Ethos e BNDES promovem iniciativa pioneira de diálogo Brasil-União Europeia focado em negociações comerciais para uma nova economia.
Representantes de organismos internacionais, autoridades e integrantes de empresas brasileiras se reuniram na manhã de 12 de novembro de 2013 para avaliar a construção de relações comerciais com base em critérios de medição da pegada de carbono* no ciclo de vida dos produtos. Tratava-se do seminário “Diálogo Brasil–União Europeia: Negociações Comerciais e a Construção de uma Economia de Baixo Carbono”, realizado pelo Instituto Ethos e patrocinado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Dados científicos mostraram as vantagens competitivas da matriz energética brasileira e avaliou-se o papel do Estado como indutor do desenvolvimento sustentável por meio de investimentos e compras públicas. O seleto grupo, que contou com a presença de Francisco Cannabrava, ministro-chefe da Divisão de Negociações Extrarregionais do Mercosul II do Ministério das Relações Exteriores, e Pedro Santos, ministro-conselheiro do Comércio da Delegação da União Europeia, avaliou ainda as perspectivas para um acordo comercial entre os dois blocos, à luz de critérios de sustentabilidade.
Simone Saisse, do BNDES, frisou a importância de encontros como esse diálogo para fortalecer as partes envolvidas e a economia nacional. As conclusões apontaram que o Brasil reúne inúmeras vantagens para ocupar posição de destaque numa economia de baixo carbono. Contudo, pode estar deixando passar a oportunidade e corre o risco de ficar atrás de nações como Índia e China, que já estão consolidando mecanismos próprios de troca de cotas e redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE).
“A matriz energética no país é uma vantagem óbvia”, disse José Goldemberg, renomado físico, ex-ministro e cientista da Universidade de São Paulo (USP). “Somos uma das nações com maior porcentagem de fontes renováveis no mundo, com 47% do total, ficando atrás apenas da Noruega e da Suécia , que têm cerca de 50% em hidroelétricas e biomassa, respectivamente”, acrescentou.
Goldemberg lembrou estudos que comprovaram, por exemplo, as vantagens do etanol brasileiro diante de outras fontes e como esse produto sofreu ataques infundados com foco em sua restrição comercial internacional. “Avaliando toda sua cadeia produtiva, desde fertilizantes iniciais até os caminhões de transporte, o etanol brasileiro tem menor pegada do que o de milho, por exemplo. Alíás, a cana-de-açúcar, de que é feito nosso etanol, é a planta de maior eficiência fotossintética”.
Segundo o especialista, se houvesse priorização de compra de produtos com menor pegada de carbono, o etanol brasileiro faria falir companhias europeias. “Só na Holanda, treze empresas desapareceriam”, ressaltou. Mesmo assim, para o professor, as vantagens comparativas em relação a maior ou menor dano ambiental irão se impor nas regras de comércio mundial. Por isso, ele defende a definição de uma marca “Brasil Sust” – para produtos nacionais confeccionados com responsabilidade socioambiental – e acredita que os princípios gerais de amor pela humanidade irão prevalecer.
“Hoje, Estados Unidos e China emitem mais de 50% dos gases de efeito estufa no globo. Os Estados Unidos ainda importam produtos com grande pegada de carbono, mas sua liderança executiva está se convencendo da necessidade de mudar. A China enfrenta graves problemas de poluição e fará esforços para mudar por interesse próprio”, acredita Goldemberg.
Ele lembra que a atmosfera já está mais quente. Uma forma de dissipar esse calor são os ciclones e furacões. Tais consequências forçarão mudanças mais rápidas agora. “O Brasil tem uma atitude proativa, como sua participação na Global Bioenergy Partnership (GBEP – Parceria Global pela Bioenergia), por exemplo. Mas é preciso e possível fazer mais”, assinalou.
Henrique Lian, gerente executivo de Relações Institucionais e Empresariais do Instituto Ethos, organizador do diálogo, lembrou que, na COP15, em Copenhague, o país assumiu o compromisso voluntário de reduzir suas emissões. E podemos avançar ainda mais, com a definição de instrumentos econômicos de baixo carbono. Um movimento ainda fraco no nível federal, mas que já avança em Estados como o Acre, São Paulo e Rio de Janeiro. Este último, inclusive, instituiu uma Bolsa Verde que está desenvolvendo um Sistema de Comércio de Carbono do Estado do Rio de Janeiro, assim como outros mercados de carbono.
