A realidade do emprego no Brasil já não era das melhores, 12,3 milhões de desempregados, e os números de trabalhadores informais também crescem a cada dia. Com esses números alarmantes e em um contexto tão incerto, que estamos enfrentando com a pandemia do coronavírus, aqueles profissionais que estão empregados estão preocupados com a manutenção de seus empregos e salários.
Mas o momento atual exige, de toda a sociedade, um repensar das relações e cautela, é o momento das empresas refletirem sobre seu papel social e os impactos que causam, não só na economia, como também na vida dos brasileiros. Como comentei na coluna anterior, as empresas são feitas de pessoas e, nesse momento, as pessoas devem ser priorizadas.
E com esse espírito, reconhecendo suas responsabilidades e abrindo mão do imediatismo de uma visão de curto prazo, empresas se uniram em um movimento para a proteção dos empregos, no mínimo, pelo período de dois meses (de 01 de abril a 31 de maio). O manifesto Não Demita, nasce da iniciativa de indivíduos comprometidos com a nossa sociedade, mas também com a perenidade de seus negócios, entendendo a interdependência das organizações e o potencial de impactar positivamente o cenário que teremos durante e pós crise.
O Instituto Ethos tem orgulho de ter 15 empresas associadas como idealizadoras desse manifesto. Um posicionamento tão importante, que traz respostas aos profissionais que enfrentam à crise, tendo que se adequar a novas rotinas e métodos de trabalho, e, ao mesmo tempo, lidar com o desafio de se manterem equilibrados mental e emocionalmente, mas podendo contar com seus empregadores, que compreendem a importância de manter seus empregos e salários.
Todos estamos passando juntos pela mesma crise, uns sendo mais impactados do que outros, e esse olhar para a unidade tem se potencializado nas ações dos indivíduos que representam nossas empresas associadas.
Nossa terceira roda de diálogo contou com 33 participantes, representantes de nossas empresas associadas, em nosso espaço de aprendizado coletivo. Os participantes falaram sobre suas ações, sobre o movimento Não Demita e reforçaram a importância do posicionamento de suas empresas na valorização do capital humano. Em comum, as empresas têm realizado ações de conscientização e comunicação interna, transferindo as equipes administrativas para o home office, ampliado as medidas de saúde e segurança nas operações para os profissionais que continuam indo ao local de trabalho e realizando ações de apoio a saúde mental e emocional de seus colaboradores.
Flávia Bozzolla, da MRV Engenharia, comentou sobre o quanto o anúncio feito pelo CEO sobre o posicionamento da empresa de não demissão tranquilizou seus colaboradores e, consequentemente, seus familiares, representando uma força de trabalho com mais de 30 mil profissionais, em sua maioria com baixo nível de escolaridade e mais vulneráveis em momentos de crise. Flávia também ressaltou a importância da visão de longo prazo da empresa, que tem mais de 40 anos e que deseja ter perenidade, entendendo que ações como essa são esperadas de empresas sólidas como a MRV.
A fala de Flávia foi reforçada por Denise Hills, que explicou que a prioridade da Natura continua sendo o cuidado com as pessoas, nesse momento oferecendo um apoio, não só financeiro, como também de proteção dos empregos e pelas ações de proteção da renda das consultoras de beleza, além do apoio emocional e de saúde. O compromisso firmado com o Não Demita foi umas das primeiras ações da empresa, com gravações de vídeos direcionados aos empregados, reforçando a ideia e o engajamento de todos. “Quando as empresas entenderem o seu papel neste momento, serão lembradas com relevância por suas ações”, comentou Denise.
Denise destacou também a oportunidade de aperfeiçoamento dos negócios, a importância de seus colaboradores para esse processo e o quanto tem sido inspirada pelo comprometimento e desejo deles em contribuir com as ações de enfrentamento da crise. A diretora global de sustentabilidade comentou também sobre as transformações que estão acontecendo mais rapidamente nesse período, como a digitalização das vendas feita pelas consultoras, que estão recebendo todo o apoio para essa transição. E ainda sobre o cuidado com as pessoas, falou sobre o aumento da violência contra as mulheres nesse período de isolamento social e ressaltou a importância da campanha “Isoladas sim, sozinhas não”, de iniciativa da Avon, empresa do grupo, e que se faz mais relevante nesse momento. Denise finalizou com uma mensagem para todos presentes: “Unidos podemos muito mais”.
