Ainda estamos no meio da pandemia, muitos de nós, já adaptados a nova rotina, outros ainda perdidos entre todas as tarefas de trabalho, domésticas e de cuidado parental. Sentados o dia inteiro em frente a uma tela, alguns se sentem produtivos, outros mais cansados que o normal, sendo interrompidos pelos filhos e com dificuldade de concentração. Ou ainda, sozinhos em casa e sentindo o peso do isolamento social, com a falta das interações e da forma “antiga” de trabalhar.
Estamos mesmo em home office? Para uma grande parcela de pessoas não tem sido o home office tradicional, com direito a divisão clara da jornada, espaço tranquilo de trabalho e, para os mais privilegiados, uma diarista, com direito a almoço em restaurante perto de casa e sobra de tempo para o autocuidado – um dia de trabalho em casa, combinado e planejado a partir das necessidades individuais. Planos, todos por água abaixo, com sabão e doses de álcool em gel para espantar a Covid-19.
Isso sem falar da realidade dos profissionais que moram em regiões periféricas, sem espaço confortável ou internet de qualidade para o trabalho remoto.
Na última roda de diálogo com associadas Ethos, conversamos sobre o home office atual ou, como eu digo, “morar no trabalho”, e o quanto as culturas das empresas estão sendo influenciadas por essa nova forma. Entre empresas conscientes que repactuam prioridades e prazos, se preocupam com a saúde mental dos empregados e investem em métodos de autogerenciamento, estabelecendo relações de confiança e autonomia; e empresas que cobram mais produtividade para reduzir os prejuízos, agendam mais reuniões e ampliam controles de horário, desconsiderando as outras demandas que o morar no trabalho impõem.
O medo de perder o emprego, uma cobrança direta da liderança ou a autocobrança de produtividade, estão levando pessoas a trabalharem 10, 12, 14 horas ou mais por dia. Se você tem filhos pequenos e segue sendo muito produtivo, alguém está se dedicando mais e não é você, ou a criança está recebendo menos atenção e mais telas.
Para os profissionais, passar pela pandemia de forma mais ou menos saudável depende do quão consciente desse momento a liderança da empresa é e quais mensagens reforça.
Nesse sentido, os participantes da roda de diálogo comentaram sobre a postura profissional que precisamos ter nesse momento, de que devemos colocar limites e lembrar sempre que estamos vendendo nossa força de trabalho. Em contraponto, falou-se que esse poder de negociação não é estendido a todos, depende da posição que o profissional ocupa e o quão vulnerável ele é na relação de trabalho. Nem todos têm escolhas. E, só se sente apto a negociar, aquele que tem opções, caso seu líder não aceite seus limites.
Em uma realidade em que mulheres são demitidas em até dois anos depois da licença maternidade, fica claro que quando elas colocam seus limites de dedicação, que considera o cuidado com os filhos e com menos espaço para jornadas mais longas, nem sempre as empresas aceitam. Além disso, com as altas taxas de desemprego e no meio de uma pandemia, será que nos sentimos seguros mesmo para impor limites?
Uma outra reflexão foi trazida pelo Antônio Hencsey, especialista em comportamento moral e integridade corporativa e social convidado pelo Ethos para a roda de diálogo, de que na cultura de algumas empresas é esperado dos empregados o “sentimento de dono”, vestir a camisa. Quando se é um empreendedor, o dono, qual o limite da dedicação? E se esperam isso, como a empresa percebe os limites colocados pelo empregado?
Esse período de isolamento e trabalho remoto já está mudando a forma como nos relacionamos, facilitando ou dificultando diálogos entre equipes, trazendo menos ou mais produtividade. Tudo depende da postura da liderança, do exemplo que ela dá com suas ações, com o que endossa e o quanto se dedica para criar relações saudáveis com seus empregos, ao ponto de flexibilizar, rever prioridades, dar feedback mais constantes e que ajudem os empregados a equilibrarem sua dedicação, ao mesmo tempo em que promovem engajamento e compromisso para, juntos, passarem por essa crise.
Na reflexão feita pelo grupo, tivemos exemplos de empresas que seguem esse caminho do equilíbrio, em que as lideranças compreendem o momento e reforçam o conceito de que as pessoas são o maior capital da empresa e investem nisso. O que foi ressaltado por um dos participantes, que disse que não esperava postura diferente, considerando que conversávamos entre empresas que fazem parte do Ethos e, portanto, buscam ter uma gestão socialmente responsável.
Estamos em um processo de mudança, novas formas e relações de trabalho estão se desenvolvendo nesse momento. Por isso, esperamos que essas relações sejam mais inclusivas e saudáveis, potencializando talentos e permitindo o equilíbrio entre todos os papéis que desempenhamos, para além do profissional.
Assim, ganham as pessoas, ganham as empresas e toda a sociedade.
Essas foram algumas reflexões desse espaço de troca, aprendizados e inspiração que temos semanalmente com nossas associadas. Nas próximas rodas vamos continuar essa conversa, na perspectiva da equidade de gênero e cuidado parental. Toda quarta-feira, exclusiva para associadas.
Por: Juliana Soares, coordenadora de Relacionamento do Instituto Ethos
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