Projeto de Lei nº 1202, que regulamenta o lobby e a defesa de interesses, está parado no Congresso Nacional desde 2007.
Por Sérgio Mindlin*
No último dia 25, na sede do Instituto Ethos, foi realizada uma reunião do Grupo de Trabalho do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção sobre a regulamentação da lei do lobby, um tema muito importante que deveria ser mais discutido não só pelas empresas, mas por todos os cidadãos.
Além das empresas participantes do GT, a reunião contou também com as presenças de Hamilton Fernando Cota Cruz, assessor especial da CGU e Eduardo Carlos Ricardo, sócio CEO da Patri Políticas Públicas.
Nós do Instituto Ethos consideramos que o lobby precisa ser regulamentado em lei e que essa lei é um dos três pilares da transparência do processo democrático e da integridade das relações entre o setor privado e os órgãos públicos. Desse tripé, dois já foram conquistados: a lei de acesso à informação e a lei de responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica (a lei anticorrupção empresarial), recentemente sancionada pela presidente Dilma Rousseff e que ainda deve ser objeto de decreto regulamentador.
A Lei de Acesso à Informação amplia o direito de a sociedade envolver-se no controle e na fiscalização dos orçamentos, das obras, enfim, dos serviços públicos em geral, garantindo o melhor funcionamento do próprio Estado. Já a lei anticorrupção promove um ambiente mais favorável à ética nos negócios e faz com que o Brasil avance na agenda de combate à corrupção, ajustando-se à Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) contra o Suborno de Funcionários Públicos em Transações Internacionais; à Convenção das Nações Unidas e à Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA), no tema da responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção contra a administração nacional e internacional.
A lei do lobby
“Lobby” é uma palavra em inglês que significa “ante-sala” ou “corredor”. Aplicado ao jargão da política, significa atividade de esclarecimento de grupos com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público em favor de interesses particulares. Essa transposição ocorreu na Inglaterra e não teve o sentido pejorativo que adquiriu no Brasil, por exemplo. Tanto entre ingleses quanto entre norte-americanos, onde mais se desenvolveu, o lobby é reconhecido como pressão legítima da cidadania, é regulamentado e existem profissionais especializados para defender todos os tipos de interesses em todas as instâncias dos três poderes.
Nos EUA, por exemplo, o lobby de grupos sociais favoráveis aos direitos civis foi fundamental para a aprovação das leis de cotas e de fim da segregação racial. Foi o lobby de grupos sociais que permitiu a aprovação de legislações avançadas sobre direitos de minorias.
No Brasil, a palavra tem uma conotação pejorativa, pois, para o cidadão, a atividade de “pressionar” está vinculada a ações antiéticas. Embora muita corrupção venha de fato de uma pressão feita de forma incorreta por grandes grupos de interesse, o lobby é uma importante ferramenta para a consolidação do processo democrático, dentro de limites estritos de ética e de transparência das ações.
Quando milhares de jovens ocuparam o Congresso em junho para protestar contra a corrupção, praticaram um tipo de lobby, tanto que o Senado aprovou a lei anticorrupção empresarial cerca de vinte dias depois. Quando grupos de sindicalistas visitam parlamentares e ministros, estão fazendo lobby, porque muitos parlamentares não têm suficiente informação a respeito de todos os assuntos que são debatidos e votados no Congresso. Precisam e querem conversar com representantes de todas as partes para se informarem e votarem bem informados.
O que falta, no Brasil, é uma lei que regulamente a atividade. E é disso que trata o Projeto de Lei 1202, de 2007, de Defesa de Interesses. Ele não vai estabelecer quais interesses podem ser defendidos – numa democracia, parte-se do princípio de que todos os interesses são legítimos – mas vai definir quem é a pessoa (ou grupo) que pode defender esses interesses, onde, quando e como devem ser feitas as reuniões, como informar a sociedade sobre tais demandas e quais os parlamentares ou ocupantes de cargos executivos que defendem as mesmas ideias.
O PL 1202 / 2007 foi apresentado à Câmara e está parado lá desde então. Ele disciplina a atividade de lobby e a atuação dos grupos de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Também estabelece que a Controladoria-Geral da União deverá ser a entidade que receberá os registros e dará as credenciais para lobistas que vão atuar nas instâncias do Poder Executivo. E estipula quem não pode ser lobista: pessoas tenham, nos doze meses anteriores ao requerimento, exercido cargo público efetivo ou em comissão em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional. Essa lei é bem parecida com aquelas dos países que já regulamentaram essa atividade, como EUA, Inglaterra, França e México.
O ponto em comum entre todas as legislações – inclusive a proposta brasileira – é que elas reconhecem a pressão dos grupos sociais sobre parlamentares e membros do Executivo como parte importante do processo democrático. É pela pressão, entendida como esclarecimento, informação e representação de grupos que defendem interesses que a sociedade avança em seus direitos e em sua participação. Outro ponto em comum é que essas regulações visam coibir as pressões veladas, “por baixo do pano”, que podem levar à aprovação de leis ou de projetos que não se coadunam com a vontade da maioria da sociedade.
Com a Constituição brasileira prestes a completar 25 anos, é chegada a hora de a sociedade decidir se deseja ou não a regulamentação da defesa de interesses ou lobby no processo de construção das políticas públicas.
* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.