Medida facilita o armazenamento e o transporte de recursos obtidos ilegalmente e dificultando a rastreabilidade das respectivas transações.
Com surpresa e preocupação, as entidades signatárias tomaram conhecimento da recente decisão do Banco Central do Brasil, anunciada na última quartafeira, 29 de julho, de criar a nota de R$ 200. É causa de especial apreensão o favorecimento a atividades ilícitas que decorre
da medida, dentre as quais se destacam os crimes de corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, ocultação e evasão de divisas, uma vez que cédulas com valor de face maior geram volumes menores, facilitando o armazenamento e o transporte de recursos obtidos ilegalmente e dificultando a rastreabilidade das respectivas transações.
Nesse contexto, é necessário destacar, desde logo, que representantes das entidades subscritoras reuniram-se em meados do ano passado com a Diretora de Administração do Banco Central do Brasil, Sra. Carolina Barros, na sede da autarquia em Brasília/DF, para tratar da tendência mundial de restrição ao uso de bilhetes de alto valor e pleitearam a adoção das medidas necessárias para o encerramento da produção e paulatina restrição da circulação de notas de R$100.
Em resposta datada de 24 de junho de 2019, a chefia de gabinete da Diretoria de Administração da autarquia informou que “(…) já há estudos em andamento neste Banco Central sobre essa possibilidade” e ainda que “(…) caminhando juntos, o Governo e as entidades da sociedade civil conseguirão criar mecanismos eficazes para combater tais crimes”.
Causa espécie, portanto, que a inesperada criação da cédula de R$ 200 não tenha sido objeto de debate nem com as organizações que já haviam manifestado interesse no assunto nem com órgãos de controle oficiais diretamente afetos à matéria, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), conforme noticiado pela imprensa.
Justificada pela autoridade monetária por suposto risco de futura falta de cédulas em circulação, em razão do aumento do entesouramento verificado durante a pandemia da Covid-19, a medida foi, no entanto, apresentada sem quaisquer cálculos prospectivos ou estudos de impacto, nem mesmo a diferença de custo entre o atendimento ao aumento da demanda por dinheiro em espécie com a nova cédula e com notas já existentes.
Apesar dos dados divulgados pelo Banco Central, pesquisa conduzida pela Plano CDE entre os últimos dias 30 e 31 de julho, em 26 estados brasileiros, constatou que houve crescimento no uso de pagamentos eletrônicos em todas as classes sociais durante a pandemia de Covid-19 e que, para quantias acima de R$ 10, pagamentos eletrônicos já são mais frequentes que transações em dinheiro.
Vê-se que a pandemia de Covid-19 tem promovido intensa digitalização das mais diversas atividades. Ao estimular o uso de dinheiro em espécie, a medida também contraria não apenas essa tendência, mas a agenda de digitalização financeira do próprio Banco Central, justamente às vésperas do lançamento do sistema de pagamentos instantâneos (PIX), que poderá provocar grande popularização das transações eletrônicas, aumentando a formalização da economia e a capacidade fiscalizatória do poder público.
É preciso registrar, ainda, que a decisão do Banco Central brasileiro sequer parece encontrar respaldo nos dados apurados pela própria autoridade monetária, uma vez que de acordo com o relatório “O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, publicado pela autarquia em 2018, 85% dos brasileiros costumam portar quantias inferiores a R$ 100 em dinheiro vivo.
Esse diagnóstico é confirmado pela pesquisa realizada entre os dias 30 e 31 de julho, que constatou que 60% dos entrevistados preferem notas menores à nova cédula para saques no valor de R$ 200 e que 76% deles acreditam que medida dificultará o troco.
A nova nota também deve ter impacto negativo sobre a segurança pública, uma vez que ao permitir armazenar e transportar valores mais altos em espaços menores, pode-se aumentar a atratividade de quadrilhas especializadas em crimes como roubo a bancos e a transportadoras de valores. Os esforços pela substituição do papel moeda por interfaces virtuais devem ser preferidos, dado que certamente mitigariam a ocorrência de crimes como assaltos, sequestros relâmpagos e roubos a caixas eletrônicos. Neste ponto, vale registrar que 59% dos entrevistados durante a recente pesquisa afirmaram que não se sentiriam seguros com um bilhete de R$ 200.
