Depois de uma pausa de dois anos, entidades voltam a conceder crédito a empreendimentos no país, mas exigem contrapartidas sustentáveis.

 

Por Jorge Abrahão*

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a International Finance Corporation (IFC), braço de investimento do Banco Mundial para o setor privado, voltaram, após pausa de dois anos, a conceder empréstimos a projetos de empresas brasileiras.

A previsão do BID é investir cerca de US$ 2 bilhões no país, por meio de parcerias com os Estados, em projetos na área de saúde, educação, saneamento e infraestrutura. Já a IFC espera aplicar no Brasil US$ 100 milhões em projetos dos setores de soja, frango, açúcar, etanol e bebidas não alcoólicas.

O BID esteve afastado do Brasil porque considera que possuímos mais opções de crédito para a agropecuária do que outros países da América Latina. Voltou agora porque quer aproveitar oportunidades emergentes em desenvolvimento sustentável em nosso país.

Já a IFC ficou dois exercícios fiscais sem assinar contratos agropecuários no país por conta da reformulação global de seus critérios de concessão de crédito e após alguns casos negativos no Brasil e na Ásia, inclusive o rompimento de um contrato de US$ 90 milhões com o frigorífico Bertin (agora JBS). Liberado em 2007 e “desengajado” em 2008, o empréstimo visava ampliar a capacidade de abate do frigorífico na cidade de Marabá (PA), no coração da Amazônia, já bastante afetada pelo desmate e, por isso mesmo, alvo de denúncia no Ministério Público por parte de ONGs preocupadas com o desmatamento da região. Segundo esses públicos, o IFC não teria feito uma análise adequada dos riscos socioambientais do projeto financiado.

Na mesma época, um projeto com óleo de palma na Ásia também foi alvo de denúncia e precisou ser suspenso.

Quais são os novos critérios da IFC?

Esses critérios englobam aspectos relacionados às mudanças climáticas, aos direitos humanos e à transparência das informações sobre os projetos financiados. Em relação às mudanças climáticas, a IFC vai incluir as emissões de carbono da empresa e da cadeia produtiva entre os critérios de concessão de crédito. A principal mudança nesse aspecto é que a entidade não vai mais permitir a compensação de emissões de gases de efeito estufa, como previam os critérios anteriores. A partir de agora, para receber o financiamento o cliente terá de comprovar que as emissões foram reduzidas pela adoção de tecnologias de baixo carbono.

A entidade adotará ainda a medição da eficiência no uso de energia, água e recursos naturais, bem como de outros impactos socioambientais, como a contaminação do solo e da água e o acesso à posse da terra por populações tradicionais.

Todas essas diretrizes serão aplicadas tanto no projeto quanto na cadeia produtiva, englobando todo o chamado ciclo de vida do produto, desde o próprio desenho do projeto até a comercialização dos produtos e serviços dele originados.

Não serão concedidos créditos a projetos que apresentem brechas, em qualquer fase, nos aspectos relativos a direitos trabalhistas, direitos civis, direitos sobre a posse da terra, direitos de povos indígenas, proteção do patrimônio cultural e preservação de modos de vida tradicionais, entre outros itens.

No que se refere à transparência, a IFC terá de divulgar os projetos por 60 dias, para consulta pública, antes de aprová-los. E também precisará tornar público o resultado do monitoramento periódico. A exigência de transparência nas informações sobre o andamento dos projetos permitirá que os públicos afetados por determinada decisão possam ser ouvidos e ter sua opinião levada em conta, o que representa um avanço concreto em direção a uma gestão socialmente responsável.

A IFC descartou a Amazônia como área para seus investimentos. Na agricultura, o foco serão as lavouras consolidadas. Na indústria, o setor de alimentos processados e bebidas. Para a entidade, investir nesses setores industriais é importante porque força mudanças nas cadeias produtivas, chegando até a ponta, ou seja, à agricultura ou à pecuária.

Nas lavouras consolidadas, como a cana-de-açúcar, as usinas do Brasil, por exemplo, estão ampliando a adoção de práticas sustentáveis na produção de etanol e os recursos da IFC podem acelerar o processo, pelos critérios que as empresas precisarão cumprir para ter acessos a eles.

A IFC, é uma instituição que desde sua fundação, em 1956, tem trabalhado com mais de 100 países em desenvolvimento, ajudando empresas e instituições financeiras dos mercados emergentes a criar empregos, gerar receitas tributárias, melhorar a governança corporativa e o desempenho ambiental. Já o BID apoia, desde 1959, iniciativas de países da América Latina e do Caribe para reduzir a pobreza e a desigualdade, promovendo o desenvolvimento de uma maneira sustentável e que não cause prejuízos ao meio ambiente.

Agora, com a união dessas duas instituições investindo no setor de agronegócio do Brasil, temos a oportunidade de mudar posturas erradas. Isso representa um importante avanço para o desenvolvimento sustentável no Brasil. Aliás, esse novo investimento é, em grande parte, motivado pela recente preocupação das empresas com a sustentabilidade e, de certa forma, funciona como via de mão dupla, pois motiva empresas a buscar o desenvolvimento sustentável para conseguir crédito.

É muito importante que o setor de agronegócio volte a receber empréstimos desse tipo, pois os critérios exigidos para obtê-los representaram mudanças. As atividades realizadas pelo agronegócio representam em torno de um terço do PIB brasileiro e, por essa razão, o setor é considerado o mais importante da economia brasileira.

Se com os novos investimentos propostos pela IFC e pelo BID as empresas investirem em novas tecnologias e práticas mais sustentáveis, os resultados certamente serão notados.

Um agronegócio mais sustentável tem claras vantagens econômicas, ambientais e sociais. Resulta em produtos mais competitivos, aceitos pela sociedade e que podem ser inseridos num mercado crescente que já percebeu a necessidade de mudanças e adota cada vez mais práticas consideradas sustentáveis. Produtos que, não esgotando o solo, mantêm a oferta de água e reduzem as aplicações de defensivos agrícolas com práticas de manejo integrado de pragas e de doenças. Produtos, enfim, que respeitam os limites do meio ambiente.

E esses novos padrões impostos às empresas interessadas nos empréstimos do BID e da IAF vêm contribuir para a construção de uma economia verde, inclusiva e responsável. Em primeiro lugar, porque vão promover grande impacto nos projetos financiados, com reflexos diretos sobre a cadeia produtiva deles, nas comunidades e na sociedade, contribuindo para disseminar a sustentabilidade nesse importante setor.

* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.