A contribuição nacionalmente determinada (NDC em inglês) concentra o principal compromisso assumido pelos países no âmbito do Acordo de Paris. Para que seja efetiva, a NDC requer o cumprimento da redução de emissões por parte de todos os setores produtivos da sociedade, tanto públicos como privados. Este documento não diz respeito a apenas ações no âmbito estatal, os compromissos da NDC brasileira podem e devem ser levados em consideração pelo setor privado, visto que as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) são resultado de atividades econômicas que, em grande parte, são ministradas por iniciativas privadas. Assim, para que um número de emissões seja estimado, há a necessidade de um mecanismo de obtenção de dados e informações como, por exemplo, um sistema de informação sobre a qualidade do ar ou sobre o descarte de resíduos. O escopo do Acordo de Escazú (AE) aparece neste sentido, da criação de um sistema transparente e integrado de obtenção de dados, que permita que consulta que seja acessível para os diversos níveis sociais.
Este sistema, além de informar dados que possam ser utilizados para medir emissões, pode ser aproveitado também como um nicho interessante de informação sobre novas possibilidades de negócios e atividades que estimulem novas modalidades econômicas, se encaixando no paradigma do desenvolvimento sustentável. Como, por exemplo, a já conhecida economia circular na valorização dos dejetos, ou até mesmo a transição para uma matriz de energia renovável e possíveis alterações no setor dos transportes. A transparência na obtenção e compartilhamento dos dados é essencial para a criação de um sistema de confiabilidade, tanto econômica quanto jurídica.
O Brasil, no âmbito da América Latina, e dentro do escopo do Acordo de Escazú, tem uma legislação favorável quanto a Lei de Acesso à Informação ao ser comparado com outros países da região. A lei brasileira prevê a transparência de dados de quaisquer instituições ligadas à União ou à administração pública, como empresas de capital misto ou organizações sem fins lucrativos que façam uso de verba pública. Os dados devem ser informados mesmo que não estejam ainda processados e mesmo sem solicitação. A transparência dos dados pode, como citamos acima, garantir segurança econômica e jurídica, além de poder ser utilizada de maneira criativa: incentivando novos projetos, garantindo a construção e a transmissão de conhecimento.
Outro ponto relevante do Acordo de Escazú é a preocupação com os direitos humanos. É sabida a drástica diferença entre emissões de países desenvolvidos e em desenvolvimento; países que hoje são desenvolvidos o fizeram sem preocupação com a escassez dos recursos, sendo assim, fica impossível para que os ditos em desenvolvimento alcancem este patamar da mesma maneira. Assim, países em desenvolvimento, ou seja, com maiores índices de desigualdade e com uma economia majoritariamente pautada na exportação de commodities e produtos primários, tendem a sofrer mais com a acentuação dos eventos climáticos, tanto economicamente, quanto socialmente.
Esta relação não é tão óbvia, mas, basta pensar que populações em condições de pobreza habitam regiões mais suscetíveis a estes efeitos, como em situações de enchentes ou deslizamentos de terra. Em relação ao trabalho, o aumento da temperatura média da atmosfera dificulta o trabalho de populações rurais, ou seja, vai diretamente de encontro com a principal atividade econômica de países em desenvolvimento, a agricultura e sua subsequente exportação. O Acordo de Escazú vincula o direito ambiental ou direito a vida, buscando o desenvolvimento sustentável e por consequência, visando a diminuição das desigualdades, além de propor uma mudança nos padrões de consumo. Busca, portanto, o vínculo entre o cumprimento da NDC e as relações de direito que podem acarretar. Sendo estes os direitos da natureza e dos humanos, mas isto não implica que a preocupação com estes direitos seja apenas dos países em desenvolvimento.
A NDC tem vários pontos que estão ligados a sistemas de acesso à informação e lugares de consulta e acesso público. Neste sentido, o Acordo de Escazú reforça esta relação, apontando para a necessidade de melhorar a educação e a participação pública. Ambas as situações podem ser exponenciadas caso tenhamos um sistema de acesso de dados transparente e confiável. Para a implementação de qualquer plano de adaptação há de haver transparência e participação, além do acesso à justiça e da garantia da mesma capacidade de envolvimento de todos, o que se configura como central da discussão. O AE foi um documento negociado a partir do consenso, mostrando o compromisso com a participação pública e a importância das diferentes vozes quando se debate a respeito de direitos humanos e de acesso à informação. A intenção é justamente aplicar à região direitos de acesso e acompanhamento através de mecanismos não punitivos e incentivando a criação e o fortalecimento de oportunidades, seja de aspectos econômicos ou seja de quantificações de emissões, sempre com o objetivo último de construir a proteção dos direitos da pessoa e das futuras gerações através do desenvolvimento sustentável.
Conjuntamente com os pontos discutidos acima, vem a necessidade de ampliar as redes de comunicação, tanto das questões das mudanças climáticas em si, quanto em relação ao Acordo de Escazú. Em questões de acessibilidade, o acordo foi negociado a partir do consenso entre os participantes e seus pontos firmados em dois idiomas (inglês e espanhol). O texto também conta com duas versões, a primeira com um linguajar mais técnico e a segunda com um linguajar não-técnico para que haja maior circulação e, consequentemente, maior participação. Estas medidas estruturais de como o Acordo foi construído demonstram o engajamento com a transparência, a democratização do acesso à informação e a participação pública, todos pilares das propostas do Acordo de Escazú.
Por: Marina Esteves, estagiária de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos
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