Seminário do Instituto Ethos apresentou um balanço das ações relacionadas ao tema no governo e nas empresas brasileiras e trouxe exemplos internacionais.
Não há como negar que, nos últimos anos, os avanços na questão racial no Brasil foram enormes. Mas é justamente no mercado de trabalho que a população negra, ou seja, 51% dos habitantes do país enfrenta o maior desafio. Esta foi uma das principais conclusões do Seminário “Ações Afirmativas para a Promoção da Igualdade Racial”, que apresentou um balanço das ações do governo e das empresas no Brasil e exemplos internacionais, promovido pelo Instituto Ethos, no Centro Universitário Senac, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo.
Entre 2002 e 2010, a representatividade de negros dentro das maiores empresas do Brasil cresceu 2,7% nos cargos executivos. Nesse ritmo, seriam necessários 150 anos para que o setor privado incorporasse um contingente de afrodescendentes proporcional ao da população do país. Além de não serem bem representados nos cargos executivos das empresas, pesquisas do Dieese mostram que os negros ainda ganham menos do que os brancos e sofrem mais com o desemprego, independentemente do nível de educação. O Dieese aponta também que as áreas que mais absorvem os afrodescendentes são aquelas que não necessitam de alto nível de escolaridade, como a construção civil e o trabalho doméstico.
“As empresas precisam reconhecer que não estão avançando nesse tema para mudar suas estratégias, pois, sem diversidade, toda a sociedade sai perdendo”, diz Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.
Diferentemente do que aconteceu no movimento em favor do desenvolvimento sustentável, cuja liderança foi feita pelo setor privado, nas questões relacionadas a cor ou raça o governo é o setor mais ativo e capaz de impulsionar mudanças positivas.
Apesar de algumas críticas, a ação afirmativa que prevê cotas para negros, pardos e indígenas nos estabelecimentos de ensino superior tem se mostrado eficiente. As estatísticas demonstram que o número de negros nas universidades vem aumentando nos últimos anos e que o desempenho dos alunos que ingressam por meio de cotas é satisfatório, como demonstrou o frei David Raimundo dos Santos, líder da organização Educafro. “No entanto, a diferença entre o total de alunos negros e de alunos brancos no ensino superior só aumentou”, diz ele. Na sua opinião, “não existe uma política que privilegie apenas o negro. As ações afirmativas beneficiam também o branco pobre de forma geral”.
Atualmente, cerca de 25 universidades federais adotam algum sistema de cotas para minorias. Este ano, as políticas de cotas se tornaram uma política de Estado. Por lei, 50% das vagas em universidades federais deverão ser ocupadas considerando-se critérios como cor ou raça do candidato, rede de ensino de origem e renda familiar. As universidades terão quatro anos para se adaptar à nova lei.
“No entanto, quando o negro sai da universidade, raramente consegue boa colocação no mercado de trabalho. São talentos que deixam de ser aproveitados”, diz Hélio Santos, professor e militante do movimento negro. “Não adianta a empresa fazer o melhor em outras áreas, como a do meio ambiente, mas não se abrir para a diversidade. É preciso reduzir essas distâncias colossais que existem na sociedade”, afirma.
O professor lembra que o Brasil teve a escravidão mais longa da história . O país foi o último a extinguir esse regime e o que mais traficou pessoas da África. “O Brasil é hoje uma das seis maiores potências econômicas mundiais. Entre esses países, somos o único de maioria negra. Uma desigualdade do porte da que vivemos no país exige a adoção de ações afirmativas para buscar talentos”, diz o professor.
Dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, indicam que, nos últimos dez anos, a classe média brasileira teve um crescimento de 38% e abrange atualmente 53% da população, ou seja, 104 milhões de brasileiros. Desse total, aproximadamente 80% dos novos integrantes da classe média brasileira são negros. Ou seja, 53% de brancos e 47% de negros.
O fato demonstra que os afrodescendentes entraram para a classe de consumo, mas não atingiram seus direitos no campo do trabalho, bem como em relação a uma gama mais abrangente de direitos, como os civis. Na visão de Hélio Santos, não foram criadas estruturas para incluir essas pessoas na República Federativa do Brasil. “Quando tivemos a possibilidade de fazer esse ajuste de contas, fizemos a escolha errada. Optamos pela substituição do trabalho escravo por mão de obra imigrante. De forma que os negros voltaram para os porões. Como trazê-los para a cena novamente?”, indaga ele.
A ascensão econômica dos negros provocou também reações negativas na sociedade. De acordo com Cida Bento, diretora-executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), denúncias de racismo têm aumentado de forma significativa nos últimos anos. As queixas acontecem sobretudo em razão de atitudes racistas dentro de shopping centers, cinemas e outros locais de convício social. “A entrada de negros nesses segmentos e o acesso a lugares que antes não alcançavam acabou provocando uma reação negativa na sociedade”, afirma Cida Bento.
Um dos grandes problemas apontados pela representante do Ceert é a convicção de que não existe racismo na sociedade brasileira. Para ela, seriados de televisão que sempre apresentam os negros de forma estereotipada ajudam a reforçar os preconceitos. “Estereótipos como os apresentados na TV influenciam a sociedade em geral, as universidades e sobretudo os profissionais de recursos humanos”, afirma.
Mitos como a ideia de que não há negros suficientemente capacitados no mercado, argumento que costuma ser usado pelas áreas de recursos humanos das empresas, não são verdadeiros. Estudos mostram que, quanto maior é o nível escolar, maior é o preconceito sofrido. “É evidente que os brancos, que ocupam mais de 90% dos cargos de chefia nas empresas, estão usufruindo de um sistema que é injusto e que não reflete a sociedade brasileira”, diz Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria.
O seminário também contou com a participação de especialistas norte-americanos para uma análise comparada da questão racial no Brasil e nos EUA. Eram eles Kimberlé Crenshaw, professora de direitos civis das universidades de Columbia e da Califórnia em Los Angeles (Ucla), e Luke Charles Harris, professor de ciências políticas do Vassar College.
Para mais detalhes, veja a matéria “Não somos uma sociedade pós-racista”, diz Kimberlé Crenshaw”.
Por Giselle Paulino, para o Instituto Ethos
Na foto do alto: Hélio Santos, presidente do IBD, Cida Bento, diretora-executiva do Ceert, Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, e José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares.
Na segunda foto: Frei David Raimundo dos Santos, dirigente da Educafro.
Crédito: Clóvis Fabiano.