O FFD, iniciativa que dá transparência aos impactos florestais, cada vez mais direciona os investimentos globais em empresas de diversos setores.
Por Paulo Itacarambi*
Lançada em 2008, a iniciativa de dar transparência aos impactos florestais dos negócios – o Forest Footprint Disclosure Project (FFD, algo como Projeto de Transparência da Pegada Florestal – cada vez mais orienta os investimentos em empresas de diversos setores. Atualmente, 75 grandes investidores utilizam as informações fornecidas pelas empresas para orientar a destinação dos recursos financeiros. Isso mostra que dados sobre impactos socioambientais tornam-se cada vez mais relevantes para o mercado e a sociedade e as empresas precisam levá-los em conta no planejamento estratégico.
A pegada florestal de um negócio é o consumo de commodities que podem ser originadas, direta ou indiretamente, de áreas desmatadas recentemente, gerando riscos para os negócios.
A demanda global por commodities agrícolas é a principal causa de desmatamento, pois as áreas são devastadas para extrair madeira e produzir carne, soja, óleo de palma (babaçu) e biocombustíveis. Essas “commodities de risco florestal” são os pilares de milhões de produtos comercializados mundialmente e estão presentes nas cadeias de suprimento de inúmeras empresas
Pensando nisso, a fundação britânica Global Canopy Programme, que realiza estudos e pesquisas em florestas do mundo inteiro, lançou um questionário para as companhias medirem essa “pegada florestal”, ou o “risco florestal” direto ou indireto existente em suas atividades. Com isso, os investidores poderiam orientar melhor os recursos e ajudar as empresas a adotar as medidas cabíveis para enfrentar os desafios do combate ao desmatamento.
Nesses três anos, foram analisados os impactos de cinco commodities: biocombustíveis, soja, óleo de palma, carne e couro. Há doze temas-chave para avaliar esses impactos: período do relatório; gestão de risco do desmate; rastreabilidade e envolvimento do fornecedor; compromissos públicos com florestas e mudanças climáticas; iniciativas/parcerias de sustentabilidade em relação a essas commodities; metas de consumo dessas matérias-primas; desenvolvimento e suporte para a cadeia de suprimentos; políticas específicas de aquisição; relatórios públicos sobre os riscos de desmate; processo de governança dos riscos; especificação de riscos e oportunidades relacionadas às commodities; e barreiras e desafios à sustentabilidade das commodities.
As perguntas exigem respostas simples – “sim” ou “não” – e justificativas básicas. As empresas com mais respostas “sim” são consideradas “líderes” dos setores analisados.
Esse questionário vem sendo encaminhado para as 500 maiores empresas da revista Fortune, com uma carta de apresentação assinada pela Global Canopy e por 75 grandes instituições financeiras que apoiam a iniciativa e juntas administram ativos de US$ 7 trllhões. Entre elas, estão: Santander Brasil Asset Management, Barclays Capital, Royal London Asset Management, Amundi Group, Henderson Global Investors e First Affimartive Financial Network, bem como os fundos de pensão dos professores estaduais da Califórnia e dos funcionários públicos de Connecticut, entre outros.
A resposta ao questionário é voluntária. Mas a empresa que responde torna-se um foco de investimento dessas instituições, uma vez que demonstra transparência em relação a riscos socioambientais.
A diferença do relatório FFD com o de outras iniciativas socioambientais é que ele tem foco em informação operacional, padronizada e comparável, e é direcionado aos investidores do setor financeiro. Não se preocupa em divulgar boas práticas, e sim o diagnóstico da empresa nos temas que têm impacto sobre o desmatamento.
Os investidores, por sua vez, não pretendem “punir” as empresas com maior impacto. Pelo contrário, a ideia é oferecer suporte financeiro para que elas enfrentem os desafios para diminuir sua pegada.
Relatório de 2011
O número de empresas que aceitam responder o questionário vem aumentando gradativamente. Na primeira edição, em 2009, foram 20; em 2010, 35 e, em 2011, das 217 convidadas, 85 responderam.
Foram avaliadas empresas de onze setores: materiais básicos; roupas, acessórios e calçados; varejo de alimentos; produção de alimentos e bebidas; varejo em geral; indústrias da construção e automomotiva; higiene e cuidados pessoais; viagens e lazer; agricultura e pesca; mídia; petróleo e gás; e serviços.
O grupo nacional A. Maggi foi o destaque no setor de agricultura e pesca. Outras empresas consideradas líderes setoriais em 2011 foram: British Airways (viagens e lazer); Reed Elsevier (mídia); Nestlé e Unilever (alimentação e bebidas); e Nike (vestuário e calçados).
Para a Global Canopy, embora a participação das empresas tenha aumentado, o engajamento precisa ser muito maior. Durante a cerimônia de lançamento do relatório de 2011, o representante dessa fundação lembrou que a maioria das empresas de petróleo e gás – para citar um setor – ainda se recusam a abrir suas informações sobre pegada florestal. Mas a participação pode aumentar à medida que as empresas entenderem o objetivo dessa iniciativa – que é dar transparência e melhorar o desempenho do negócio no que tange à manutenção das florestas.
A importância do FFD reside, justamente, no fato de ela ser um instrumento voluntário de transparência das empresas que preenche a lacuna que existe entre o que a regulação dos países exige e as informações consideradas relevantes para a sociedade.
O FFD é mais uma iniciativa que mobiliza investidores, junto com oCarbon Disclosure Project (CDP), que guarda dados sobre as emissões de carbono das empresas, e o Water Footprint Disclosure, que recolhe informações sobre o consumo de água das atividades industriais e de serviço. Essas iniciativas demonstram que o setor financeiro quer conhecer cada vez mais profundamente os riscos socioambientais das atividades para as quais direcionam seus recursos. A tendência é que elas se tornem mais detalhistas e abrangentes.
A Global Canopy, por exemplo, anunciou durante a Rio+20 que vai se unir ao CDP para constituir o maior sistema mundial de medição dos impactos sobre o capital natural, abrangendo florestas, água e carbono. A incorporação das duas iniciativas deve ocorrer em 2013. Agregando-se a questão florestal às emissões de carbono – que é o foco do CDP –permite-se que as empresas e os investidores se reportem a um só banco de dados sobre emissões e impactos florestais. Com isso, ganha relevância o tema da floresta em pé, já que o CDP é apoiado por 665 instituições financeiras.
Aqui no Brasil, há uma iniciativa da sociedade civil que também vem ganhando força: trata-se do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, uma articulação de 163 organizações da sociedade civil contrárias à aprovação do Código Florestal tal como ele está. Seu objetivo é mobilizar os brasileiros para que manifestem sua discordância e, com isso, sensibilizem os senadores para a aprovação de uma lei que:
- Garanta efetivamente a conservação e uso sustentável das florestas em todos os biomas brasileiros;
- Trate de forma diferenciada e digna agricultores familiares e populações tradicionais;
- Garanta a recuperação florestal das áreas ilegalmente desmatadas;
- Reconheça e valorize quem promove o uso sustentável;
- Contribua para evitar desastres ambientais e ajude a garantir água de boa qualidade para as cidades;
- Acabe de vez com o desmatamento ilegal
O relatório do FFD foi pouco divulgado no seu lançamento, que ocorreu em Londres, no início do ano. Se as informações tivessem sido disseminadas mais amplamente, talvez a votação do código tivesse tido outro destino. Afinal, esse documento demonstra a importância que grandes investidores dão à floresta em pé, pois dela depende a própria sobrevivência dos negócios.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos.
13/8/2012