Empresas do “Sistema B” também buscam o lucro para garantir o negócio, mas investem numa gestão mais igualitária e com menor impacto socioambiental.
Por Jorge Abrahão*
Está começando a se consolidar no mundo um novo tipo de empresa, cujo fim primordial é resolver problemas sociais e ambientais por meio da produção e da venda de produtos. O lucro continua sendo uma variável importante, mas não é um objetivo em si. O lucro é consequência do benefício social distribuído e do valor compartilhado pelo negócio com a sociedade. Esse lucro é pensado como a alavanca para garantir a continuidade do empreendimento.
Já existem exemplos bem-sucedidos desse tipo de empresa em várias partes do mundo. Nos EUA, as empresas B (B corporations) vêm merecendo a criação de uma legislação específica, já que por lá as empresas precisam ser voltadas para o lucro.
A empresa B é diferente de uma empresa socialmente responsável. Nesse último caso, estamos falando da mudança na maneira de gerir o negócio, com a adoção do diálogo com as partes interessadas e o gerenciamento dos impactos socioambientais. A empresa B tem uma “natureza” diferente. Ela não se preocupa com o mercado, porque o lucro que persegue não se destina a pagar acionistas, mas a voltar para a própria empresa, garantindo a continuidade do negócio.
Uma corporação tradicional não tem flexibilidade suficiente para abarcar interesses sociais, ambientais e comunitários nas decisões que adota, porque o sistema econômico que a engendrou – pós-Revolução Industrial – está esgotado. Os grandes pensadores desse modelo – filósofos e economistas que viveram entre os séculos XIX e XX, imaginaram que esse sistema resolveria os graves dilemas da humanidade. De fato, por algum tempo, ele trouxe melhorias na qualidade de vida, mas ao custo de um passivo ambiental e social que está pondo em risco a própria sobrevivência da espécie humana.
O que é a empresa B, afinal?
É coração de um novo setor econômico, que busca liderar transformações positivas na sociedade e no planeta. Opera somente pelos mais altos padrões socioambientais e de transparência.
Por estatuto, as decisões adotadas precisam atender todas as partes interessadas, inclusive (e não primordialmente) os acionistas. Assim sendo, a empresa B redefine o sentido de sucesso nos negócios, mudando o paradigma do mercado. Ela busca ser a melhor empresa para o mundo, e não a melhor empresa do mundo.
Já existem mais de 500 B corporations nos Estados Unidos. Na América Latina, são 21 certificadas e 90 buscando tornar-se uma empresa B (que em espanhol são chamadas de onda B). No Brasil, há duas empresas certificadas: a CDI Lan e a Ouro Verde Amazônia. O Chile é o país do continente com mais empresas B, com 13 companhias certificadas.
A certificação é dada pelo Sistema B, uma organização que reúne representantes de empresas que iniciaram o movimento e desenvolveram os indicadores de certificação.
Como tornar-se uma empresa B
Uma empresa comum pode se transformar numa empresa B se atender dois requisitos:
– obter no mínimo 20 pontos nas respostas dadas ao questionário dos indicadores (disponível gratuitamente no site www.sistemab.org);
– mudar os estatutos da empresa, permitindo que os executivos busquem atingir as demandas de todos os públicos de interesse, e não apenas as dos acionistas.
O processo de certificação inclui as seguintes etapas:
– resposta ao questionário dos indicadores;
– avaliação das respostas, com verificação dos dados, inclusive com visitas de campo aleatórias (a empresa precisa atingir no mínimo 80 pontos);
– modificação dos estatutos da empresa;
– certificação.
O questionário que analisa todas as dimensões da empresa tem perguntas em seis áreas-chave: governança corporativa e democracia; critérios de transparência; práticas trabalhistas; práticas com a comunidade (fornecedores, clientes, concorrência, comunidades do entorno, governos locais, etc); meio ambiente; e modelo de negócio com enfoque socioambiental.
Exemplos de empresas B
Um caso clássico de empresa B é a Guayakí Yerba Mate, firma norte-americana que comercializa erva-mate orgânica. Foi fundada em 1996 por cinco colegas da Universidade de San Luis Obispo, na Califórnia (EUA), com um modelo de negócio pensado para dar resultados nas três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. A empresa conseguiu desenvolver um método de plantio de erva mate que não precisa de desmate. As sementes são plantadas à sombra de espécies nativas, funcionando como corredores ecológicos entre vários ecossistemas e ajudando a reconstruir o sentido de comunidade entre os indígenas e pequenos agricultores dessas regiões, que se juntaram para formar cooperativas. As áreas de plantio ficam no Paraguai, na Argentina e no sul do Brasil.
Até 2020, os sócios da Guayakí querem atingir a marca de 60 mil hectares reflorestados na mata atlântica interior (chamada de “Selva Misionera” nos países de língua espanhola) e promover a inclusão social e o sentido de comunidade em 1.000 famílias, por meio do incentivo ao comércio justo.
Em 2011, a Guayakí faturou US$ 15 milhões e havia conquistado 35% do mercado de ervas naturais orgânicas no entorno das universidades americanas.
Outro exemplo emblemático é o da empresa brasileira Ouro Verde Amazônia. Ela foi fundada em 2002 por Luiz Laranja e Ana Luísa Riva, um casal de jovens comprometido com a conservação da floresta amazônica. Eles estavam convencidos de que a melhor forma de atingir essa meta era por meio do desenvolvimento de negócios sustentáveis que agregassem valor aos produtos nativos. Daí surgiu a empresa.
Nos três primeiros anos, a Ouro Verde investiu muito em pesquisa e desenvolvimento, com apoio das melhores universidades do país, para definir quais seriam esses produtos de valor agregado. Desenvolveu o óleo de castanha-do-pará extra virgem, o granulado de castanha, produzido após a extração parcial do óleo, o creme de castanha-do-pará e a castanha-do-pará sem casca.
Para o desenvolvimento desses produtos foi necessário mudar o sistema de coleta da castanha e organizar as comunidades locais em cooperativas, para que pudessem atender a demanda.
Em 2009, a Ouro Verde Amazônia passou a integrar o Grupo Orsa. Em 2002, a criação da empresa consumiu R$ 20 mil. Em 2011, ela faturou R$ 4 milhões e espera chegar aos R$ 60 milhões nos próximos oito anos, mantendo as características de empresa B.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.
Na foto: Luiz Laranja, cofundador da Ouro Verde Amazônia, empresa B brasileira.