Em nosso país, Uruguai, esse ditado popular refere-se ao aparecimento de uma situação inesperada ou imprevista, chegando em um momento não favorável.
Analistas especializados nomearam esta situação como Cisnes Negros de nossa civilização. Sempre se refere a elementos inesperados e imprevisíveis, mas dimensionados no tempo e no espaço. O fenômeno chega, afeta uma região ou país, limita-se a um certo espaço de tempo e aqueles que projetam as estratégias de saída desenvolvem-nas considerando um número limitado de eixos e cenários.
A Covid-19 é o maior Cisne Negro da era moderna e multidimensional, pela sua extensão global, a magnitude de seu envolvimento e o tempo de duração – incerto até para o especialista mais experiente, que dirá para líderes de Estado, líderes empresariais e a população em geral.
O desempenho da economia de muitos países nos últimos tempos é decepcionante, os gastos sociais comprometidos tornaram-se difíceis de sustentar e vem gerando reivindicações generalizadas. A crise afetará o lado da oferta e da demanda e impactará os países de forma diferente. Avaliando o custo das medidas necessárias que os governos devem implementar, pode-se dizer que será de dimensões sem precedentes e que as economias dos países em desenvolvimento não poderão arcar com o apoio ilimitado anunciado no mundo desenvolvido, nem pedir empréstimos indefinidamente para lidar com eles.
Nada será como antes, pelo menos por muito, mas muito tempo. Em princípio, até alcançarmos a vacinação universal. Ninguém mais fala sobre o dia seguinte, porque certamente será um processo de tentativa e erro no curto prazo, tentando reativar as economias dos países. À medida em que essa iteração gera caminhos de saída, protocolos escritos para outras crises e adaptados várias vezes serão redefinidos, enquanto um novo equilíbrio é alcançado.
É assim que vamos escrever o novo normal. Enquanto isso, certamente nossa vida não será a mesma, inclusive nossas relações interpessoais. Nossa vida social, pessoal e de trabalho serão transformadas pelas distâncias, que serão longas e as viagens serão restritas às capacidades individuais. É o paradoxo do mundo global, hoje cheio de fronteiras, nacionalismos e proteções certamente além das necessárias, e que passará de “único e interligado” para “muitos e com conexões seletivas”.
A 4ª Revolução terá vencido outra batalha. Com uma velocidade vertiginosa, continuará a gerar resistências a partir da necessidade urgente de manter o status anterior, no entanto, tivemos que nos adaptar às exigências desta pandemia e dar graças a esta revolução que nos permitiu avançar apesar do confinamento. Teletrabalho, Telemedicina, Comércio Eletrônico, Vendas sem Contato, Algoritmos de Previsão do Consumidor, Inteligência Artificial a serviço das cidades, Educação a Distância, Reuniões virtuais. Distância física, mas proximidade virtual, possibilitando estar atento ao outro e atender aos nossos idosos com mais atenção. Tudo isso foi subitamente precipitado com aceitação universal, deixando de lado as restrições anteriores. Haverá um movimento de volta? Eu não acho. No Uruguai, em menos de 15 dias, o teletrabalho passou de 5% para 30%. Algo que não era alcançado há anos…
Mas não podemos esquecer tudo aqui que nos preocupava antes deste Cisne Negro. Trabalhamos por empresas responsáveis, que entendem que o modelo tradicional de negócio que consome recursos humanos e naturais não tem mais lugar. Estamos observando declarações direcionadas aos líderes das empresas sobre a geração de valor para todos os stakeholders, não apenas os acionistas. Testemunhamos compromissos de grandes empresas para se tornar carbono neutro, e outras empresas comprometendo-se a gerar ferramentas para a inserção de jovens em seus primeiros empregos.
Esses compromissos vieram frente a um cenário global de mudanças climáticas e a clara necessidade de evitar o aumento das temperaturas globais. Vieram em meio ao descontentamento social resultante de desigualdades, com uma liderança global muito diferente. A verdade é que, como muitas vezes é o caso, o setor privado responde antes e assume um papel de liderança. Esta crise global desacelerou essas mudanças que certamente vão acontecer, mas não podemos voltar atrás, grandes oportunidades ligadas à agenda 2030 certamente continuarão a ser identificadas.
Essa pandemia está nos dando a oportunidade inestimável de repensar nossa economia, o vínculo com fornecedores e colaboradores: torna-se imperativo sustentar a cadeia de valor com a mesma importância da cadeia do trabalho, para sustentar empregos, evitar a sua precariedade, gerando oportunidades que promovam a inclusão social. O setor privado deve assumir esse papel, acompanhando os governos na implementação de medidas de apoio aos mais frágeis da sociedade, com ferramentas existentes ou a serem criadas.
Por: Ferdinando Cuturi, diretor executivo do DERES – Empresas pelo Desenvolvimento Sustentável (Uruguai)
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