Projeto de Lei desobriga a contratação de pessoas com deficiência
A luta pela defesa dos direitos humanos deve ser constante e, a cada dia, se torna mais necessária. A contratação de pessoas com deficiência nas empresas é um processo de inclusão e de promoção da diversidade nos ambientes de trabalho, que resultam em gerar mais oportunidades tanto para esse público quanto para as empresas. Nesse sentido, é essencial a conservação e ampliação de instrumentos legais, que proporcionem garantias e proteção social para esta parcela da população.
A Lei de Cotas – Lei nº 8.213/91 –, por exemplo, que determina uma reserva de vagas para pessoas com deficiência em empresas com 100 ou mais funcionários, permitiu a entrada no mercado de trabalho formal de milhares de trabalhadores nessa condição. De acordo com os dados mais recentes do Ministério da Economia e do Trabalho, graças a ações de fiscalização da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, 46,9 mil pessoas com deficiência e reabilitados foram contratados em 2018. Apesar de, quantitativamente, o número parecer bom, de acordo com o Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, realizado pelo Instituto Ethos desde 2002, ainda há muito espaço para as empresas exercerem melhores práticas em conformidade com sua responsabilidade social, para irmos além do mero cumprimento das cotas, melhorando, por exemplo, a qualidade das vagas ofertadas. De qualquer forma, a Lei de Cotas se tornou instrumento fundamental e necessário para que a contratação de pessoas com deficiência aconteça e para que um dia tenhamos, de fato, igualdade de oportunidades para todos os profissionais, independentemente de apresentarem ou não uma deficiência.
Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído na Lei 13.146 de julho de 2015, foi um marco para a sociedade brasileira ao “assegurar, promover, em condição de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando sua inclusão social e cidadania” (Lei 13.146/2015, parágrafo 1°). Nesse sentido, o PL 6159/2019, apresentado pelo Poder Executivo no dia 26 de novembro de 2019, que propõe a desobrigação das empresas de adotarem uma política de cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, trata-se de uma ameaça aos direitos adquiridos e estabelecidos por tal parcela da população. Tendo em vista o histórico de lutas, os instrumentos legais deveriam promover ainda mais seguridade e avanço, e não proporcionar retrocessos. E, nesse sentido, é uma proposta de Lei de caráter inconstitucional.
O Instituto Ethos concorda com o posicionamento institucional da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) no entendimento de que o PL afronta os direitos pré-estabelecidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por não incluí-las, sob intermédio de organizações e instituições representativas, na participação, consulta e tomada de decisões sobre quaisquer leis, regulamentos e políticas destinadas a elas. O PL não passou por um processo transparente de debate público e de participação coletiva.
O documento traz em seu cerne a desobrigação de contratação de pessoas com deficiência por parte das empresas, sob a alegação de que o cumprimento das cotas é, muitas vezes, impraticável no volume definido pela legislação (Lei de Cotas – 8213/1991). Na proposta do governo, essa solução se dá sobre a justificativa de que em algumas localidades não se encontra número suficiente de pessoas com deficiência entre os profissionais. Como já exposta na análise acima sobre o cumprimento da legislação de cotas, há muito o que se avançar nas oportunidades de trabalho destinadas aos profissionais com deficiência. São poucas as oportunidades de trabalho até para os profissionais mais qualificados desse grupo. Se a pessoa apresentar uma deficiência grave, as chances diminuem ainda mais. Esse e outros fatores contribuem negativamente para a qualidade do processo inclusivo.
A Lei de Cotas é fundamental, mas é necessário ampliar o foco para além do seu cumprimento quantitativo. É preciso pensar em formas de estimular a melhoria na qualidade da inclusão que é praticada e não flexibilizar instrumentos legais já previstos, que garantem minimamente inclusão social através do mercado de trabalho a uma porcentagem dessa população.
Pessoas com deficiência acabam sofrendo um processo de invisibilidade na sociedade, mas, no entanto, representam uma parcela significativa da população. Segundo dados do IBGE, 45 milhões de brasileiros sofrem algum tipo de deficiência física, por exemplo. O que demonstra que a justificativa para a flexibilização da cota é insustentável. Existem profissionais com deficiência e que precisam estar no mercado de trabalho para seu sustento, direito e dignidade. Mas, isso só é possível através de geração e garantias de oportunidades.
Sobre a perspectiva de inclusão, sugerimos que o governo atue em conjunto com organizações e instituições que estão à frente dessa agenda, para incluir e garantir a permanência das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Além de se apropriar de instrumentos e mecanismos que estão sendo desenvolvidos para aprimorar as ações dentro dessa temática. Até porque, a existência dessa população neste espaço é um direito e promove o desenvolvimento econômico e humano.
Os princípios da ética, integridade, transparência e defesa pelos direitos humanos são valores que baseiam a nossa ação e que entendemos como fundamentais para a construção coletiva de políticas públicas e mecanismos legais. Por isso, seguiremos acompanhando os desdobramentos desse PL e incentivamos as empresas parceiras a refletirem sobre o documento, especialmente, pela ótica de que incluir, capacitar, promover espaços de atuação e permanência no mercado de trabalho são as melhores saídas para combater à desigualdade e descriminação e, concomitantemente, para transformar a sociedade.
Uma das contribuições do Ethos para essa agenda é a construção do Guia Temático: Indicadores Ethos-REIS para a Inclusão da Pessoa com Deficiência, lançado em abril de 2018. O Guia é fruto de uma parceria do Instituto Ethos com a Rede Empresarial de Inclusão Social (REIS), composta por mais de 100 empresas. A iniciativa, que vem sendo construída desde o início de 2017, é uma ferramenta de diagnóstico, planejamento e gestão que busca auxiliar as empresas com orientações para que evoluam em suas práticas e na gestão da diversidade. A proposta é que o Guia permita análises comparativas entre as empresas respondentes, sirva de inspiração para planejar novas ações, proporcione acesso e visibilidade a boas práticas, além do monitoramento dos compromissos assumidos no Pacto pela Inclusão de Pessoas com Deficiência, criado pela REIS em 2016, com adesão de mais de 10 CEO’s.
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