A estrutura de governança da agenda para o clima no país requer esforços de harmonização em torno do objetivo comum de reduzir emissões.
Um grupo de 15 empresas pioneiras, que abraçaram compromissos voluntários de redução de suas emissões de gases de efeito estufa já em 2009, promoveu em São Paulo mais um seminário anual do Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas, que conta com o apoio da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) e do Fórum Amazônia Sustentável e cuja secretaria executiva é realizada pelo Instituto Ethos. Entre os objetivos do encontro, ocorrido nesta terça-feira (17/12) estavam os de avaliar as principais decisões tomadas durante a COP 19, realizada em Varsóvia em novembro, e discutir os caminhos para um novo acordo climático mundial em 2015.
Durante o evento, também foi apresentada a versão preliminar do estudo O Desafio da Harmonização das Políticas Públicas de Mudanças Climáticas – Volume II, realizado pelo Observatório de Políticas Públicas de Mudanças Climáticas no Brasil, uma iniciativa do Fórum Clima e do Instituto Ethos, em parceria com o Núcleo de Economia Socioambiental da Universidade de São Paulo (Nesa-USP).
As exposições destacaram que as mudanças climáticas se aceleram no mundo, exigindo medidas que reduzam suas causas – a chamada mitigação –, assim como adaptações para melhor enfrentá-las. A dificuldade em criar regras, incentivos e restrições necessárias para esse cenário reside na complexidade científica e na diversidade de atores envolvidos em variados âmbitos: local, estadual, nacional e internacional.
“O Fórum Clima é um grupo corajoso e uma estratégia bem-sucedida para reunir empresas em torno de uma agenda climática brasileira”, comentou Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos. “Ele é um exemplo de empresas que assumem compromissos e incentivam boas políticas públicas.” De fato, uma de suas atividades é acompanhar, compilar e comparar leis, normas e decretos focados nas mudanças climáticas e contribuir para sua harmonização.
Um dos convidados era o economista e ambientalista mexicano Gabriel Quadri de la Torre, diretor associado de Sistemas Integrais de Gestão Ambiental e diretor da Sigea Carbon, que expôs as graves previsões do IPCC sobre os cenários futuros, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas globalmente. Ele defendeu que metas baseadas em um balanço histórico, permitindo maiores emissões para nações mais novas e em desenvolvimento, já não fazem sentido. “Todos devem contribuir agora. O processo via ONU é muito lento, pois requer consenso entre 200 países. Falta um sentido de urgência e um imposto universal sobre as emissões já”, alertou.
Karen Cope, diretora de Licenciamento e Avaliação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, explicou que o Brasil propôs e defende um compromisso de redução que leve em conta as emissões iniciadas desde a Revolução Industrial, pois é preciso aliar justiça climática com a mitigação e adaptação. Ela considera positivos os avanços feitos até então. “O governo federal entende que houve conquistas na COP 19, como a aprovação de créditos por Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e do regime de compensação por perdas e danos (loss & damage)”, explicou Cope.
Ela destacou os avanços do governo federal nesse campo, como a consulta pública aberta sobre o Plano Nacional sobre Mudança do Clima assim como o trabalho do Núcleo de Articulação Federativa para o Clima. Este tem buscado integrar as diversas políticas setoriais que tenham relação com o tema, principalmente quanto a seus impactos, e promover a troca de experiências entre os órgãos governamentais.
Cope ainda lembrou que o Brasil instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, abraçando um compromisso nacional voluntário de redução de emissões entre 36,1% a 38,9% até 2020.
Uma das ações mais cruciais do Núcleo é promover Sistemas de Monitoramento, Reporte e Verificação (MRV) e Inventários pelo país, buscando consolidar uma metodologia única. Ele trabalha pela articulação dos Estados e dos planos setoriais. “A orientação da presidente Dilma Rousseff é para intensificar as medidas de adaptação, pois só mitigação não vai resolver”, afirmou Cope.
Quadri de la Torre chamou a atenção para o risco de se perder o foco principal se ficarmos centrados em reduzir apenas as emissões industriais. “No México, por exemplo, a ação das indústrias não é a principal fonte de geração de GEEs, mas sim a queima de combustíveis fósseis, o que envolve a frota particular de carros, a geração de eletricidade, que em meu país é feita por meio da queima de carvão e gás, e o desmatamento. Podemos transformar essas realidades sem depender de empréstimos ou recursos externos”, defendeu.
Estados à frente
Ao apresentar a segunda parte do estudo O Desafio da Harmonização das Políticas Públicas de Mudanças Climáticas, Juliana Simões Speranza, pesquisadora do Nesa-USP, mostrou que os esforços federais foram precedidos por 18 Estados que se mobilizaram para estabelecer políticas estaduais relacionadas às mudanças do clima. Quinze já possuem leis que definem mecanismos de mitigação de gases do efeito estufa e adaptação aos efeitos do aquecimento global.
Ela destacou que existe uma estrutura de governança para uma agenda para o clima no país, mas esta requer esforços de harmonização em torno do objetivo comum de redução de emissões. “É preciso coerência para fecharmos a conta de redução que o país abraçou. Se de um lado há combate ao desmatamento, de outro existe incentivo à queima de combustíveis fósseis e à construção de termoelétricas a carvão”, observou.
O documento que reúne as informações levantadas pelo Nesa sobre os desafios para este alinhamento está em versão preliminar, aberto a consulta e contribuições.
Representantes de quatro Estados expuseram em seguida seus esforços na adoção de políticas por uma economia de baixo carbono. Kamila Botelho do Amaral, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, destacou como seu governo tem combatido as pressões do desmatamento, causadas pela expansão da urbanização e da produção agrícola e pela retirada ilegal de madeira. O Estado conta com o Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, pelo qual a sociedade civil se organiza para influir nos caminhos adotados. “Queremos progredir com a floresta em pé, evitando a exploração desordenada”, disse Kamila.
Carlos Renato Garcez, coordenador de Mudanças Climáticas da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná, informou que o Estado está preparando o primeiro inventário estadual das emissões de GEEs do Brasil: “Adotamos a metodologia do IPCC e, a partir desse levantamento, fixaremos metas de mitigação. Incentivaremos o registro público de emissões, de forma voluntária, por meio de contrapartidas como um selo oficial de reconhecimento, extensão da licença de operação e incentivos fiscais para quem o fizer por três anos seguidos”.
Garcez também pontuou que o tema das mudanças climáticas é intangível e, portanto, difícil de constar, sob este nome, nas prioridades governamentais: “Ainda é mais fácil avançarmos por tópicos concretos, como a gestão de resíduos sólidos ou despoluição das águas, por exemplo”.
Já Sérgio Xavier, secretário do Meio Ambiente de Pernambuco, destacou que para seu Estado as mudanças climáticas são a principal preocupação: “Na costa, temos a ameaça do aumento do nível do mar. No interior, a desertificação e a alteração nos ciclos de chuva que provocam enchentes”. O Estado prepara para 2014 uma política de pagamento por serviços ambientais. “Uma única enchente está nos custando R$ 2,19 bilhões em reparos, reconstruções e apoio aos atingidos. É mais caro remediar do que prevenir.”
Xavier também ressaltou que Pernambuco quer tornar Fernando de Noronha o primeiro território brasileiro a compensar 100% de suas emissões, uma iniciativa que está aberta a apoiadores. “Presente e futuro dependem de imaginação e escolha”, disse o secretário.
Felipe Santos de Miranda Nunes, gerente de Energia e Mudanças Climáticas da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais, foi o quarto representante estadual a falar. O Estado ainda não aprovou uma política de mudanças climáticas, mas já tem várias medidas de mitigação e adaptação. Nunes ressaltou a importância de evitar contradições, de incentivar a capacidade de adaptação dos municípios e de enxergar as transformações necessárias como oportunidades, e não como dificuldades.
Por Neuza Árbocz, para o Instituto Ethos
Foto 1: Da esq. para a dir., Sérgio Xavier, Felipe Santos de Miranda Nunes, Juliana Simões Speranza, Tasso Azevedo, Carlos Renato Garcez e Kamila Botelho do Amaral.
Foto 2: Gabriel Quadri de la Torre, Karen Cope e Caio Magri.
Crédito: Clóvis Fabiano.