negras, que remonta a sua chegada nas Américas, principalmente no Brasil. Contou também sobre a atuação e mobilização do movimento negro na década de 80, durante o processo constituinte, o que, segundo ela, “garantiu vitórias importantes para a população negra, como a inserção na Constituição de temas como tornar a prática do racismo um crime inafiançável e imprescritível”.
A narrativa de Maria Sylvia me fez lembrar uma das tradições da cultura africana: a oralidade. Transmitir conhecimento de geração em geração é uma herança dos descendentes africanos, uma forma de perpetuar nossas histórias, visto que nem sempre as páginas dos livros escolares e acadêmicos se dedicaram a contar sobre o protagonismo dos africanos.
Sim, como ela disse, “tivemos avanços, ainda que pequenos, mas extremamente significativos para uma população que sempre esteve à margem e excluída do processo democrático do país”. Por outro lado, ainda temos um longo caminho pela frente. A pandemia do coronavírus desnudou desigualdades que têm os negros em seu cerne. “No momento atual, vivemos uma crise pandêmica que traz a luz que grande parte da população negra não tem direito a saneamento básico, estão em trabalhos informais e degradantes, além de não ter como cumprir o isolamento social e se proteger. Vimos que 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água, essencial para evitar a contaminação de coronavírus”, destacou a presidenta do Geledés.
Ela também foi categórica ao chamar atenção para outra situação que temos vivido: “Vimos aqui no Brasil subirem hashtags sobre o Black Lives Matter por conta da morte de uma pessoa negra nos EUA, bem longe do Brasil. Ainda que os movimentos negros aqui no país sempre tenham pautado a necessidade de discutirmos esses temas, para pensar um verdadeiro estado democrático de direito”.
O que ela nos ensinou com esse apontamento? Olhar para os exemplos que estão ao nosso lado. “A sociedade brasileira não negra tem que refletir sobre seus privilégios porque eles retiram direitos da população negra”, simples assim. “A sociedade precisa começar a olhar ao seu redor e questionar qual é a condição de vida das pessoas negras e pode começar com a condição de vida da pessoa negra que está ali do seu lado, limpando o seu banheiro”, uma frase repleta de significados, pois nos diz a respeito de como não negros podem atuar nessa questão. A luta antirracista não é dos negros, é de todxs.
O que me faz voltar ao início desse texto, sobre o papel da Conferência Ethos em permitir esse compartilhamento de visões daqueles que enfrentam as situações em seu dia a dia. Sejam ambientalistas, economistas, empresários, especialistas e estudiosos.
Nesse mês da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, a Conferência Ethos me tocou num lugar muito especial, ao dar visibilidades a mulheres negras tão potentes, que aqui sintetizei nas falas da Maria Sylvia, mas me refiro também as participações de Yvette Modestin, Vanessa Nakate e Mafoane Odara, até agora.
Representatividades nacionais e internacionais que não apenas falam de nós, mas são a nossa voz, contando sobre as nossas histórias e desafios.
Por: Rejane Romano, coordenadora de Comunicação do Instituto Ethos
Foto: Nappy