O consultor Marcelo Lomelino fala sobre a gestão participativa como processo de capacitação da organização rumo à sustentabilidade.

Por Marcelo Lomelino

Tempos bicudos! Ora, nós e as organizações já sabemos disso. Tempos de fazer o novo, como o próprio Leonardo Boff sugeriu, quando outro dia passou por aqui e disse: “Diante do outro ninguém pode ficar indiferente”1. Tempos de admissão da minha, da sua, da nossa capacidade de dar resposta. Por acaso, liderar não é isso: responsabilidade? Então, por onde começar? Gestão participativa.

Um dos antônimos da palavra “indiferente” é “interessado”. Logo a única possibilidade de a gestão participativa ser eficaz, sem demonizar as organizações, é quando ela demonstra interesse inequívoco, prioritário e genuíno pelas pessoas. A maneira prática de fazer isso é providenciar o desmonte gradual do “poder sobre as pessoas” – mecânico, hierárquico e fragmentado –, em favor da construção progressiva do “poder com as pessoas” – orgânico, em rede e coletivo.

Gary Hamel faz um comentário contundente a esse respeito: “Os modelos de gestão do passado não são adequados. Um desses desafios é a própria força de trabalho atual, que já não está disposta a aceitar o modelo hierárquico de organização. A verdadeira inovação na gestão será uma tarefa difícil, porque obrigará muitos gestores a ceder parte de seu poder. As pessoas em melhores condições, então, de transformar o mundo corporativo não são os gestores, mas os que batalham sob sistemas e diretorias que não lhes permitem dar o melhor de si mesmos.”2

Grande parte do ceticismo que derruba o nível atual de “acreditação” das organizações (e das lideranças), afetando os índices de engajamento, reputação e resultados, não decorre apenas de clientes, fornecedores e outros atores, mas principalmente dos próprios empregados, testemunhas oculares da distância entre as práticas diárias e os discursos institucionais.

De acordo com o Edelman Trust Barometer de 20123, o ceticismo com relação às organizações impõe que tudo aquilo relacionado a elas – de positivo ou de negativo – seja repetido de três a cinco vezes até se acreditar que a informação é provavelmente verdadeira. Mais revelador ainda é que, segundo a mesma fonte, não é o CEO o primeiro da lista a dar credibilidade a uma informação a respeito da organização; antes dele aparece o empregado comum.

A ânsia generalizada para que os profissionais expressem sua inventividade com alto desempenho, comprometendo-se a ficar no emprego e advogando em favor da imagem organizacional, só poderá acontecer se a participação das pessoas for um valor de cultura claramente expresso nos comportamentos da liderança, garantido nos mecanismos de gestão e comprovado pelos indicadores de engajamento.

Considerar o outro é algo muito simples: basta reconhecer e garantir o exercício de liberdade de escolha. Escolho fazer parte da organização. Escolho estabelecer objetivos comuns. Escolho o meu trabalho pela expressão do significado que me traduz para além do “plano de carreira”, atendendo ao chamado do meu “plano de vida”. Afinal de contas, como salienta Peter Senge, “na ausência de um grande objetivo, a mediocridade prevalece”4.

Parece a descrição do óbvio, mas não é. A resistência de conceber a sustentabilidade nas relações do trabalho é enorme, pois o conforto e abrigo de muitas lideranças, em última instância, é a possibilidade de subordinação, algo que as autoriza a “mandar” na expectativa de receber, em contrapartida, a obediência do empregado, processo que inviabiliza a participação, a explicitação das diferenças e a expressão dos “talentos”.

Resultado? Apesar da tremenda dedicação de um ou outro “iluminado”, não é possível dar conta – na cultura do “curto prazo” – da complexidade e inter-relações dos problemas, os quais persistem e se ampliam. Em vez de estes talentos atuarem em redes, em regime de colaboração com os outros e exercendo um papel de “coach”, perambulam isolados, subutilizados como meros “tarefeiros”, na crença de que se fazem sozinhos, à base de competição com os outros5. Quanto maior o estímulo às classes de empregados e à fragmentação do trabalho, maior será a possibilidade de desengajamento, de desagregação, como ensina Émile Durkheim6. Infelizmente, os famosos relatórios de resultados trimestrais ainda não criaram uma metodologia para quantificar essas perdas para as organizações e para a sociedade.

