“Guru” da administração privada, Michael Porter estará nesta terça-feira (6/11) na HSM Expomanagement 2012 para fazer uma palestra sobre valor compartilhado

Por Paulo Itacarambi*

Um dos maiores desafios que as empresas mais avançadas na sustentabilidade enfrentam é mostrar o “valor” do que fazem. Debruçando-se sobre essa questão, Michael Porter e Mark Kramer, dois dos mais importantes pensadores de estratégias de negócios da atualidade, desenvolveram o conceito de “valor compartilhado”.

Porter estará nesta terça-feira (6/11) na HSM Expomanagement 2012 e fará palestra sobre o assunto em seminário promovido pelo Instituto Ethos na Estação do Conhecimento Sustentabilidade em Foco. Ele tem um artigo ainda inédito em português (Measuring Shared Value) que mostra como medir o valor compartilhado, ou seja, como medir o sucesso financeiro do negócio ligado à contribuição ao progresso social. Vamos comentar agora alguns aspectos desse artigo.

O modelo capitalista atual, baseado na primazia do mercado, tem promovido e ampliado a desigualdade, porque produz para a pequena parcela da humanidade que pode consumir, concentrando recursos, produtos e serviços em poucas mãos. O desafio do século XXI é atender as necessidades da imensa parcela da humanidade excluída dos direitos e do consumo. Não se trata apenas de “vender” para essa base social – e ampliar os resultados para os acionistas –, mas entender o que essas pessoas precisam e oferecer-lhes soluções.

Algumas iniciativas nesse rumo foram postas em marcha. Uma delas, chamada “negócios sociais”, foi idealizada pelo fundador do Grameen Bank e Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus. Para ele, negócios sociais são empresas sem perdas e sem ganhos, com foco em prover um produto ou serviço com um objetivo social, ambiental ou ético específico; ou ainda orientado para o lucro com propriedade dos pobres. Um exemplo do primeiro caso é o Grameen Danone, um iogurte fabricado com uma fórmula diferenciada do iogurte comum para atender os problemas de desnutrição infantil da camada mais pobre da população de Bangladesh, a um preço acessível a todos. A Grameen Danone recebeu investimento inicial e suporte técnico da Danone, com aval do Grameen Bank. Aliás, o próprio Grameen Bank é um negócio social, pois é de propriedade dos pobres, orientado para o lucro moderado que deve ser reinvestido no próprio banco.

Outra iniciativa voltada para a chamada “base da pirâmide” é o Sistema B, criado nos Estados Unidos. Na verdade, trata-se de criar empresas com regulação específica que busquem resultados sociais, bem como para os acionistas.

Esses dois exemplos mostram como empreendedores procuram romper o círculo do mercado, criando outros negócios.

Michael Porter vai noutra direção, mostrando como um negócio já estabelecido pode contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas e para o progresso social, por meio da criação de valor compartilhado.

Uma explicação mais simples para o conceito de valor compartilhado pode ser: a maneira como as empresas reconectam o sucesso nos negócios com o progresso social. Não está na margem do que as companhias fazem, mas no centro. Criar valor compartilhado é mudar o modo de competir para melhorar o planeta, introduzindo o tripé da sustentabilidade no coração do modelo capitalista.

Como se cria valor compartilhado?

Porter exemplifica: empresas de alimentação que estabelecem um sistema de educação nutricional para os consumidores estão criando valor compartilhado. Indústrias farmacêuticas que investem na melhoria da saúde pública em países pobres também criam valor compartilhado, assim como as indústrias de cosméticos que desenvolvem planos para beneficiar comunidades tradicionais das florestas de onde retiram as matérias-primas para seus produtos.

Ele reconhece que, hoje em dia, mais e mais empresas estão criando valor compartilhado por meio do desenvolvimento de estratégias de negócios que trazem lucro aos acionistas e benefícios tangíveis à sociedade e ao meio ambiente. De fato, o conceito foi abraçado pelas companhias até com entusiasmo. Mas, as ferramentas para colocá-lo em prática e medi-lo ainda estão “na infância”. Por isso, é preciso desenvolvê-las, sobretudo uma ferramenta de medição que tenha foco na interação entre os negócios e os resultados sociais, para que o conceito de “valor compartilhado” não seja mais uma “moda” na gestão das empresas.

Por isso, Porter, Kramer e equipe pesquisaram na Universidade Harvard práticas de medição já adotadas por uma dúzia de empresas que já perseguem o “valor compartilhado”, como a Nestlé, a Intel, a Novo Nordisk, a Coca-Cola e a IHR, entre outras. Todas as companhias estudadas empregam quatro etapas para verificar os resultados de suas práticas em relação ao valor compartilhado:1) identificação dos objetivos sociais a atingir; 2) criação do “caso”; 3) monitoramento do progresso; e 4) medição de resultados do caso e vínculo com o negócio.

