Roda de diálogo promovida pelo Ethos propôs reflexão sobre esse padrão e suas implicações
A forma como o patriarcado foi construído, há mais de cinco mil anos, impacta (e muito) as relações estabelecidas em sociedade na atualidade. Entre os reflexos, os homens sofrem diversos tipos de pressões com relação ao padrão de masculinidade, enquanto as mulheres ainda têm que viver em contextos e ambientes machistas e misóginos.
O ambiente corporativo também faz parte dessa conjuntura que precisa ser discutida e transformada. Por isso, o Instituto Ethos promoveu em conjunto com o 4Daddy e com o apoio da associada anfitriã Serasa Experian que nos recebeu em seu DataLab, uma roda de diálogo sobre masculinidade, no dia 28 de novembro de 2018.
Com Juliana Soares, coordenadora de projetos de Gestão para o Desenvolvimento Sustentável do Ethos, e Leandro Ziotto, cofundador do portal 4Daddy, como facilitadores, a discussão permeou questões como masculinidade, machismo, privilégios, diferenças e sentimentos inerentes aos homens e às mulheres, principalmente no contexto atual das empresas e organizações.
O diálogo percorreu algumas questões acerca de como o padrão de masculinidade impacta as relações de trabalho; das características para uma boa liderança; de como o machismo molda as reações frente às autoridades (hierarquia corporativa); de como propagar a equidade de gênero em casa e nos grupos sociais; considerando o papel social do estado e da iniciativa privada em promover políticas de equidade entre homens e mulheres.
Os participantes da conversa ressaltaram que o engajamento dos líderes das organizações com relação a equidade de gênero é muito importante e que, embora a discussão sobre esse tema venha ganhando mais atenção nas empresas, as políticas instituídas até agora sobre diversidade e inclusão ainda são insuficientes. O tema ganhou notoriedade por conta da ascensão do “politicamente correto” e pela vontade das empresas em melhorarem suas imagens, porém a cultura organizacional não acompanha o discurso, de acordo com a opinião dos presentes.
“O tema é muito complexo e, para as políticas serem colocadas em prática, precisa ser trabalhado a longo prazo e de forma intensa nas empresas.”
Para que o discurso se torne prática, essas questões precisam passar a ser parte do consciente coletivo e individual, essa realidade deve ser levada para o ambiente corporativo, onde o machismo também deve ser confrontado.
“Tão importante quanto o debate é o acolhimento e a compreensão do pensamento do outro para, só então, desconstruí-lo, quando é o caso.”
Na atual lógica urbana, muitas vezes, não há tempo nos espaços sociais e privados e nem nas organizações para reflexão e autoanálise, pois a vida contemporânea tem muitas distrações. Dessa forma, é necessário abrir espaço nas jornadas de trabalho para debater a temática, promover encontros com pessoas e visões diferentes, descobrindo maneiras de realizar atividades não invasivas, que não intimidem os funcionários, não criem exclusões e fomentem nas pessoas a vontade de participar.
Também foi ressaltada a necessidade de desmistificar características ditas como femininas ou masculinas, pois esses rótulos acabam colocando barreiras nas relações e interferem na forma como as pessoas se expressam, em principal, os homens. Como exemplo, o padrão de masculinidade impede que o homem seja reconhecido como uma pessoa sensível, pelo fato da sensibilidade ser uma característica atribuída às mulheres. Esse tipo de pensamento acaba se transfigurando em machismo, como uma forma do homem tentar esconder suas inseguranças ou ser depreciado, caso elas transpareçam e ele fuja dos estereótipos.
Para os presentes, o machismo também tem a ver com sentimentos, a dificuldade do homem em expressá-los e a insegurança em se colocar fora dos padrões pela maneira como se sente são muito significativas nesse processo.
Por conta disso, historicamente, o homem não foi educado a trabalhar e a prestar atenção no cuidado com o outro, pois, em geral, passa dos cuidados da mãe para os da esposa e acaba nunca tendo que cuidar de si mesmo. E esse é um dos pontos que pode refletir na liderança das organizações. Por outro lado, quando o chefe é homem, ele é considerado relevante mesmo que tenha uma postura mais agressiva, enquanto as chefes mulheres são questionadas ou mal vistas quando se apresentam de forma mais incisiva e sua autoridade é considerada autoritarismo, deslegitimando a atuação da mulher.
“As mulheres precisam fazer mais esforço para poder legitimar sua autoridade, enquanto a legitimidade do homem enquanto líder já é algo intrínseco.”
Da mesma maneira, mesmo que rótulos como esse não sejam formalizados e institucionalizados nas organizações e os atributos de uma boa liderança em si não tenha gênero, quando atribuímos e associamos apenas características tidas como masculinas ao perfil de uma pessoa que é líder, consequentemente os cargos mais altos acabam sendo majoritariamente ocupados por homens. Segundo o IBGE, o número de mulheres em cargos gerenciais é de apenas 38%.
Esse ponto de vista trouxe à tona a percepção dos presentes quanto a solidão do homem em cargos mais elevados, pois, em geral, as empresas têm estruturas e ambientes masculinizados com padrões mais rígidos de comportamento, sem espaço para demonstrar sentimentos, dúvidas e receios, essencialmente na liderança.
“Quanto mais os homens sobem na hierarquia das empresas, menos eles se aproximam das pessoas, mais solitário fica o trabalho e mais inseguranças podem surgir.”
A temática permeia ainda outras questões no ambiente corporativo e impacta nos lugares de pertencimento dentro das empresas, em que o gênero define e exclui homens e mulheres de determinados círculos e assuntos.
“Nas empresas, geralmente, existem conversas de homens e conversas de mulheres, um não pode entrar nos espaços e discussões do outro. Existem barreiras e grupos distintos.”
Nesse sentido, foi destacada a importância das empresas entenderem como as pessoas se veem e se sentem no ambiente de trabalho, além de buscar compreender se elas são como são e atuam como atuam por questões e características pessoais ou por pressões sociais e imagens previamente estabelecidas. Abrir espaço para esse tipo de reflexão pode proporcionar a autoanálise e o autoconhecimento entre os funcionários, melhorando as relações e fazendo com que até o trabalho possa fluir melhor.
O grupo concordou que existem e sempre existirão diferenças entre os gêneros, porém a transformação é necessária no que diz respeito as oportunidades entre homens e mulheres. É necessário entender e aceitar as diferenças sem gerar preconceitos e sem perpetuar a estrutura machista e de imposição do padrão de masculinidade.
Por fim, foi ressaltado que para propagar a equidade de gênero em casa, no trabalho e nos grupos sociais, exercitar a escuta, manter o respeito e entender o outro é essencial.
“Precisamos entender que existem muitas maneiras de ‘ser mulher’ e muitas maneiras de ‘ser homem’ e respeitar as individualidades além do gênero.”
Dentro das empresas é preciso refletir sobre o lado humano do profissional para entender suas atitudes e o resultado gerado das suas relações. Para alcançar a equidade é importante questionar os padrões para promover reflexões e mudanças efetivas.
*A equipe editorial escolheu preservar o nome dos participantes a fim de evitar possíveis constrangimentos
Por: Laís Thomaz, do Instituto Ethos