A transformação necessária para a manutenção da vida no planeta
O Instituto Ethos tem enfatizado, desde a sua fundação em 1998, a importância das empresas atuarem de forma ética e socialmente responsável, conquistando assim o respeito e o reconhecimento da sociedade. Num esforço conjunto com as empresas e a sociedade civil, temos trabalhado por uma agenda de mudanças pautada por alguns princípios, dentre eles a transparência, o diálogo e o comprometimento com a responsabilidade social e ambiental.
Infelizmente, pouco temos para comemorar no Dia Mundial do Meio Ambiente em 2020. O Brasil, somente atrás dos Estados Unidos, tem hoje quase 600 mil casos de Covid-19 com mais de 30 mil mortes confirmadas, sem considerar as subnotificações. Se no Brasil toda situação é preocupante, é na região norte do país que observamos os números mais alarmantes, se considerarmos o numero de óbitos por habitante, com destaque para o estado do Amazonas.
E se viver num cenário de pandemia já é desafiador, a situação pode ser ainda pior com a combinação de fatores que hoje observamos no país: se, de um lado temos assistido um descaso do governo federal e a ausência de políticas eficazes para o enfrentamento à pandemia – lembrando que desde o dia 15 de maio estamos sem uma indicação de ministro da Saúde -, por outro lado, há a previsão de uma seca ainda maior nesse ano na Amazônia, provocada pela mudança do clima e aumento de temperatura na região. Com isso, há um aumento significativo do desmatamento e das queimadas na região, o que piora as condições, a qualidade do ar e, consequentemente, aumenta a ocorrência de doenças respiratórias.
Se olharmos para os índices de desmatamento e queimadas em 2019, que foram alarmantes, infelizmente a tendência em 2020 é piorar, e muito. Comparado com abril de 2019, tivemos um aumento de 171% na área desmatada na Amazônia. Importante lembrar que, se a recomendação era de manter o isolamento social para conter a pandemia da Covid-19, isso não foi respeitado por quem desmata a floresta, que nos primeiros meses do ano vigente foi devastada de forma acelerada. Além disso, comunidades que vivem isoladas, como os Yanomamis, são altamente vulneráveis às invasões de grileiros e outros criminosos.
Lembramos que é importante não desassociar saúde e meio ambiente, uma vez que na Constituição Federal de 1988, assim como consta o direito universal e igualitário do cidadão à saúde, se estabelece o direito a um meio ambiente equilibrado, com condições de saneamento básico, moradia e água potável, condizentes com uma vida digna e com a saúde socioambiental.
Se o descaso com a saúde é real, com o meio ambiente não tem sido muito diferente nas políticas do governo federal. Durante a reunião ministerial de 22 de abril, o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que o governo federal aproveitasse a crise de coronavírus, e a exclusiva atenção da mídia para esse tema, para “passar a boiada e mudar todo o regramento ambiental”. Em complemento a isso, no último dia 26 de maio, foi veiculado um anúncio publicitário, assinado por mais de 70 entidades representativas de diversos setores, que manifestava “total apoio” às declarações realizadas pelo ministro do Meio Ambiente. Após a publicação do anúncio, algumas empresas se posicionaram publicamente contrárias a iniciativa e algumas se desfiliaram das entidades que lideraram a propaganda.
O Instituto Ethos entende que a fala do ministro e o apoio dessas entidades vão em direção oposta à agenda do desenvolvimento sustentável que o Ethos e suas associadas ajudam a construir e implementar. É importante considerar que o Instituto vem, há 22 anos, trabalhando com as empresas na construção de uma sociedade mais justa e sustentável, para a qual a proteção do meio ambiente é condição fundamental. O Ethos publicou uma nota pública sobre esses acontecimentos na pauta ambiental, destacando as empresas que se posicionaram publicamente sobre desconhecerem o teor do manifesto das associações representativas dos setores.
Durante a pandemia, que ainda não atingiu o pico no Brasil, além de testemunharmos o aumento desenfreado do desmatamento, acompanhamos também a tramitação da Medida Provisória (MP) 910/2019 e, posteriormente, do Projeto de Lei (PL) 2633/2020, ambos com o objetivo de facilitar a ocupação de terras públicas de forma indevida, o que facilita a grilagem em terras, principalmente na Amazônia, gerando mais desmatamento nessas terras.
Temos na crise criada pela pandemia, uma enorme oportunidade de mudança, de quebra de paradigmas, de crescimento e de reconhecimento do que não funcionava no nosso “antigo normal”. E, temos também, as lições aprendidas para uma nova crise, que já está aqui e que pode piorar: a crise climática. Dessa forma, cabe a nós a importante decisão de refletir: como reinventar um “novo normal” com menos emissões de gases de efeito estufa e poluentes de carros e caminhões? Como reinventar esse “novo normal”, considerando o aumento no uso de fontes renováveis de energia. De mais projetos de eficiência energética? De maior potencial para a bioeconomia, para o uso dos serviços ambientais e ecossistêmicos? Um “novo normal” com desmatamento zero, como advoga o Acordo de Paris? E de um “novo normal” que considera o futuro de jovens e crianças sem a ameaça constante de uma crise climática?
O “novo normal” deve também considerar os desafios de uma maior igualdade e equidade entre as populações. O recente assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, trouxe à tona questões relacionadas ao racismo ambiental, ambientalismo interseccional, justiça ambiental e outros conceitos que têm uma grande questão a ser resolvida: a busca pela preservação do meio ambiente não pode ser deslocada da busca pela proteção das populações. É importante reconhecer a conexão entre as injustiças que ocorrem em populações marginalizadas e vulneráveis e os impactos no planeta. Que em 2021 tenhamos melhores motivos para comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente.
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