Uma questão tão complexa como a RSE só pode ser suficientemente inserida em uma organização por meio de várias ferramentas de gerenciamento.
Por Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri*
Raro é o dia em que problemas socioambientais não estão estampados nas primeiras páginas dos jornais nem constituem as chamadas para os noticiários televisados. Cada vez mais as pessoas em todo mundo começam a se inteirar dos graves problemas que afetam o planeta e que colocam em perigo a sua sobrevivência. A escalada dos problemas socioambientais na era da informação alimenta os movimentos pelo desenvolvimento sustentável e pela responsabilidade social das empresas, ambos de caráter global e que crescem a cada dia. Por isso, organizações de todo o tipo buscam a implantação de modelos que facilitem a efetiva aplicação de práticas socioambientais em linha com a estratégia do negócio.
Para que os comprometimentos feitos no nível estratégico se tornem efetivos, diversos instrumentos gerenciais foram elaborados. O quadro abaixo apresenta uma lista desses instrumentos, todos eles relacionados à busca da responsabilidade social sob a ótica da sustentabilidade. Tais ferramentas são compatíveis com as várias instâncias da gestão empresarial convencional e se aplicam individualmente a cada uma das dimensões da sustentabilidade: a social, a econômica e a ambiental. Muitas vezes, a diversidade de instrumentos existentes acaba se tornando um problema de escolha nem um pouco trivial. Uma questão tão complexa como a responsabilidade social empresarial, que envolve assuntos tão diversos e com inúmeras interações entre eles, só pode ser suficientemente inserida em uma organização por meio de várias ferramentas de gerenciamento.
Fonte: Baseado em Barbieri e Cajazeira (2012)1.
Aí surge um grave problema: como fazer com que esses modelos interajam sem conflitar com os modelos já existentes e consolidados?
De fato, sistemas certificados requerem auditorias periódicas de avaliação e, muitas vezes, essas auditorias se sobrepõem quando os sistemas não estão integrados, de modo que algumas áreas críticas, como operações e divisão comercial, são auditadas de duas a três vezes por semestre, para cobrir os requisitos da ISO 9001, da ISO 14001, da OHSAS 18001 e da SA 8000. Além do gasto com homem-hora e dedicação, as auditorias aumentam o clima de tensão entre as áreas, o que torna ainda mais premente a necessidade de integração entre os diversos sistemas implantados. Para superar as dificuldades decorrentes de dois ou mais sistemas de gestão, foram criados diversos instrumentos de integração de sistemas, a seguir resumidos.
O Projeto Sigma (do inglês Sustainability – Integrated Guidelines for Management, sem dúvida um título forçado para gerar a palavra “sigma”, letra grega que na sua forma maiúscula é o símbolo de somatório em matemática) foi proposto em 1999 pela AccountAbility, em conjunto com o British Standards Institution (BSI), o órgão britânico de normalização, e o Forum for the Future, uma ONG inglesa dedicada a estudos sobre sustentabilidade. A partir de uma abordagem baseada no ciclo PDCA, o Projeto Sigma sugere que a integração ocorra de acordo com a seguinte sequência de fases:
Liderança e visão → Planejamento → Entrega → Monitoramento, análise crítica e relato.
No âmbito da ISO foi criado um grupo especialmente designado para estudar a integração de sistemas desde o ano de 1998, o Joint Task Group (JTG). Os estudos desse grupo geraram dois documentos nucleares:
- Guia ISO 832. Criado com a concordância de todos os presidentes de comitês e subcomitês que produzem normas gerenciais no âmbito da ISO, é um guia para integração de sistemas gerenciais. Baseia-se na ideia de que os sistemas gerenciais separados possuem requisitos comuns, de modo que eles podem ser integrados.
- Guia ISO 723. Fornece orientação para desenvolvimento e compatibilização para sistemas genéricos de gerenciamento, abrangendo qualidade, meio ambiente, saúde, segurança e aspectos sociais.
Em ambos os documentos encontra-se a definição de “compatibilidade”, muito útil para o entendimento dos processos de integração de sistemas de gestão. É a seguinte: “Compatibilidade é a adequação de normas similares para uso conjunto sob uma condição específica, visando preencher requisitos relacionados sem causar interações inaceitáveis”. Isso significa que elementos comuns dos sistemas podem ser implantados pela organização de maneira compartilhada, como um todo, ou em parte, sem duplicação ou imposição de requisitos conflitantes.