Não é mais hora de esperar
“Há dois caminhos para avançarmos para uma economia de baixo carbono, por meio de taxas ou pelo mercado”, observou Marco Antônio Fujihara, da Key Associados. Ele aposta no segundo e vê como caminho mais promissor a autorregulação. “Self regulation não é uma prática ainda no Brasil. Mas é melhor não aguardar definições do governo e nem mesmo o desfecho da discussão mundial sobre mudança climática.” Para o especialista, podemos ser protagonistas. Ele citou como exemplo que a Costa Rica, em 2002, conseguiu emitir debêntures com carbono como garantia. “Precisamos de novos mecanismos financeiros criativos e inovadores.”
Contudo, Fujihara destacou o papel do governo federal, como fundamental para construir esses instrumentos e formar políticas externas favoráveis aos produtos de baixo carbono . Citou a experiência de cogestor de um fundo de venture capital, que contou com apoio do BNDES e captou recursos na Europa. “Sem a parceria com o BNDES, isso não teria sido possível.”
Hevellyn Menezes Albres, ponto de contato nacional para as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ressaltou que o Brasil aderiu ao Código de Conduta da organização. Portanto, já existem diretrizes para relações comerciais com transparência, responsabilidade e sustentabilidade.
Henrique Lian lembrou que, de fato, existe no mundo uma tendência de medidas iniciarem como soft law, ou seja, instrumentos de adesão voluntária, e depois se transformarem em lei de fato. As regras e acordos voluntários em relação ao carbono equivalente podem seguir o mesmo caminho.
Lucilene Prado, diretora jurídica da Natura, concordou que podemos ter um diferencial competitivo num cenário de cálculo de pegadas de carbono. Sua empresa tem investido em mensurar esse dado e ela afirma que, se esperarmos definições oficiais, não sairemos do lugar. “Precisamos de uma ciência econômica direcionada a precificar externalidades”, disse, referindo-se à incorporação, na tabela de custos de um produto, do uso de bens da natureza envolvidos em sua fabricação e seu impacto no ambiente natural e social.
“Produtos que conservam biomas geram recursos hídricos, por exemplo”, disse a profissional. “Manter florestas como santuários não garantirá sua preservação. O uso planejado em si é que vai garanti-la”, defende. Prado diz que é necessário determinar requerimentos mínimos sobre o que é um produto sustentável, e um indicador de carbono seria um bom começo.
Apesar da insegurança jurídica e das dissonâncias legais existentes, sua empresa está definindo seu mecanismo de logística reversa. “A falta de regulação traz maior risco. Mesmo assim, não é desculpa para ficarmos parados.”
Walter di Simoni, da Superintendência de Economia Verde da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, concordou e relatou como seu Estado definiu uma bolsa de créditos de carbono sem esperar decisões federais. Mesmo assim, declarou que faltam sinais claros sobre para onde vamos em relação a leis de carbono. “Há muitos Termos de Ajuste de Conduta (TACs) e poucos caminhos novos. Temos vantagens competitivas, mas podemos estar perdendo o bonde. Precisamos fazer diferente e inovar. Isso implica a saída de alguns atores e a promoção de outros”, avaliou ele, lembrando a necessidade de também pensar nos pequenos ao se formularem mecanismos de controle e certificação.
É preciso difundir conhecimento técnico
Júlia Tauszig, da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), pontuou que a questão política está mais avançada do que a comercial: “Temos a Política Nacional de Combate às Mudanças Climáticas e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, com comissões técnicas para viabilizar a meta de redução.abraçada pelo Brasil”.
“Precisamos evoluir mais em acordos setoriais e ampliar o conhecimento geral”, disse Tauszig. No caso do setor que ela representa, o Brasil tem hoje quase 7 milhões de hectares com florestas plantadas e toda celulose produzida tem sua origem nelas. Essa área toda sequestra 1 bilhão de toneladas de CO2, uma informação pouco difundida e utilizada até o momento como vantagem competitiva para o país.
Di Simoni voltou a frisar que estamos atrasados e que nos faltam dados primários. “A indústria está reativa por não ver as vantagens. As companhias não sabem sua posição no ranking de emissões mundiais e se perdem ou ganham num mercado de carbono. Temos muita lição de casa a fazer e precisamos acelerar”, concluiu.
Discutiu-se, em seguida, regras de editais e licitações e a necessidade de formular catálogos de produtos verdes para ampliar seu comércio. Foi lembrada a existência do Fórum Informal Governamental de Sustentabilidade, que tem ampliado esse ramo de negócios, com apoio, inclusive, da Advocacia-Geral da União (AGU) na formulação de editais e licitações. Passou-se em seguida para o tema do acordo Mercosul-União Europeia.
