Autores:
Jean Michel Gallo Soldatelli[1]
Juliana Cristina Leandro[2]
Maria Luiza Simplício[3]
Rayhanna Fernandes de Souza Oliveira[4]
Rita de Cassia Tenório Mendonça[5]
Scarlett Rodrigues da Cunha[6]
Walquíria de Paula Fernandes da Silva[7]

A realidade da mulher negra no Brasil é marcada de forma histórica pelo atravessamento de estigmas e violências, na qual sua dupla condição (papéis atribuídos a gênero e a raça) repercute em barreiras estruturais e institucionais que permeiam todos os aspectos de suas vidas. A mulher negra na sociedade enfrenta uma discriminação sistemática, além de ser hipersexualizada, violentada e marginalizada socialmente.  O sistema patriarcal a desfavorece e limita suas oportunidades, enquanto mulher. E como negra enfrenta o racismo estrutural que a relega a posição de inferioridade socioeconômica e territorial.

Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha – Dia Nacional de Tereza de Benguela

O Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha é uma data dedicado ao registro de memória das lutas que trouxeram as mulheres negras até os tempos atuais, bem como traz à luz a necessidade de reforçar a denúncia evidenciada pelas desigualdades de acesso à saúde, educação e renda conferida às mulheres pretas.

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado no dia 25 de julho, surgiu a partir do I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, presidido em Santo Domingo (1992). O evento tinha como objetivo promover a união entre mulheres negras da região para debater, prevenir e enfrentar o machismo e o racismo contra esse grupo identitário[8]. Desde então, a data é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), sendo importante para a promoção de discussões sobre os papéis atribuídos às pessoas a partir das questões de gênero e raça.  E para o fortalecimento dos agentes sociais no enfrentamento à violência contra a mulher negra, assegurando o alargamento das ações e estratégias de enfrentamento do racismo e seus inúmeros desdobramentos.

No Brasil, a data foi reconhecida por meio da Lei n.º 12.987 que instituiu o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra[9].  Tereza de Benguela comandou o Quilombo Quariterê no Século XVIII, localizado na então capitania de Mato Grosso, o qual abrigava mais de 100 negros e indígenas. A comunidade possuíam sua própria organização política (similar a um parlamento); social (baseada no cultivo de algodão, milho, mandioca, feijão e banana); e militar (com um arsenal de armas roubadas, produzidas e trocadas com os brancos)[10].

Foi destruído pelos bandeirantes em 1770. Tereza foi uma importante liderança na luta contra escravidão e símbolo de resistência da população negra no País, em especial, das mulheres negras.

O presente artigo busca trazer ao centro da discussão a realidade das mulheres negras no Brasil, marcada por múltiplos atravessamentos (social, racial, de gênero, sexual, entre outros), além de provocações sobre como endereçar as responsabilidades aos diferentes atores sociais, públicos e privados, a fim de estabelecer diálogos, romper barreiras e enfrentar o racismo. Sendo a maioria da população brasileira hoje (25,8%, PNUD 2024[11]), as mulheres negras ainda se encontram distantes do que se pode considerar uma existência com dignidade e respeito aos seus direitos humanos mais elementares.

Compreender esse contexto perpassa a análise e compreensão do cenário e das estatísticas de desigualdades, requerendo a valorização dessas vozes, experiências e aspirações de diversas mulheres em suas diferentes posições e especificidades.  Só assim, será possível alcançar uma sociedade antirracista em todas as suas estruturas, com corresponsabilidade de todos os atores sociais (empresas, governos e sociedade civil).

De quem estamos falando – notas sobre gênero, escravidão e história do Brasil

Para o melhor entendimento das questões raciais e suas repercussões na atualidade é importante realizar uma breve digressão histórica do marcador racial enquanto elemento estruturante da sociedade brasileira. Esse resgate é fundamental para compreender o contexto atual e as barreiras históricas impostas às pessoas negras.

O Brasil é o país com o maior número de pessoas africanas fora de Áfricas[12]. Foram mais de 4 milhões de pessoas traficadas e escravizadas durante 400 anos, o que comprometeu os direitos e a dignidade de cerca de 25 gerações, marcando negativamente a história do país de maneira profunda e definitiva. Enquanto na Islândia e na Noruega a escravidão foi abolida em 1117 e 1274, respectivamente, o Brasil recebeu seu primeiro navio negreiro em 1535, iniciando um período de quase 400 anos de exploração escravista, sendo um dos últimos países a libertar sua mão de obra escravizada. Vale destacar que, durante a Colônia e o Império, a economia brasileira prosperou com base no trabalho escravo, principalmente nos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, mineração, pecuária, cacau e café.

Entretanto, é fundamental trazer o outro lado da história. Em seus núcleos, as mulheres negras sempre foram agentes importantes de resistência e responsáveis pela preservação das culturas e tradições de origem africana, desempenhando papéis cruciais na transmissão de conhecimentos ancestrais, na prática de religiões de matriz africana, na disseminação de tradições orais e na preservação de laços comunitários que contribuíram para manter a força da resistência coletiva contra a opressão.

Ademais à ancestralidade, é imprescindível dizer o quanto essa carga emocional e física repercute em um estigma e em um estereótipo que se coloca como mais uma forma de violência. As mulheres negras no país passaram por séculos de opressão, nos quais foram submetidas à escravidão e ao trabalho forçado, implicando em uma representação de um suposto dever de “força”, perpetuando a desumanização sob seus corpos e vivências. A essas mulheres, portanto, nunca é concedido o direito à fragilidade, sobretudo por estarem ligadas ao trabalho forçado e às funções de cuidados, sempre entendidas como sem valor. Essa sobrecarga (ancestral) também afeta a saúde física e mental dessas mulheres que precisam enfrentar um conjunto de barreiras e violências cotidianas.

Portanto, ao mesmo tempo que se busca confrontar o passado de injustiças e realizar as reparações históricas é preciso reconhecer suas contribuições, fundamentais para moldar diversos aspectos da vida do povo brasileiro, bem como reconhecer que suas experiências continuam a influenciar as tradições e costumes até hoje.

Demandas por garantias de direitos da população negra e especialmente, de mulheres negras são históricas e ainda se fazem presentes, culminando em diversas conquistas, muitas das quais consolidadas na Constituição brasileira, robustecidas na legislação infraconstitucional do país e concretizadas a favor do desenvolvimento das ações afirmativas como conhecemos hoje. À isso, soma-se à a força dos movimentos negros ao longo da história, pautando direitos e incidindo na agenda global à fim de levar a temática para a centralidade dos debates e das ações.

Neste contexto, um dos setores fundamentais para construir uma sociedade antirracista, é o setor privado da economia. O arranjo e desenvolvimento da economia brasileira nasceu e cresceu pautada em um ciclo sistêmico de subjugação e exploração das pessoas, o que influenciou profundamente as estruturas sociais e culturais que ainda são sentidas pelas mulheres negras.

Os negócios foram desenvolvidos sob bases  discriminatórias e se materializam no racismo em suas diferentes formas. Por esta razão, discutir a realidade das mulheres negras sob a ótica do setor privado é imprescindível para alcançarmos não só uma sociedade mais justa, inclusiva e respeitosa, mas também uma economia que seja efetivamente antirracista e que traga a população negra para o espaço que precisa ocupar no centro dos debates.

Contexto das mulheres negras brasileiras no mercado de trabalho nacional

Em artigo denominado “E a trabalhadora negra, cumé que fica?”, Lélia Gonzalez explicita a realidade de mulheres negras no contexto brasileiro, ao ressaltar que “pela discriminação racial, a trabalhadora negra trabalha mais e ganha menos que a trabalhadora branca que, por sua vez, também é discriminada enquanto mulher.” (GONZALEZ, 1982, p. 9)[13].

A exclusão persistente de oportunidades educacionais, políticas e econômicas se alia ao racismo arraigado na sociedade e continua a limitar suas possibilidades de ascensão social, política e econômica. Logo, entende-se que as mulheres negras enfrentam desafios contínuos na luta por igualdade e reconhecimento de seus direitos, seja em razão do gênero, seja em razão da raça.

Uma das facetas do racismo é a sua contribuição para ciclos persistentes de pobreza e exclusão social. As pessoas e comunidades marginalizadas enfrentam barreiras significativas para mitigar as iniquidades das quais são vítimas, o que reforça um ciclo de desvantagem contínuo, difícil de quebrar sem a implementação de ações afirmativas efetivas e práticas inclusivas robustas. Isso se inicia, por exemplo, ao reconhecer e entender algumas das formas mais perversas nas quais o racismo se materializa na sociedade hoje.  Em especial, no mercado de trabalho.

De acordo com estudo levantado pela consultoria Santo Caos, a partir de dados abertos do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), levantamento anual de dados das empresas brasileiras do Ministério do trabalho, em 2022 a população de mulheres negras com carteira assinada no Brasil não chegava a 42% da população de mulheres brancas.

A taxa de informalidade entre as mulheres negras ocupadas é alarmante. No primeiro trimestre de 2022, 43,3% das mulheres negras ocupadas estavam em postos de trabalho informais, taxa superior à média nacional (40,1%). O dado expõe ainda mais esse cenário quando comparado com a taxa média dos homens brancos/amarelos (34,8%) e das mulheres brancas e amarelas (32,7%). Por outro lado, ficou abaixo da taxa de homens negros (46,6%)”.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo ano, a remuneração das mulheres negras não chegava à metade do salário dos homens brancos e representava cerca de 60% do ganho das mulheres brancas e amarelas. Isso tem relação com o fato de que o percentual de mulheres negras graduadas no ensino superior era de 14,7%, enquanto o de mulheres brancas era o dobro: 29%. Observa-se que apesar de serem maioria no Brasil esse grupo está sub representado em todas as áreas: escolaridade, mercado de trabalho formal e remuneração[14].

Segundo outro estudo da Santo Caos, sobre “Assédio e Gênero nas empresas”[15], lançado em 2023, mulheres negras têm uma incidência 13% maior de assédio e discriminação no dia a dia de trabalho do que mulheres brancas, e 128% maior do que homens como um todo. O dado revela os diferentes atravessamentos que as mulheres negras vivenciam enquanto na sociedade brasileira, reforçando a importância de escancarar essa realidade de desigualdades e severas violações de direitos.

Superar o racismo exige um compromisso contínuo com a equidade e a justiça social, assegurando que todas as pessoas e comunidades tenham voz nas decisões que impactam suas vidas e os espaços onde vivem. Ao reconhecer e enfrentar o racismo é possível progredir em direção a uma sociedade mais justa e inclusiva, onde todas as pessoas tenham a oportunidade de viver com dignidade, independentemente de sua raça, etnia, origem, religião ou classe social.

Essas ações são essenciais para assegurar que as medidas de reparação não apenas considerem, mas também atenuem e corrijam as desigualdades históricas e estruturais, promovendo um verdadeiro progresso em direção à igualdade de oportunidades e justiça social que se almeja para todas as pessoas.

Responsabilidade social empresarial: Como gerir negócios antirracistas?

Enfrentar o racismo requer uma abordagem ampla que inclui educação, advocacy, políticas públicas inclusivas e empoderamento das pessoas e comunidades afetadas. É fundamental reconhecer e confrontar as raízes históricas e estruturais desse fenômeno, assegurando que todos, independentemente de sua origem étnica ou racial, tenham acesso equitativo a um ambiente seguro, saudável, inclusivo e sustentável.

Ainda, a compreensão do passado, contribui com a luta antirracista e proporciona um futuro mais diverso, representativo e inclusivo, especialmente dentro do ambiente corporativo. É fundamental entender que as práticas racistas não são naturais, mas foram construídas com base em interesses econômicos e de poder. É nesse espaço que se tem a oportunidade de refletir e construir novos caminhos rumo à busca de uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.

Apesar da pauta de diversidade ter tido notório avanço nos últimos anos, é possível observar que ainda é percebida e praticada de forma incipiente pelas empresas. Em uma breve análise baseada nas pesquisas do Google Brasil feitas nos últimos 5 anos,  revela-se que, apesar do volume de buscas sobre “mulheres no mercado de trabalho’”[16] ter dobrado de 2021 para cá, infelizmente as buscas sobre “mulheres negras no mercado de trabalho” não tiveram o mesmo desempenho. É importante dizer que houve avanços no que toca à promoção e garantias de direitos para as mulheres, mas é fundamental questionar “para quais mulheres?”

O dado demonstra que a sociedade ainda não compreendeu o que é interseccionalidade e que quanto mais marcadores sociais você tiver em seu corpo, mais desafiador é o cenário. Nesse sentido, é possível presumir que as mulheres negras e todas as camadas que compõem essa definição ainda não são uma prioridade nos debates de diversidade, equidade, inclusão e pertencimento (DEIP), que ainda se dão de forma segmentada por “caixinhas identitárias” que pouco trocam ou tangenciam. Falar de gênero na maior parte das empresas brasileiras hoje ainda é falar da mulher branca, considerando somente o recorte racial (sem olhar interseccional, histórico e socioeconômico) e sem entender que as duas condições estigmatizantes, quando juntas, não apenas se somam, mas se potencializam em progressão geométrica.

Para começar a pensar em gerir um negócio antirracista é fundamental que as empresas comecem a desenvolver uma perspectiva interseccional, ampliando a discussão e as práticas para alcançar os diferentes marcadores sociais, em especial, as mulheres negras, que continuam sendo corpos negligenciados, com alto risco de violação de seus direitos, acesso às políticas públicas e ações que promovam justiça social.

Enquanto a agenda de diversidade, equidade, inclusão e pertencimento continuar sendo trabalhada e compreendida apenas como uma soma de pautas temáticas, haverá um risco de recair em uma visão que categoriza prioridades de maneira (muitas vezes) injusta. De forma equivocada, trata-se a questão numa lógica de “primeiro deixa eu acabar com a desigualdade de gênero, depois eu trato de outra pauta”. E assim cria-se um “ranqueamento temático”, perdendo-se a importância estratégica e cultural, bem como a transformação substancial.

Uma economia antirrascista requer a ampliação e a diversificação dos atores participantes dela. Fazer negócio é pensar para além da lucratividade em si.  É também necessário rever as partes que movimentam essa economia, considerando marcadores sociais necessários para uma abordagem mais inclusiva. A baixa presença de mulheres negras nesta construção é um sinal claro de que o modelo de negócio proposto ainda não atingiu maturidade suficiente para enfrentar de forma cirúrgica e eficaz as desigualdades socioeconômicas fruto do injusto processo histórico mencionado anteriormente.

Outro direcionamento importante das reflexões presentes neste artigo, que partem do resgate histórico, e a breve análise de contexto apresentado é centralizar as ações sob a ótica da promoção e garantias do exercício de direitos. As lutas (históricas) do movimento negro, inclusive a própria agenda do dia 25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha  – surge como oportunidade para dar visibilidade as demandas desses grupos, para que sejam efetivamente endereçadas, priorizadas e responsabilizadas no berço da promoção da dignidade humana.

Os direitos básicos assegurados tanto pela Constituição Federal (1988), quanto os previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) precisam ser entendidos como pilares essenciais e fundamentais para toda ação de enfrentamento às iniquidades, sendo inegociáveis. Não há políticas de inclusão, sem promoção e garantias de direitos. Assim como não há negócios antirracistas, sem que se promova dignidade humana para todas as pessoas, sem distinção.  Caminhar em compasso com a pauta de costumes do mundo empresarial, de reinvenção dos negócios, de políticas de DEIP, mas distantes de uma visão holística e sistêmica é seguir com avanços tímidos e segmentados diante de tamanho obstáculo e urgência.

Além de reconhecer e admitir a história, de olhar interseccionalidades, de atrelar à agendas de promoção de direitos, é imprescindível também, que as empresas se aproximem de profissionais negros e negras, formando parcerias e projetos com empreendedoras negras, priorizando contratações com fornecedoras negras, construindo um arranjo de conexões e networks que fortalecem os negócios liderados por mulheres negras, com isso gerando oportunidades de alcançar uma boa parte da população brasileira que hoje se encontra invisibilizada.

Segundo dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as mulheres negras atualmente são cerca de 24% dos empreendedores brasileiros[17]. Em que pese este número significativo, esse ainda não é um campo priorizado pelas organizações como potencial para negócios, seja na perspectiva de incluir mulheres negras como stakeholders comerciais, seja no campo de investimentos em formação/capacitação, bem como recursos para empreendimentos liderados por essas mulheres. Em nível macro, a população negra é responsável por gerar cerca de R$1,7 trilhão na economia[18], o que reflete 114,8 milhões de pessoas negras comprando ano após ano. Em 2019, 704 bilhões de reais foi o volume de dinheiro que as mulheres negras e pardas movimentaram por ano no Brasil, segundo a pesquisa Locomotiva[19], e ainda sim, permanecem em uma zona de exclusão, que não as reconhece como núcleos centrais para se pensar novas formas de fazer negócio (desenvolvimento econômico, sustentável e humano). O antirracismo parte também do consumo e fortalecimento de produtos e serviços desenvolvidos por pessoas negras e investir nesses profissionais, é fomentar o consumo, é gerar poder e renda, é impactar no fortalecimento da cultura e da identidade da população negra – em especial, das mulheres negras no Brasil.