Além desses documentos, o guia PAS 99, publicado pela BSI, especifica requisitos comuns para sistemas da gestão como um padrão para integração. Ele foi inspirado nas normas Guia ISO 72 e Guia ISO 83. A figura a seguir mostra esquematicamente como o PAS 99 promove essa integração. Na figura, exemplos de requisitos específicos são as regulamentações da OIT, para o sistema de gestão da saúde e segurança no trabalho, e o Código de Defesa do Consumidor, para o da qualidade.
Fonte: Adaptado de BSI, 20064
Há também o Modelo de Excelência da Gestão® (MEG), concebido pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Esse modelo está alicerçado sobre um conjunto denominado “Fundamentos da Excelência”, o qual expressa conceitos fundamentais reconhecidos internacionalmente, que se traduzem em processos gerenciais ou fatores de desempenho encontrados em organizações de classe mundial. Esses fundamentos, nos quais se baseiam os “Critérios de Excelência” da FNQ, são:
1. Pensamento sistêmico;
2. Aprendizado organizacional;
3. Cultura de inovação;
4. Liderança e constância de propósitos;
5. Orientação por processos e informações;
6. Visão de futuro;
7. Geração de valor;
8. Valorização das pessoas;
9. Conhecimento sobre o cliente e o mercado;
10. Desenvolvimento de parcerias; e
11. Responsabilidade social.
Baseando-se nesses fundamentos, o MEG adotou os seguintes critérios:
1 Liderança;
2 Estratégias e Planos;
3 Clientes;
4 Sociedade;
5 Informações e Conhecimento;
6 Pessoas;
7 Processos; e
8 Resultados.
No MEG, os “Fundamentos da Excelência” são expressos em características tangíveis e mensuráveis quantitativa ou qualitativamente, por meio de requisitos presentes em questões formuladas e em solicitações de informações específicas. Essas, por sua vez, são agrupadas em itens em cada um dos oito critérios acima.
O modelo é representado pela figura mostrada abaixo, permitindo ao administrador obter uma visão sistêmica da gestão organizacional.
A figura que representa o MEG simboliza a organização, considerada um sistema orgânico e adaptável, que interage com o ambiente externo. Sugere que os elementos do modelo, imersos num ambiente de informação e conhecimento, relacionam-se de forma harmônica e integrada, voltando-se para a geração de resultados.
É preciso reconhecer que existe uma questão de complexidade organizacional envolvendo o dimensionamento de recursos na implantação de sistemas gerenciais normativos com foco na sustentabilidade e sua integração à estratégia. Mas, de uma maneira geral, os sistemas de gestão facilitam a obtenção de disciplina gerencial por meio de processos estruturados.
Além disso, a padronização de práticas permitidas pela implantação desses sistemas permite a uniformidade das decisões nas diversas unidades da empresa. Essa uniformidade protege a organização contra possíveis penalidades pela não conformidade legal e amplia a legitimidade gerencial com consequências positivas perante governos, líderes comunitários, agentes financeiros, formadores de opinião e outras partes interessadas.
Para as empresas que atuam no comércio internacional, esses sistemas reduzem as vulnerabilidades diante de barreiras técnicas e, portanto, são elementos facilitadores desse comércio.
* Jorge Emanuel Reis Cajazeira é diretor de Relações Institucionais e Certificações da Suzano Papel e Celulose e presidente mundial da ISO 26000 – Responsabilidade Social; José Carlos Barbieri é professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Ética, Socioambiental e de Saúde da FGV-Eaesp.
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Notas
1 BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel Reis. Responsabilidade Social, Empresarial e Empresa Sustentável: da Teoria à Prática. 2. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2013.
2 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). Guia ISO 83 – High Level Structure and Identical Text for Management System Standards and Common Core Management System Terms and Definitions. Genebra: ISO, 2011.
3 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). Guide 72: Guideline for Justification and Development of Management System Standards. Genebra: ISO Press, 2001.
4 BRITISH STANDARDS INSTITUTION (BSI). PAS 99:2006 – Specification of Common Management System Requirements As a Framework for Integration. Londres: BSI, 2006.
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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.
Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino; e
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato.