Primeira reunião do GT de Direitos Humanos foi realizada em forma de roda de diálogo
No final de fevereiro, aconteceu no Ethos a primeira reunião presencial do ano do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos.
A roda de diálogo “Diretrizes sobre Empresas e Direitos Humanos – desafios da agenda para 2019 no Brasil” reuniu um grande número de representantes de empresas associadas, além de organizações da sociedade civil com o objetivo de debater as diretrizes sobre empresas e Direitos Humanos aprovada no ano passado pelo governo Federal.
As múltiplas perspectivas, tanto da sociedade civil quanto das empresas, sobre os desafios e as ações que podem ser tomadas em 2019 para melhorar a efetivação dos Princípios Orientadores de Direitos Humanos da ONU e da implementação da Agenda 2030 pelo desenvolvimento sustentável foram ressaltadas durante a reunião.
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, apontou a importância em eleger os temas prioritários a serem trabalhados esse ano e a necessidade de ampliar a rede de diálogo entre empresas e organizações da sociedade civil para que tenhamos uma “equação de eficiência e concretude na pauta dos Direitos Humanos ao recortar, nesse conjunto de stakeholders, causas e temas que sejam comuns a todos. Ou seja, encontrar respostas para as questões mais críticas que estamos vivendo nessa agenda.”
A reunião foi dividida em três momentos: apresentação da proposta do plano de trabalho de 2019 do GT Empresas e Direitos Humanos, bem como apresentação das datas e locais das Conferências Ethos do ano e uma breve fala sobre o lançamento do Guia Exame de Diversidade 2018 e sobre como os indicadores ligados a área de Direitos Humanos serão trabalhados para desenvolver e melhorar as práticas das empresas; apresentação da PATRI Políticas Públicas sobre a atual conjuntura da atuação do governo com relação aos assuntos ligados aos Direitos Humanos; e a roda de diálogo em si para debater o papel das empresas nesse cenário, além de pontuar os temas de maior preocupação da agenda de Direitos Humanos dentro e fora das organizações.
Nessa perspectiva, foi apresentado o contexto das agendas de proteção dos defensores dos direitos humanos, da agenda socioambiental e indígena, além de abordar as condições trabalhistas e o trabalho escravo.
A questão de proteção aos defensores dos direitos humanos foi vista como não prioritária nas pastas do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que, até o momento, não apresentou propostas nessa agenda.
Já a agenda socioambiental e indígena passou pela divisão da Funai entre os ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e da Agricultura, provocando um enfraquecimento da política socioambiental. Nesse cenário, foi apontada a necessidade da sociedade em encontrar um interlocutor para a agenda, atuante da mesma forma e com a mesma força que a Funai atuava antes da divisão.
Com relação a agenda das condições trabalhistas e a pauta sobre o trabalho escravo, foi apontada a extinção do Ministério do Trabalho e, consequentemente, a migração da pasta para o Ministério da Economia. Assim, o governo demonstra estar com o foco na reforma da previdência, enquanto outros temas da secretaria ficam em segundo plano.
Durante o debate foram abordadas as perspectivas das empresas com relação ao decreto feito pelo governo passado sobre as diretrizes para empresas de Direitos Humanos. O cenário de incerteza sobre o vigor desse documento dificulta a análise estruturada e crítica sobre as diretrizes por parte das organizações, fazendo com que o principal desafio seja entender qual o papel das empresas nesse contexto.
Nesse sentido, o governo não demonstra intenções de formular espaços para diálogo de grupos da sociedade com organizações da sociedade civil para tratar do tema, além de não haver orçamento para executar a manutenção desses espaços. Dessa forma, o diálogo é inexistente e não há verba, o que impossibilita a execução de ações.
Com o esvaziamento do governo em agendas tidas como controversas, incluindo a pauta dos Direitos Humanos, o cenário é cada dia mais desafiador. Por conta das dificuldades que vem sendo enfrentadas pelo terceiro setor, cresce a responsabilidade da iniciativa privada em se posicionar, seja em assuntos diretamente ligados aos seus negócios e particularidades, ou seja em questões que refletem os valores das organizações.
Foi observado que, muitas vezes, há discrepância de percepções no que diz respeito a reputação e aos valores das empresas, havendo o risco de se seguir uma tendência em se posicionar sobre questões de Direitos Humanos almejando apenas visibilidade e vantagens em marketing. Dessa forma, a agenda não pode ser defendida e trabalhada apenas internamente ou apenas para o público de fora da empresa, o trabalho precisa ser mais orgânico para atingir seus objetivos sociais.
Outra questão importante ressaltada no decorrer do diálogo foi a distorção sobre o conceito de Direitos Humanos criada na atualidade, quando o termo passa a ser sensível dentro da crescente onda conservadora que defende os “verdadeiros Direitos Humanos” e os “Direitos Humanos (apenas) para humanos direitos” em um momento em que os valores da sociedade, e o reflexo de seus representantes eleitos, não são os mesmos dos defensores dos Direitos Humanos.
“Daí a necessidade das empresas em olhar para as formas que a sociedade civil está se articulando em torno dessas mudanças e a dificuldade de compreensão acerca da pauta, sendo necessário ampliar o diálogo e estabelecer articulação para encontrar caminhos comuns. É um momento de somar esforços e perspectivas para o desafio de sensibilizar a sociedade com relação aos Direitos Humanos para que ela se torne ativo de cobrança nesse sentido.” – apontou um dos participantes da reunião.
Assim, faz-se necessário que as empresas reflitam sobre os modelos que determinam suas existências e quais os valores desses modelos elas vivenciam na prática. A empresa precisa perceber a diversidade para definir em que campos é possível pensar uma articulação para fortalecer sua atuação em Direitos Humanos. Uma das dificuldades, nesse sentido, é justamente que a pauta seja tratada não apenas como perspectivas de práticas comportamentais, instrumentais e de dimensão valorativa, mas sim como garantia de responsabilidade para mover ações empresariais.
Ao final do encontro, o grupo levantou os temas de maior preocupação da agenda de Direitos Humanos nas empresas como sugestão de foco para os trabalhos de 2019. Foram citadas e ressaltadas: a importância do GT ser ativo e representativo para atuar efetivamente; a importância do empenho em traduzir o conceito de Direitos Humanos para além dos “Direitos Humanos para humanos direitos”, quebrando esse estigma e mudando a narrativa; a importância de levar a temática para as empresas, levando-a também para o ambiente digital, enquanto conceito relativo à cidadania virtual; a importância de encontrar maneiras para que as empresas tenham possibilidade de defender a causa de fato e consigam se posicionar a respeito dela (e envolver a organização como um todo); a importância de combater o trabalho escravo, mas também todo tipo de “precarização” no trabalho, repensando as formas de inserção dos jovens no mercado de trabalho para além de uma juventude marginalizada e sem perspectiva; e, por fim, a importância de ter em mente o fato de que mudar o contexto ajuda a transformar as comunidades e também as empresas de seus entornos.
Saiba mais sobre as iniciativas do Ethos em Direitos Humanos aqui.
Por: Laís Thomaz, do Instituto Ethos
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