Para alcançar uma economia antirracista, empresas, governos e sociedade civil precisam atuar em conjunto no desenvolvimento de práticas e políticas públicas que impulsionem a população negra, em especial, as mulheres negras, em diferentes esferas no âmbito do tecido social (educação, saúde, habitação, entre outros). Somada a essa corresponsabilidade, é importante que políticas e leis sejam respeitadas e que possam incentivar melhores práticas, como a Lei de Igualdade Salarial, a Lei de Identificação Étnico-racial nos registros trabalhistas, entre outros. O Brasil possui um arcabouço legal significativo e capaz de potencializar a centralidade nas mulheres negras, sendo esta a tomada de consciência que é o principal objetivo do presente artigo.

Por fim, é preciso também tangibilizar o que se chama “empresa”.  Por trás de cada tomada de decisão nas organizações existem pessoas, que carregam seus valores, tradições e vieses e que muitas vezes, se materializam como racismo, sexismo e outras formas de violações, inclusive no meio ambiente de trabalho. Desta forma, as ações de sensibilização, educação, comunicação e desconstrução, de aproximação com as leis (inclusive a de que o racismo é crime no Brasil, nos termos da Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e políticas públicas existentes, de posicionamentos oficiais, de construção de espaços seguros e acolhedores, e até mesmo de fortalecimento dos canais de denúncia são cruciais para atuar diretamente em prol das pessoas.

Isso perpassa pela cultura organizacional, mas principalmente, pela governança empresarial, que precisa estar respaldada por lideranças que fomentem e apoiem a diversidade nas organizações e desta forma, se alcance efetivamente a transformação social necessária para a consecução dos almejados avanços na promoção da igualdade de gênero e de raça.  É fundamental estabelecer premissas, princípios, acordos, parcerias e declarar nas normas e nos demais documentos institucionais quais são os valores fundamentais e inegociáveis com os quais a empresa quer atuar e como impactar em toda sua cadeia de relacionamento. Assim, é possível obter mudanças “de dentro para fora”, que alcancem todas as esferas da vida das pessoas, de ponta a ponta da empresa, passando pela diretoria e stakeholders, além de outros atores que fazem parte da cadeia de valor e da dinâmica da empresa.

Em meio ao marco de 25 de julho, é possível perceber a importância de celebrar avanços, principalmente, na promoção da equidade de gênero e raça na sociedade e nas empresas. O resgate histórico, os dados, os fatos e a vida de tantas mulheres negras brasileiras, deixa a provocação de que uma discussão de equidade de gênero sem estar relacionada à equidade racial é negar a transformação real, abrangente e necessária que se pretende. É somente nessa mudança de cultura e comportamento, que será possível perceber as mulheres negras alcançando patamares de dignidade humana ainda não experimentados, com seus corpos sendo respeitados, com a sua essência sendo preservada e sua ancestralidade valorizada.

 “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” – Angela Davis (2017)

Outras Referências

Diversidade – Raça e etnia – Portal BB.  https://www.bb.com.br/site/sustentabilidade/como-bb-atua/diversidade/raca-e-etnia/

EL MERCADO LABORAL FEMENINO EN AMÉRICA LATINA: Análisis de sus Características por Estrato Social y Desafíos en Materia de Política Pública: https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/migration/latinamerica/1a478be26f1405ab6c232f0576a2e83dfe3495c7e60fc74172eea962cfc6503b.pdf

Comunicado. É necessário avançar rumo a uma sociedade do cuidado na América Latina e no Caribe para alcançar uma recuperação transformadora, sustentável e com igualdade de gênero | Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).  https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/necessario-avancar-rumo-sociedade-cuidado-america-latina-caribe-alcancar-recuperacao

A participação das mulheres negras no mercado de trabalho: https://blogdoibre.fgv.br/posts/participacao-das-mulheres-negras-no-mercado-de-trabalho

O valor da diversidade racial nas empresas: https://www.scielo.br/j/eaa/a/vjBSjLMzqqk6gL5Vd8JKb8K/?format=pdf&lang=pt

AUTORES:
[1] Jean Michel Gallo Soldatelli é sócio-fundador da consultoria Santo Caos, responsável por projetos de cultura, diversidade e comunicação para mais de 150 empresas, graduado em Comunicação Social pela USP e pós-graduado em Gestão de Negócios pela HSM

Maria Luiza Simplicio é graduada em Direito pela PUC-MG, pesquisadora na área de Direitos Humanos, com atuação profissional no núcleo de Conformidade do escritório Aroeira Salles Advogados

[2] Juliana Cristina Leandro é graduada em Direito pela PUC-SP, com atuação profissional em direitos humanos e diversidade, equidade e inclusão na área de ASG do Banco do Brasil

[3] Maria Luiza Simplicio é graduada em Direito pela PUC-MG, pesquisadora na área de Direitos Humanos, com atuação profissional no núcleo de Conformidade do escritório Aroeira Salles Advogados

[4] Rayhanna Fernandes é Doutoranda e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atua como Gerente de Sustentabilidade e ESG na Protiviti Brasil

[5] Rita Mendonça é advogada de Direitos Humanos e representa a Fundação Renova no Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

[6] Scarlett Rodrigues é Mestra em Políticas Públicas e especialista em Direito Constitucional. Atua como coordenadora de projetos em Direitos Humanos no Instituto Ethos e coordena o Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos do Instituto Ethos.

[7] Walquíria Silva é graduada em direito pela Universidade de São Paulo e pesquisadora nas áreas de Compliance e Direitos Humanos no escritório Maeda, Ayres e Sarubbi Advogados.

[8] FONSECA, Joyce. Hoje na História, 1992 – 25 de julho – Dia da Mulher Negras da América Latina e Caribe. Portal Geledés, 25 jul. 2011. Disponivel em: https://www.geledes.org.br/hoje-na-historia-1992-25-de-julho-dia-da-mulher-negra-da-america-latina-e-caribe/#:~:text=Em%201992%2C%20mulheres%20negras%20de,Am%C3%A9rica%20Latina%20e%20do%20Caribe. Acesso em: 19.07.2024

[9] BRASIL. Ministério da Cultura. 25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Brasília: Ministério da Cultura, 26 jul. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/25-de-julho-2013-dia-internacional-da-mulher-negra-latino-americana-e-caribenha#:~:text=Americana%20e%20Caribenha-,25%20de%20julho%20%E2%80%93%20Dia%20Internacional%20da,Negra%20Latino%2DAmericana%20e%20Caribenha. Acesso em: 19.07.2024

[10] UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA. Tereza Banguela: a escrava que virou rainha e liderou um quilombo de negros e indígenas. [s.l.]: Biblioteca Setorial do CECULT, [s.d.]. Disponível em: https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios. Acesso em: 19.07.2024.

[11] Relatório do PNUD avalia desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/news/relatorio-do-pnud-avalia-desenvolvimento-humano-no-brasil-antes-e-depois-da-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 22.07.2024

[12] Neste artigo será feita a utilização do termo “Áfricas” como forma de reconhecer e potencializar a pluralidade de culturas, tradições e características dos povos e nações de todo continente africano, muitas vezes reduzidos a um só país e um só povo por mero desconhecimento de sua riqueza e multiplicidade.

[13] GONZALEZ, Lélia. 1982d. “E a trabalhadora negra, cumé que fica?” Mulherio, São Paulo, Ano 2, n. 7:4, mai.- jun. p. 9.

[14] LEITÃO, Mírim. A triste realidade ds mulheres negras na educação e no mercado de trabalho pelos dados do IBGE. O Globo, 08 mar. 2023 Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/miriam-leitao/post/2024/03/a-triste-realidade-das-mulheres-negras-na-educacao-e-no-mercado-de-trabalho.ghtml. Acesso em: 19.07.2024.

[15] Assédio e Gênero nas Empresas, Santo Caos, 2023 https://conteudos.santocaos.com.br/estudo-genero-diversidade-em-dados/

[16] Google Trends, pesquisa comparativa sobre os termos ‘mulheres no mercado de trabalho’ e ‘mulheres negras no mercado de trabalho’ no Brasil, nos últimos 5 anos.

[17] “Os desafios sempre presentes na vida das empreendedoras negras” – Sebrae, 2024. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/conteudos/posts/os-desafios-sempre-presentes-na-vida-das-empreendedoras-negras,0f2c4c4c22456810VgnVCM1000001b00320aRCRD. Acesso 22.07.2024.

[18] “Afroconsumo movimenta R$1.7 trilhão” – Disponível em: https://movimentoblackmoney.com.br/afroconsumo-movimenta-a-economia/. Acesso 22.07.2024.

[19] “Negras movimentam R$704 bi por ano, mas são escanteadas pela publicidade”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/10/negras-movimentam-r-704-bi-por-ano-mas-sao-escanteadas-pela-publicidade.shtml. Acesso 22.07.2024