Projetos analisados superestimam desmatamento evitado, gerando “compensação fake” de emissões

Pesquisa publicada nesta quinta-feira (24/8) pela revista Science mostrou que milhões de créditos de carbono têm sido gerados superestimando a preservação florestal à qual supostamente estariam vinculados. O estudo, conduzido por cientistas da Universidade de Cambridge e da Universidade Livre de Amsterdã, analisou 18 grandes projetos de compensação ambiental (o chamado offset de carbono) e comparou a taxa conservação por eles apresentada com áreas similares.

Os projetos analisados são baseados no mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), um instrumento de pagamento por serviços ambientais que remunera a preservação em grandes áreas florestais de países em desenvolvimento. Nesse caso, a extensão preservada é convertida em créditos de carbono, que deveriam corresponder à quantidade de gás-estufa não emitido por desmatamento e são negociados com empresas e empreendimentos que precisam abater suas próprias emissões.

A pesquisa analisou projetos desenvolvidos no Peru, na Colômbia, no Camboja, na Tanzânia e na República Democrática do Congo, que anunciam, somados, a geração de 89 milhões de créditos de carbono. Desses, mais de 60 milhões são provenientes de projetos que praticamente não reduziram o desmatamento, de acordo com o estudo. Apenas 5,4 milhões desses créditos (6% do total) estão vinculados a áreas que efetivamente reduziram emissões de carbono através de preservação florestal em quantidades equivalentes aos créditos anunciados.

Isso significa que muitos dos créditos comprados por empresas para abater emissões não têm lastro no mundo real, por não estarem vinculados a áreas preservadas compatíveis com as emissões que dizem evitar. Uma espécie de especulação, como a que ocorre em mercados financeiros quando vultuosas quantias de dinheiro são negociadas sem lastro na economia real.

“Consequentemente, muitas toneladas de emissões de gases de efeito estufa consideradas ‘compensadas’ por árvores que deixariam de existir sem a preservação foram, na verdade, simplesmente adicionadas ao débito planetário de emissões de carbono”, dizem os pesquisadores.

A chave está na maneira pela qual se calcula quanto de desmatamento os projetos foram capazes de evitar, de onde deriva o cálculo das emissões evitadas e, consequentemente, dos créditos de carbono gerados. O estudo identificou que os projetos utilizam projeções majoritariamente baseadas na extrapolação de taxas de desmatamento históricas, algumas delas defasadas em mais de uma década.

Segundo os cientistas, esse é um cálculo muito simplista, que deixa de fora um conjunto importante de variáveis. Por isso, na pesquisa, usaram uma abordagem diferente: identificaram áreas de floresta com características semelhantes (incluindo níveis de cobertura florestal, fertilidade do solo e registros de mineração e desmatamento) a cada um dos projetos e consideraram as taxas de desmatamento dessas áreas como padrão de comparação para calcular quanto desmatamento foi evitado.

“Utilizamos áreas do mundo real na comparação para mostrar como cada região dos projetos REDD+ provavelmente estaria agora, em vez de extrapolar dados históricos que ignoram uma ampla gama de fatores, desde mudanças de política até forças de mercado”, afirmou Thales West, autor principal da pesquisa.

Dos 18 projetos analisados, apenas um calculou a área preservada a partir de uma projeção de desmatamento compatível com a área comparada. Um outro projeto subestimou as taxas de desmatamento. Os outros 16, diz o estudo, reivindicaram que uma taxa de desmatamento muito maior teria ocorrido sem as ações de proteção, na comparação com áreas selecionadas.

Os resultados mostraram que, dos 89 milhões de créditos de carbono anunciados pelos 18 projetos, mais de 60 milhões (cerca de 68%) são provenientes de áreas que reduziram o desmatamento em muito pouco (ou em nada). Entre os 32% restantes, a maioria não conservou a florestas nas taxas alegadas. Apenas 6% dos créditos (5,4 milhões) são compatíveis com a área florestal realmente preservada.

Ao menos 14,6 milhões dos créditos de carbono disponibilizados pelos projetos investigados já haviam sido comprados até novembro de 2021.

Greenwashing à venda

O estudo destaca ainda a lógica especulativa que vem se ampliando entre as iniciativas de mercado de carbono – e beneficiado grandes poluidores. Algumas empresas, lembram os cientistas, usam a compensação para criar a imagem de que estariam caminhando em direção às metas de emissões líquidas zero, enquanto fazem nada ou muito pouco para reduzir o despejo de gases de efeito estufa na atmosfera.

“Os créditos de carbono fornecem aos principais poluidores uma aparente ‘credencial climática’. No entanto, podemos ver que as alegações de salvar vastas extensões de floresta da motosserra para equilibrar as emissões estão exageradas”, afirmou Andreas Kontoleon, do Departamento de Economia da Terra de Cambridge, autor sênior do estudo.

Os pesquisadores também alertam que a falta de transparência e mecanismos de avaliação dos créditos vendidos faz com que o mercado seja inundado com “maus produtos” (ou falsos créditos), o que leva a uma quebra de confiança e, em última instância, ao colapso do mercado. “Esses créditos de carbono basicamente preveem se alguém vai derrubar uma árvore, e vendem essa previsão. Se você exagerar ou projetar errado, intencionalmente ou não, estará vendendo algo vazio”, complementa Kontoleon.

Ao mesmo tempo, frisam os autores, a grande oferta de créditos de carbono que resulta dessa superestimação faz com que seus preços caiam – permitindo que grandes poluidores comprem a baixos preços suas aparências de agentes climáticos responsáveis.

O estudo defende que métodos mais transparentes e sofisticados sejam utilizados nos cálculos de áreas preservadas, para que o mercado de carbono possa ser confiável e efetivo na mitigação das mudanças climáticas.

 

Por: Observatório do Clima

Foto: Pexels