Em nota, pede mudanças concretas na relação com empresas de segurança privada
O Dia Nacional da Consciência Negra amanhece com um misto de revolta, tristeza e indignação. Mais uma vez, nos deparamos com um caso de violência que resultou na morte de um homem negro. Morte motivada pelo racismo estrutural. Morte que não pode ser simplesmente somada aos números de assassinatos de negros e negras no Brasil – que, representam 75,7% das vítimas de homicídios no país, segundo o Atlas da Violência 2020 – e, em alguns dias, esquecida e banalizada.
O caso em questão envolve uma das empresas associadas ao Ethos e nossa parceira institucional, o Carrefour. Dentro do escopo de relacionamento com a companhia, abrimos um processo de avaliação por meio de nossa Comissão de Ética, para avaliar o caso à luz de nossa Carta de Princípios e nosso Código de Conduta, considerando o posicionamento da empresa, como entende sua responsabilidade frente ao fato, e os processos e ferramentas para prevenir e coibir casos dessa natureza.
No Brasil, tem sido constante a ocorrência de casos de racismo, ataques e mortes, principalmente de pessoas negras, por parte de profissionais de segurança privada em estabelecimentos comerciais, como bancos, shoppings centers e supermercados. Em função disso, o Instituto Ethos reforça a necessidade de discutirmos sobre a atividade das empresas de segurança privada, promovendo uma mudança estrutural para o enfrentamento do racismo e das práticas criminosas que dele decorrem, uma vez que esses crimes são provocados pela cultura racista do Brasil e potencializados pelo despreparo dos profissionais para lidar com intercorrências no cotidiano.
De acordo com o “Estudo do Setor da Segurança Privada”, elaborado pela Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist), no Brasil, são 2.398 as empresas de segurança privada, que contratam cerca de 554 mil trabalhadores. Trata-se de um contingente superior ao número de policiais militares de todo o país, cujo efetivo é de cerca de 477 mil agentes.
Destes dados, observamos uma tendência crescente da privatização de serviços de segurança. Os casos de violência que chegam ao nosso conhecimento atrelados a essa atividade revelam uma visão de segurança que privilegia o confronto em detrimento da proteção dos indivíduos; que privilegia a violência e a “justiça com as próprias mãos” em detrimento de uma visão de respeito à dignidade humana.
Em meio a esse cenário, se faz necessário tornar mais clara e documentada a diferença de atuação entre segurança privada e pública, além de regulamentar a profissão e proporcionar formações e treinamentos fundamentados nos direitos humanos, buscando preparar e capacitar esses profissionais para o enfrentamento de adversidades do dia-a-dia sem violações de direitos. Orientamos também que as empresas, ao contratarem esses serviços terceirizados, criem protocolos internos de acompanhamento, desenvolvimento e transparência nas ações.
Com relação ao caso de João Alberto Freitas, entendemos que nosso repúdio e indignação devem vir acompanhados de medidas concretas. Queremos medidas judiciais para investigar o homicídio e o crime de racismo. Queremos medidas judiciais para quem assistiu e nada fez, por crime de omissão de socorro. Queremos medidas judiciais indenizatórias para família, e uma rigorosa investigação trabalhista na empresa de segurança privada responsável pelos atos de seus funcionários.
Para além, precisamos, enquanto sociedade, nos posicionar e atuar no combate ao racismo cotidianamente. E o Ethos vem por meio desta nota indicar que esses casos, recorrentes e não isolados, podem ser solucionados a partir da revisão da atividade de segurança privada no país, com o envolvimento do setor e o compromisso efetivo das empresas que contratam esse tipo de serviço no sentido de influenciar a criação de uma nova referência dessa atividade no Brasil.
Que o assassinato de João Alberto Silveira Freitas nos indigne suficientemente para gerar transformações concretas em todos os setores da sociedade. E que não sejam mais necessárias notas de repúdio.
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