A mudança que se prenuncia tem o líder no papel de costura “dos valores, interesses e necessidades” da organização com os “valores, interesses e necessidades dos empregados”. Passa a ser um mediador do diálogo, tecendo o pano da confiança e, desse modo, promovendo o engajamento do seu time. Sabedor de que os acordos são dinâmicos e temporários, valoriza – isso mesmo – os conflitos, posto que os reconhece como o combustível que mantém as organizações vivas e em permanente estado de transformação.

Este exercício naturalmente ativará a musculatura do diálogo, momento em que a organização, avalizada pelos próprios empregados, utilizará esta habilidade em outros fóruns, com outras partes interessadas. Assim floresce e se fortalece a semente do diálogo social: um movimento de dentro para fora, inato à organização, acostumada a celebrar, lidar e trabalhar a partir das diferenças. Eis o novo paradigma: a sustentabilidade a partir das relações humanas.

Cabeças pensantes da estrutura de pesquisa, estudo e apoio do movimento sindical brasileiro7 já captaram a ambiguidade organizacional entre discurso e práticas em estudos da cadeia produtiva, promovendo a “desconstrução” de suas agendas de responsabilidade social. Uma parte dos achados se transforma em pautas para a ação sindical e outra parte, mais estratégica dos temas, mobiliza as rodadas de diálogo social, protagonizadas em redes nacionais e internacionais de sindicatos. Gestão participativa, na prática.

Animam e tornam mais urgente esse processo de mudança os sinais visíveis da chegada do “empregado-cidadão” ou do “cidadão-empregado”, sujeito “global, urbano, digital e verde”, segundo Sérgio Abranches8, ávido pelo consumo da verdade. Diversidade para ele é “item de fábrica”, como também a autoconsciência de ser um formador de opinião circulante, graças a seus dedos ativistas nas redes sociais. Jura já não ter visto um desses por aí?

O ponto para reflexão é: este novo perfil de empregado vai expressar suas melhores possibilidades, trabalhando debaixo dos paradigmas “disciplina-foco-execução” e do mortal “tem de fazer”?

Vale se socorrer novamente do Edelman Trust Barometer de 2012, que anuncia a tendência de as organizações migrarem do estágio de “licença para operar” para a “licença para liderar”. Um dos fatores citados para fazer esta jornada é “praticar radical transparência, falando primeiro para os empregados”, certamente porque diante do outro, daquele que constrói comigo e faz crescer uma organização, ninguém pode ficar indiferente.

O novo – como a sustentabilidade – não brota num ambiente de controle.

Você ainda não está convencido?

* Marcelo Lomelino é sócio-diretor da Nhanderú Serviços de Consultoria e agradece os insights de Mônica Jô Lomelino, sócia-diretora da mesma consultoria.

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Notas

1 Como Nasce a Ética?:A sociedade capitalista valoriza mais a competição do que a cooperação e magnifica o indivíduo que se constrói sozinho, e não a sociedade e a comunidade.”, por Leonardo Boff.
2 A Mudança Profunda Requer Resiliência, por Gary Hamel.
3 2012 Edelman Trust Barometer – Global Results.
4 A Quinta Disciplina, por Peter Senge.
5 Como Nasce a Ética?, por Leonardo Boff.
6 Liderança Baseada em Valores, por Susan Smith Kuczmarski e Thomas D. Kuczmarski.
7 Instituto Observatório Social. Ver também “DGB Rede Sindical”, no YouTube.
8 6º Congresso de Comunicação Empresarial Aberje Rio de Janeiro, em 27/09/12.

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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
O capital natural, de Roberto Strumpf;
Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch; e
PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres.