Como as outras megaforças da sustentabilidade, a questão hídrica apresenta grandes riscos, mas também oportunidades para as empresas.
Por Ricardo Zibas*
A escassez de água é um dos tópicos que têm atraído cada vez mais atenção nos debates da agenda corporativa dos últimos anos. Prevendo uma rápida extinção de fontes exploráveis, muitas empresas estão tomando medidas para utilizar de modo mais eficiente esse recurso vital.
Estudos demonstram que a demanda global por água doce excederá em 40% a oferta em torno de 2030, com implicações potencialmente calamitosas para a sociedade, o meio ambiente e os negócios. Quando comparada com o impacto das mudanças climáticas, teoricamente mais gradual e indireto (mas que recebe bem mais atenção), a escassez de água parece ser uma questão mais imediata e gerenciável.
Como as outras megaforças da sustentabilidade, a questão hídrica apresenta grandes riscos, mas também oportunidades para as empresas. Uma oferta de recursos decrescente pode significar desde a falta de insumos para a produção (agronegócio, alimentos, bebidas) até uma redução na capacidade de geração de energia, em específico num país com uma matriz como a nossa, baseada em hidrelétricas.
Além disso, existem também os impactos indiretos, mais difíceis de ser mensurados, e o endurecimento da matriz legal: cada vez mais, governos ao redor do mundo estão introduzindo regulamentações para disciplinar o acesso e o uso da água.
Por exemplo, o governo de Portugal introduziu, em 2008, uma “taxa da água” para os maiores usuários agrícolas e da indústria. Em maio de 2012, a China anunciou que irá adotar tributos mais elevados para os usuários intensivos de água e incentivar o reúso. As autoridades de Cingapura reviram as taxas cobradas para internalizar o real valor da escassez desse insumo, e assim por diante.
De maneira mais dramática, a escassez hídrica aumenta o conflito entre comunidades locais e empresas. Reputações foram perdidas e licenças de operação cassadas nessa disputa por recursos. Vemos casos de mineradoras no Peru, na Argentina e no Chile sendo impactadas por protestos das comunidades relacionados à água. Em um caso específico, a mineradora envolvida abriu mão de reservas estimadas em centenas de toneladas de ouro pela impossibilidade de se chegar a um acordo. Companhias de bebida na Índia têm enfrentado problemas semelhantes (com o fechamento de uma planta industrial), sem falar na histórica disputa entre siderúrgicas e plantadores de arroz.
Algumas organizações já reconheceram que é necessário mudar os seus modelos de operação para esse novo cenário, reduzindo os riscos de quebra na cadeia de fornecimento, cortando custos, vislumbrando futuras regulamentações e criando valor por meio da inovação de processos.
Em uma pesquisa recente que a KPMG realizou (“Sustainable Insight: Water Scarcity – A dive into global reporting trends”), vimos que 76% das 250 maiores companhias globais endereçam o assunto do uso da água em seus relatórios anuais de sustentabilidade. De forma pouco surpreendente, o assunto é mais tratado em países com falta crônica do recurso e de maneira superficial onde o mesmo é abundante. No caso brasileiro, podemos dizer que a questão está no radar, visto que 59% das 100 maiores empresas mencionam o assunto, o que nos coloca em quarto lugar no ranking global, atrás de Índia, Reino Unido e Espanha, mas na frente da Itália, Alemanha, Coreia do Sul, Austrália, Japão, Holanda, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e China.
Entretanto, mesmo nos melhores relatórios, o tema ainda é marginal e uma constatação é especialmente preocupante: apenas uma em cada dez companhias (considerando as 250 maiores do mundo) informa que está adaptando o seu negócio a um futuro de escassez. Para os outros 90%, fica a impressão de que tudo deverá ficar como sempre foi. Só faltou combinar com o restante do planeta.
* Ricardo Zibas é gerente sênior da área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da KPMG no Brasil.