O levantamento também identificou que 68% dos brasileiros consideram que “a medida facilita a corrupção e o crime organizado, que fazem negociações com dinheiro vivo e terão mais facilidade para esconder e transportar o dinheiro”. Nesse mesmo sentido, as melhores práticas internacionais recomendam a restrição ao uso de bilhetes de alto valor, medida que já encontra importantes precedentes e conforma um dos principais debates em curso nos maiores fóruns multilaterais de combate e enfrentamento à corrupção e ao crime organizado, inclusive no Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), que conta com a participação do governo brasileiro.
O Banco Central Europeu, por exemplo, interrompeu em 2018 a produção de notas de 500 euros, medida que foi sugerida e apoiada pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude. Levantamento da Agência de Crimes Graves e Organizados do Reino Unido estimou que em 2010 90% das cédulas de 500 euros emitidas no país estavam nas mãos do crime organizado. Ainda em 2000, o Canadá retirou de circulação as notas de 1.000 dólares canadenses e Singapura, suas notas de 10.000 dólares. Nos Estados Unidos, o ex-secretário do Tesouro durante a administração de Barack Obama, Lawrence H. Summers, defende publicamente a retirada de circulação dos bilhetes de 100 dólares americanos, porque são o “mecanismo de pagamento preferencial dos que praticam atividades ilícitas, dado o anonimato, a falta de registro de transações e a relativa facilidade com que podem ser transportados e movimentados” (tradução livre).
Assim como no exterior, rotineiras apreensões de vultosas quantias em dinheiro confirmam a forte preferência do crime organizado nacional pelas maiores notas em circulação no país, já que favorecem o transporte e a ocultação dos valores. Por outro lado, pagamentos lícitos, realizados em lojas e no comércio em geral, já costumam prescindir desses bilhetes e, inclusive, são numerosos os estabelecimentos que resistem a aceitá-los.
De acordo com a Casa da Moeda do Brasil, cada nota de real pesa 0,25 grama. Assim, R$ 1 milhão em notas de R$ 100 pesam 2,5 kg. Em notas de R$ 50, duplica-se não apenas o peso, mas também o volume que a quantia ocupa. Retirar de circulação, portanto, as notas de R$ 100 reais, conforme as entidades subscritoras pleitearam ao Banco Central do Brasil em junho de 2019, significaria dobrar as dificuldades para a movimentação clandestina de papel moeda. O inverso, contudo, também é verdadeiro. A criação da nota de R$ 200, portanto, beneficiará indivíduos e organizações criminosas que movimentam grandes quantidades de dinheiro ilícito, diminuindo significativamente, portanto, a probabilidade de detecção de transações financeiras envolvidas em atividades como corrupção e crimes do colarinho branco, além de tráfico de drogas, tráfico de armas, contrabando, terrorismo, entre outras.
Por todas as razões expostas, as entidades subscritoras desaprovam a decisão do Banco Central do Brasil de criar a nota de R$ 200 e requerem que a medida seja revista. Também repudiam a forma açodada, pouco transparente e pouco participativa que marcou a o respectivo processo decisório e reiteram o pleito apresentado em junho de 2019 para que se promovam as adequações regulamentares e logísticas necessárias para gradual extinção da nota R$ 100 reais, dado o potencial de impacto positivo da medida para o combate ao crime.
São Paulo, 03 de agosto de 2020.
Assinam:
Transparência Partidária
Instituto Não Aceito Corrupção
Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado –
Conacate
Observatório Social do Brasil
Instituto Compliance Brasil
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Associação Nacional do Ministério Público de Contas
Associação Paulista de Imprensa
Movimento do Ministério Público Democrático – MPD
Transparência Brasil
Foto: Pixabay