A Política Nacional de Resíduos Sólidos avança na inclusão socioeconômica dos catadores, mas é preciso ir além, garantem especialistas
Com a proposta de debater avanços e desafios da inclusão socioeconômica dos catadores de materiais recicláveis, a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Instituto Walmart (IWM), em parceria com o Projeto CatAção e com o apoio do Movimento Nacional dos Catadores (MNCR), promoveu em São Paulo, no dia 31 de outubro, o Fórum “PNRS: E o Catador Nessa História?”.
Paulo Mindlin, diretor do IWM, e Fernanda Pereira, coordenadora do Projeto CatAção, abriram o debate ressaltando a importância do trabalho em rede, a partir do esforço dos diversos atores sociais – empresas, ONGs, governos etc. –, para que a discussão a respeito dessa nova política pública traga os catadores para o centro. Isso porque, como lembrou Valdemar de Oliveira Neto, diretor da Fundação Avina, há cerca de dez anos eles eram invisíveis para a sociedade.
Segundo Valdemar, o grande passo dado pelos catadores para romper com essa invisibilidade foi o processo de organização política. Na avaliação do especialista, foram o posicionamento e o engajamento das lideranças dos catadores que deram legitimidade à causa, colocando a inclusão social na equação da política e gerando influência direta na elaboração da PNRS. “Ouso dizer que essa política passou 20 anos no Congresso e não avançou por diversos conflitos de interesses. O fato novo que destravou esse processo foi a emergência dos catadores como atores do plano e a força que demonstraram”, destacou.
Serviços ambientais
Durante o fórum, os especialistas presentes apontaram os diversos avanços já conquistados com a elaboração da PNRS no país. Silvano Silvério, diretor da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, enfatizou a importante participação dos catadores no Comitê Interministerial de Implantação da PNRS, que tem discutido os passos necessários para a sua consolidação, como a urgência na elaboração dos planos estaduais e municipais, com ações e metas claras a serem alcançadas.
Uma das grandes oportunidades que esses planos poderão trazer aos catadores é a possibilidade de contratação das cooperativas para prestação de serviços de coleta seletiva. Hoje, algumas cooperativas instaladas em cidades como Araraquara (SP) e Natal (RN), por exemplo, são responsáveis pela coleta e, com isso, se tornaram autossustentáveis. “Não queremos ficar somente confinados em galpões para fazer a triagem dos materiais recicláveis, mas fazer, sim, todo o processo. E temos condições para isso”, enfatizou Roberto Rocha, da Comissão de Articulação Nacional do MNCR.
Segundo o diretor do Ministério do Meio Ambiente, outro grande passo dado pela PNRS foi a implantação da política reversa, área que irá beneficiar diretamente os catadores. Inclusive, está aberto, até 4 de janeiro de 2013, o edital para que as empresas de embalagens encaminhem propostas – tendo em vista que esses materiais representam 20% dos resíduos coletados no país –, contemplando os catadores e em harmonia com a coleta seletiva, bem como garantindo alternativa de emprego e renda. (Para acessar o edital, clique aqui.)
Engajamento empresarial
O setor privado, segundo os especialistas, tem sido um dos grandes apoiadores dessa política. Na avaliação de Ismael Gilio, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, é possível observar o engajamento das empresas em iniciativas relevantes, como é o caso do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), fundado depois da Rio-92, o qual conta atualmente com 800 cooperativas cadastradas.
Durante o evento, Felipe Zacari Antunes, gerente de Sustentabilidade do Walmart, enfatizou o interesse da empresa nessa causa. (O Walmart conta hoje com 530 lojas em 18 Estados e no Distrito Federal e 87 mil funcionários no país.) . Segundo Felipe, são várias parcerias estabelecidas e processos de trabalho criados, por exemplo, para reduzir a quantidade de embalagens, otimizar processos de logística, a fim de diminuir a circulação de caminhões pela cidade, e ainda reduzir o envio de resíduos para aterros sanitários.
Atualmente, 54% dos materiais deixaram de ir para aterros, com destinação por meio de outros mecanismos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o resíduo orgânico vai para uma cooperativa de compostagem, que encaminha depois para uma cooperativa agrícola, de onde saem novos produtos para comercialização no varejo. Em 2011, 6.600 toneladas de resíduos foram enviadas para compostagem. Além disso, o projeto do Banco de Alimentos, desenvolvido pelo Instituto Walmart em parceria com as lojas, garante o encaminhamento de alimentos que não estão mais adequados para venda, mas ótimos para o consumo.
Outra aposta do Walmart, enfatizou o gerente, é na educação dos consumidores. Por isso a preocupação em trazer informações sobre coleta seletiva nas embalagens dos produtos de marca própria do Walmart, assim como reduzir o uso de sacolas plásticas nas lojas por meio de campanhas de comunicação. A empresa devolve R$ 0,03 a cada cinco itens na compra, caso a pessoa utilize outros tipos de sacola. Isto representou R$ 2,6 milhões de descontos para os clientes e uma economia expressiva por evitar o uso de 90 milhões de sacolas plásticas.
A empresa atua ainda em parceria com 38 cooperativas cadastradas, que fazem a coleta de materiais recicláveis nas lojas em que existem estações de reciclagem. Esse apoio e relacionamento com as cooperativas é, inclusive, um dos pilares de ação do Instituto Walmart, que tem investido em capacitação e fortalecimento de tais organizações.
Desafios complexos
Apesar dos diversos avanços conquistados com a constituição da PNRS, os especialistas acreditam que ainda há desafios a ser superados no que tange à inclusão social dos catadores. Segundo o representante da Fundação Avina, é preciso pensar em modelos de reciclagem em escala, que permitam a inclusão dos mais de 600 mil catadores ainda na informalidade, em situações exploratórias e desumanas de trabalho, como os lixões.
A PNRS prevê o fim dos lixões até 2014. No entanto, 49% das cidades brasileiras descartam seus materiais dessa forma, 25% em aterros sanitários e apenas 23% em aterros controlados. “A proposta é realocar os catadores que trabalham nesses locais em projetos de coleta seletiva. Além disso, tirando os resíduos que podem ser reciclados dos aterros, aumentaremos, e muito, também a renda obtida com a reciclagem, beneficiando os catadores”, comentou Silvério.
Outro fator decisivo para avançar nessa área e fortalecer a política é a criação de mecanismos de coordenação para a sua implantação, tendo em vista a complexidade do processo, a fim de garantir a participação dos diversos atores envolvidos. “Em cinco anos, transformamos o mercado da reciclagem de maneira extraordinária e não temos ainda domínio sobre ele. Foram criadas muitas leis, políticas e diretrizes em pouco tempo. E coordenar setor público, entidades e empresas públicas, setor privado, movimentos sociais e de meio ambiente não é tarefa fácil. Existe uma complexidade imensa de articulação que requer cuidado”, comentou Ismael Gilio, do BID.
Para completar, o desafio passa ainda pela incorporação de novas tecnologias no processo de coleta e reciclagem de materiais, a fim de aumentar a produtividade e a escala, permitindo assim que os catadores se apropriem de fato dessa atividade econômica e garantam um retorno financeiro maior com os produtos.
Oportunidades
Diante desse cenário de avanços e desafios, o representante do BID apontou ainda algumas oportunidades, como a ampliação do investimento na geração de conhecimento sobre o tema, a partir do mapeamento e sistematização de experiências, bem como o fortalecimento e incentivo à participação empresarial, com relações e conexões privado-privado, privado-público e privado-público-social.
Na avaliação de Roberto Rocha, as cooperativas precisam pensar em outras oportunidades de negócios diante do novo momento que a política nacional trouxe aos catadores. “A discussão é como agregar valor ao trabalho dos catadores, para que possam investir no fortalecimento das cooperativas, capacitar seus cooperados e ter capacidade de atender às demandas”, destacou o diretor executivo do Cempre.
Segundo Mateus Mendonça, sócio da Giral – Viveiro de Projetos, a palavra de ordem é “apoio”. “Com as ferramentas adequadas, as cooperativas terão condições de fazer bem feito e concorrer no segmento de resíduos”, pontuou. Isso porque, para o especialista, os pilares de sucesso serão: uma central de triagem eficiente, autônoma e bem gerida; coleta seletiva bem planejada e estruturada; e consumidores e parceiros de negócio conscientizados e engajados.
Por Daniele Próspero e equipe do Instituto Walmart