Francisco Cannabrava, do Ministério das Relações Exteriores, destacou que o mercado europeu é prioritário para o Brasil. “Somos o quinto maior investidor na União Europeia. No último ano, exportamos para países do bloco US$ 50 bilhões e importamos US$ 47,7 bilhões. Se o acordo Mercosul-União Europeia for fechado com êxito, será formado um mercado de 700 milhões de consumidores, com um potencial de US$ 18 trilhôes.”
As regras em análise já abrangem princípios legais de incentivo a compras verdes. “O Brasil pode enfatizar a bandeira da sustentabilidade junto aos demais países do Mercosul e para isso queremos manter a regularidade de diálogo com a sociedade civil e empresarial” Cannabrava falou ainda da necessidade de diversificarmos os produtos exportados.
Pedro Santos, representante da União Europeia, acrescentou que há vontade política dos dois lados. As negociações avaliam mecanismos e políticas de acompanhamento para poder mitigar impactos em setores sensíveis. “Haverá bons efeitos para a sustentabilidade inclusive”, encerrou.
O Instituto Ethos, junto com parceiros, seguirá promovendo encontros como este, visando formar uma massa crítica capaz de contribuir efetivamente para regras comerciais pró-desenvolvimento sustentável. “Estamos no início de um processo de pelo menos cinco anos”, finalizou Henrique Lian. “Tomara que esses eventos possam levar à inclusão de premissas de sustentabilidade nos acordos firmados pelo Brasil para competitividade do país no plano externo e o aprimoramento de políticas e incentivos no plano interno”, avaliou Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.
* “Pegada de carbono” é a expressão que define toda emissão de gases poluentes envolvidos na produção, no transporte, na comercialização e na na destinação final dos resíduos gerados pelo consumo de determinado item.
Por Neuza Arbócz, para o Instituto Ethos
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BNDES apoia expansão brasileira no exterior, com ênfase em sustentabilidade
Promover o desenvolvimento sustentável está na missão do BNDES. Assim, empresas nacionais que desejem contar com seu apoio para atuar no exterior devem buscar conhecer bem a realidade em que vão se inserir, não só do ponto de vista de mercado econômico, mas também em seus aspectos sociais e ambientais.
“Nós apoiamos a abertura de escritórios, aquisições e expansões de empresas e obras de infraestrutura em outros países, por exemplo, desde que realizados por companhias de propriedade de brasileiros”, esclarece Simone Saisse, gerente da Área de Internacionalização do BNDES. A atuação proposta deve estar vinculada a interesses nacionais e gerar emprego e renda no Brasil.
“Os pedidos são analisados caso a caso e temos o máximo cuidado em avaliar todos os campos envolvidos – cultural, social e ambiental –, além da viabilidade econômica do negócio”, explica Simone.
Para cenários muito complexos, o banco investe inclusive em consultorias terceirizadas. “No caso do polo petroquímico da Braskem no México, por exemplo, contratamos uma empresa especializada para o acompanhamento dos aspectos ambientais do projeto”, informa a gerente.
Se detectadas irregularidades, o repasse das parcelas é suspenso. “Todos os recursos são liberados gradualmente, sob constante observação do trabalho em andamento.”
A Área de Internacionalização do BNDES surgiu em 2005 como um instrumento necessário para apoiar empresas brasileiras em suas exportações. Logo, o espectro de demandas cresceu. Em 2009, o BNDES montou uma base em Londres e hoje estuda abrir um escritório na África.
“Não existem metas para a área alcançar. Atuamos atendendo aos pedidos que recebemos. Existe, sim, uma diretriz para priorizarmos negócios na África. O governo brasileiro vem buscando a aproximação com aquele continente, assim como fortalecer as relações Sul-Sul”, comenta Simone.
No entanto, o banco valoriza encontros e diálogos para aprofundamento de questões transnacionais com qualquer região. Pois estes podem facilitar a percepção de oportunidades existentes e o desenvolvimento sustentável de forma global. Essa é uma das razões pelas quais o BNDES patrocinou o seminário “Diálogo Brasil–União Europeia: Negociações Comerciais e a Construção de uma Economia de Baixo Carbono”.
Neuza Arbócz
Legenda da primeira foto: Francisco Cannabrava, ministro-chefe da Divisão de Negociações Extrarregionais do Mercosul II, do Ministério das Relações Exteriores, Henrique Lian, gerente executivo de Relações Institucionais do Ethos, Simone Saisse, gerente da Área de Internacionalização do BNDES, e Pedro Santos, ministro-conselheiro do Comércio da Delegação da União Europeia
Crédito das fotos: Clóvis Fabiano