Na sequência, Marcelo Proença da JBS, comentou sobre o compromisso da empresa em não demitir e o impacto dessa decisão, já que a empresa atua em vários municípios e tem a missão de garantir a continuidade da produção e distribuição de alimentos, ampliando todas as medidas de segurança e adequação das rotinas de trabalho a partir das novas medidas. O compromisso de não demissão se estende até as empresas do grupo que têm atividades consideradas não essenciais, como a JBS Couros, que está com suas operações paralisadas.
Alexandre Almeida, do IFood, comentou sobre as medidas implementadas para os seus colaboradores, como o home office e falou sobre o posicionamento da empresa em assinar o compromisso de não demissão. Alexandre também ressaltou a importância do compromisso com a cadeia de valor, entendendo que o serviço oferecido tem sido considerado como essencial nesse período e com grande crescimento. O participante ressaltou medidas de apoio financeiro aos restaurantes, como a parceria com o banco Itaú para a antecipação de fluxo de caixa e as medidas de proteção de renda a partir dos fundos financeiros criados para atender os entregadores afastados por serem do grupo de risco. O IFood também está disponibilizando EPIs e produtos de higiene parra lidar com o desafio da distribuição em nosso território, a ampliação do pacote de benefícios em saúde, entre outras medidas.
Outro ponto destacado na reunião foi a incerteza do cenário, que exige monitoramento e revisão constante das ações. Entretanto, os participantes consideraram que a manutenção dos empregos por dois meses terá um impacto muito menor do que os custos de demissão e, posteriormente, custos com seleção, contratação, treinamento e tempo de curva de aprendizagem de novos profissionais. O compromisso é sim uma questão de responsabilidade social, mas também uma visão realista sobre todo o processo, além do impacto positivo no engajamento e compromisso dos colaboradores com a empresa.
O grupo ainda conversou sobre como as empresas têm considerado as avaliações de produtividade das equipes, uma vez que os profissionais estão tendo que se adaptar a novos formatos e todas as questões relacionadas a saúde mental nesse período de incertezas e do medo da doença (coronavírus) em si. Foi unânime o posicionamento de que as empresas, nesse momento, estão com seus esforços direcionados para o enfrentamento da crise, em como contribuir para minimizar os impactos negativos e toda a preocupação e suporte que têm sido oferecido aos colaboradores com atividades, encontros virtuais, orientações e espaços de acolhimento, visando a saúde mental e emocional de seus colaboradores. Além disso, os participantes citaram o engajamento e o compromisso de todos em apoiar as ações das empresas, organizando doações e buscando alternativas e soluções coletivamente.
A roda de diálogo foi finalizada com a contribuição de Daniela Ferreira, da Toyota, que comentou sobre os esforços da empresa na proteção dos empregos, considerando que no modelo de negócio da Toyota só são produzidos veículos que já estejam vendidos, e que no momento as vendas estão paradas. A partir disso, a empresa tomou a decisão de fechar a fábrica com previsão de retornar as atividades em 22 de junho, suspendendo os contratos de trabalho nesse período por meio das medidas provisórias do Governo Federal, preservando grande parte dos salários, que foram reduzidos proporcionalmente, sendo as menores faixas sem qualquer redução. Daniela explicou que diariamente o presidente da empresa realiza duas sessões virtuais para conversar com os colaboradores, esclarecer dúvidas e dar orientações. Além disso, a Toyota está realizando lives diárias para abordar temas como ergonomia, saúde emocional, nutrição e assistência médica virtual.
Encerramos o encontro reforçando a mensagem dita pela Denise, de que “unidos podemos mais”. Parabenizo nossas empresas associadas por reconhecerem suas responsabilidades em manter a visão de longo prazo na promoção de uma sociedade mais justa e sustentável, reforçando o papel do Instituto Ethos, como aliado nessa construção, e das rodas de diálogo como um espaço para promover conexões e potencializar ações coletivas.
Na próxima quarta-feira vamos falar sobre os impactos das empresas nas cadeias de valor, até lá!
Por: Juliana Soares, coordenadora de relacionamento do Instituto Ethos
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