Agosto é um mês referência na agenda internacional de direitos humanos pela existência de datas e resoluções que se desdobram em luta, resistência, reflexões e práticas que envolvem todos os atores sociais para resolução de problemas estruturais e globais.
Um mês que se inicia com o Dia Internacional da Juventude (12/08) e termina com dois marcos importantes no combate à discriminação, preconceito, xenofobia e outras formas de violência contra grupos sociais marcados, historicamente, pelos impactos de uma estrutura social concebida por práticas racistas que segrega, violenta e assassina pessoas todos os dias.
Falamos aqui, primeiro, da Conferência de Durban, que aconteceu na África do Sul entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001. Promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, discriminação racial, xenofobia e formas correlatas de intolerância (nome oficinal do encontro) pode ser considerada um marco na luta contra o racismo por ter reunido líderes mundiais (inclusive do Brasil) que se comprometeram a combater as práticas, impactos e efeitos do racismo. Mas, infelizmente, 20 anos depois, ainda presenciamos um cenário preocupante e alarmante para a população negra em todo o mundo.
O racismo e suas distintas formas de materialização na sociedade deve ser entendido como uma prática violenta e que fere os direitos humanos fundamentais, mais diretamente a perspectiva de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos em todo o território global. Trazendo para a realidade do Brasil, o racismo tem ceifado vidas de pessoas negras todos os dias (inclusive, enquanto escrevemos esse conteúdo, corpos negros estão sendo executados pelas mãos de uma necropolítica que se utiliza da força e do domínio das estruturas sociais para eliminar pessoas negras), como nos mostram os dados:
- 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil são indivíduos negros (Atlas da Violência, 2019)
- 75,2% da população negra está entre os 10% mais pobres no Brasil (IBGE, 2019)
- 7 em cada 10 brasileiros que moram em casas com algum tipo de inadequação são negros (IBGE, 2019)
- O Brasil registra duas vezes mais pessoas brancas vacinadas do que pessoas negras – lembrando que iniciamos o processo de vacinação com uma mulher negra – (Agência Pública, 2021)
- O racismo sistêmico elimina vidas negras, como a de George Floyd (Estados Unidos da América), Luana Barbosa dos Reis Santos (Brasil), João Pedro Matos Pinto (Brasil), Marielle Franco (Brasil), Kevin Clarke (Reino Unido), Adama Traoré (França), entre tantos outros e outras que até hoje ainda não obtiveram justiça.
Apesar da Conferência de Durban ter sido um marco na discussão global acerca do racismo, da xenofobia e da discriminação, de ter possibilitado introduzir esses conceitos, histórias e narrativas na esfera global, ainda há muito a ser feito para reparar os impactos e não perpetuarmos mais essa violência. Houveram avanços, mas ainda precisamos de mais atitudes, de mais ações afirmativas, de mudança de cultura, além de romper estruturas e, para isso, contamos com a atuação de todos os atores sociais para que, de fato, tenhamos mudanças significativas.
Sob a perspectiva de reflexão e provocação a respeito do tema é que se encaixa um outro marco histórico significativo e importante para o movimento negro, em que o mundo celebra pela primeira vez, em 2021, o Dia Internacional de Pessoas Afrodescendentes. Criado também pela ONU, essa data (31 de agosto) busca promover e dar visibilidade para a contribuição da diáspora africana para a sociedade, além de pautar o combate à toda forma de discriminação e violência contra as pessoas afrodescendentes.
Essa data, alinhada com o aniversário da Conferência de Durban, convida a sociedade para refletir sobre a luta, a resistência, o poder, a história, as conquistas e os desafios que cercam a população afrodescendente. E mais, nos provoca a pensar em como nossas instituições, nosso governo, nossas empresas e nossas atitudes estão frente à tamanha violação de direitos. O que estamos fazendo para combater o racismo institucional, estrutural, sistêmico e do cotidiano?
Que possamos continuar lutando por justiça, por respeito, pelas garantias de direitos e pela equidade racial no mundo! Essas datas nos ajudam a lembrar do nosso propósito e nos ajudar a relembrar os compromissos que os líderes mundiais assumiram, sendo um importante instrumento de controle social, cobranças por melhores práticas e de responsabilização.
Por: Lucas Carvalho, estagiário de Projetos de Direitos Humanos do Instituto Ethos; e Scarlett Rodrigues, coordenadora de Projetos de Direitos Humanos do Instituto Ethos
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