Comentários sobre o 10º Fórum Social Pan-Amazônico
“Atenção jovem do futuro”, escreveu Chico Mendes na carta endereçada ao ano de 2120, comemorando o sonhado centenário da união dos povos da floresta para a defesa da vida, pela paz e por seus territórios. “Aqui ficam, somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte. Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o prazer de ter sonhado”, conclui.
Este mote sonhador e visionário transpareceu com muita força nas atividades realizadas durante a 10ª edição do Fórum Social Pan-Amazônico, realizada em Belém-PA, em julho de 2022. O evento juntou os diferentes povos dos diferentes países, que historicamente ocupam o território amazônico, para manifestação conjunta da importância da defesa da terra, seja para aqueles que a habitam, ou para aqueles que estão distantes. Hoje, talvez já neste futuro imaginado por Chico, estejamos mais próximos desta aliança entre as diferentes populações para a preservação do bioma amazônico.
Foi marcante a participação das diversas etnias indígenas, de extrativistas, de ribeirinhos, quilombolas, comunidades pesqueiras, das diversas juventudes e tantos outros grupos, que em clima de celebração, não deixaram de demonstrar a potência da manifestação conjunta do poder popular. Celebrou-se a oportunidade de estarmos juntos, pós-pandemia, que foi especialmente grave em terra amazônica, resultado do abandono politicamente estruturado pelo Estado, e que levou consigo, precocemente, grandes lideranças regionais.
Ecoou durante todo o encontro a voz amazônida que busca apenas por sossego e a possibilidade de ocupar este território que é seu por direito. A participação destas populações na política institucional é uma realidade que se desenha para o período eleitoral de 2022, para ampliar e dialogar com a vastidão que é o Brasil, com toda sua diferença cultural e social. Querem saúde para si e para seus filhos e netos, argumentando por um meio ambiente sadio livre do crime organizado e da ganância dos que exploram desenfreadamente seus recursos naturais. Advogando pelos direitos da natureza, exigindo um modelo político, social e econômico que dê prioridade à “integridade da nossa casa comum”, como consolida a carta final do 10º Fórum.
Foram muitas demonstrações de que a floresta em pé vale mais do que derrubada, de que o desenvolvimento econômico possível é através, e a partir, de seus povos, que manejam este ecossistema a milhares de anos sem o colocar em risco. Eles expressam a necessidade do respeito, ratificação e implementação dos acordos assinados através das consultas livres prévias e informadas, para garantia legal dos territórios e seus subsolos. A sociobiodiversidade amazônica é sua riqueza e deve ser o centro da solução. As ditas “soluções” para o problema da distribuição e acesso à renda local já existem e são enunciadas por seus povos, basta um ouvido atento.
Para concluir este breve resumo de um evento tão marcante, pego emprestadas duas frases, a primeira da ativista e pensadora, Ângela Mendes, filha de Chico, que conta: “meu pai dizia que antes achava que estava lutando por melhores condições para os seringueiros, depois, para os povos da floresta, por último, teve certeza de que estava lutando por toda a humanidade”. O 10º FOSPA se encerra, então, com mais uma mensagem para o futuro: “Mantemos o otimismo que nos tem caracterizado, mas com um realismo que nos obriga a exigir o que é (im)possível. Que outro mundo é possível.”
Por: Marina Esteves, coordenadora de Projetos em Práticas Empresariais e Políticas Públicas
Foto: Michele Jaques