Coletivo Coca-Cola

Vamos trazer o caso do Coletivo Coca-Cola, que é brasileiro e busca criar valor compartilhado por meio do desenvolvimento da empregabilidade entre jovens de baixa renda. Ao mesmo tempo, esse programa reforça os canais de distribuição de varejo da Coca-Cola e fortalece a marca na classe média “emergente”.

Na etapa 1, a Cola-Cola identificou, em 2008, que tinha dificuldade para penetrar no mercado formado pela classe média emergente no país. Verificou também dois problemas entre os jovens desse segmento social: a falta de habilidades profissionais relevantes, que dificultava encontrar trabalho formal; e a falta de oportunidades nas próprias comunidades onde esses jovens moram.

Na etapa 2, a Coca-Cola criou o Coletivo, por concluir que, se oferecesse oportunidades para esses jovens se capacitarem como vendedores, com apoio da própria rede de distribuidores, a empresa estaria ajudando essas comunidades e também encontrando espaço para vender seus produtos. Assim, com a parceria de ONGs locais, a Coca-Cola passou a oferecer treinamento de dois meses a jovens em técnicas de varejo, desenvolvimento de negócios e empreendedorismo.

Ao mesmo tempo, um distribuidor local monitora esses jovens. Caso o jovem não se coloque na própria distribuidora, o monitor o ajuda a encontrar o primeiro emprego em algum comércio local e acompanha o desempenho dele nesse trabalho; o distribuidor também oferece sugestões de melhoria para o proprietário do pequeno comércio.

A Coca-Cola imaginou que, com esse processo de treinamento informal, os pequenos comerciantes poderiam desenvolver mais as próprias operações, resultando em aumento de vendas e, consequentemente, em mais pedidos de produtos. O aumento de vendas nesses pequenos varejos também indicaria maior penetração da marca entre esses consumidores emergentes, que se sentiriam “ligados” à empresa pelos benefícios trazidos a seus filhos, os beneficiários diretos do Coletivo Coca-Cola.

Na etapa 3, supervisores do Coletivo em cada comunidade fazem relatórios mensais sobre o número de jovens treinados, o total de distribuidores envolvidos e o aumento de vendas no período. A companhia também monitora de perto os custos envolvidos nesse esforço, para garantir efetividade e eficiência. Hoje, a Coca-Cola tem 135 coletivos espalhados pelo país, cada um recebendo em média 500 jovens por ano. Até o fim de 2012, a empresa quer ter 170 coletivos.

Na etapa 4, a Coca Cola mede os resultados dessa iniciativa, usando quatro indicadores: 1)  a quantidade de jovens empregados; 2) o aumento da autoestima nesse público; 3) as vendas da companhia; e 4) a conexão com a marca.

Oportunidade para refinar o caso. Logo após os primeiros treinamentos, a Coca-Cola percebeu que não conseguia ampliar suas vendas. Ao estudar a causa, observou que os jovens, embora bem treinados tecnicamente como vendedores, ainda apresentavam problemas de autoestima, o que dificultava o relacionamento com os clientes. Por isso, o treinamento passou por uma reformulação para abranger também outros aspectos que lidassem com a atitude dos jovens na sua comunidade e no mundo.

Com essa correção de rumo, em dois anos a empresa já teve resultado econômico, ampliando a participação e as vendas nessa faixa de consumo.

A avaliação é de que o Coletivo Coca-Cola é um sucesso. Aproximadamente 30% do público treinado conseguem emprego imediatamente, seja na distribuidora, seja em algum dos pequenos varejistas da rede; ao menos 10% iniciam seu próprio negócio e, nesse caso, têm o suporte de microcrédito da própria Coca-Cola.

Desafios para medir o valor compartilhado

Embora as etapas adotadas nos casos analisados sejam as mesmas, variam os temas escolhidos e os resultados buscados ou obtidos. Os desafios enumerados por Porter e Kramer para a constituição de um sistema confiável de medir valor compartilhado são os seguintes:
1 – Identifique um pequeno número de resultados sociais de alta prioridade que a empresa deseja atingir.
2 – Defina os resultados a serem atingidos logo no início do processo de desenvolvimento do produto, selecionando resultados mensuráveis.
3 – Estabeleça medições intermediárias dos resultados sociais, uma vez que os resultados do negócio operam num tempo diferente da percepção do valor social.
4 – Use indicadores informais para monitorar os resultados dos negócios em relação aos benefícios sociais.
5 – O foco do resultado social deve ser na contribuição, e não na atribuição, ou seja, não tente “atribuir” um resultado social somente à ação da empresa: antes, foque em como a companhia “contribuiu” para o progresso social.
6 – Reúna os resultados seletivamente e somente para os mesmos benefícios sociais.

A desigualdade social e econômica é o grande desafio do século XXI. Ou os negócios contribuem para romper a lógica que a mantém ou eles próprios correm risco de não sobreviver. O conceito de valor compartilhado, ao pôr em evidência o papel social da empresa e a sustentabilidade como imperativo, é uma das respostas possíveis a esse desafio.

Para acessar a versão completa (em inglês) do artigo Measuring Shared Value, clique aqui.

* Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos.